- Author, Yasmin Rufo
- Role, BBC News
“O único homem de que tive medo na vida foi uma mulher chamada Griselda Blanco.”
Esta declaração teria sido feita pelo “barão da droga” colombiano Pablo Escobar (1949-1993), ao falar sobre a pessoa que criou um dos cartéis de drogas mais lucrativos da história.
Griselda Blanco (1943-2012) – a mulher que mandava matar pessoas por “não gostar de como eles olhavam para ela” – foi um gênio do crime implacável. Seu nome era um dos mais temidos em Miami, nos Estados Unidos, nos anos 1970 e 1980.
Agora, a famosa narcotraficante é retratada por Hollywood. A atriz Sofia Vergara uniu-se à equipe responsável pela série Narcos (2015) e interpreta a antiga chefe do submundo do crime em uma nova produção de TV, lançada pela Netflix.
Recheada de violentos e dramáticos tiroteios, além de demonstrações de glamour de novos ricos, a série Griselda apresenta, em seis episódios, a célebre criminosa como uma mulher mal tratada, embora astuta e ambiciosa.
Mas a verdadeira história de Griselda Blanco, apelidada de “madrinha da cocaína” e responsável pelo assassinato dos seus três maridos, é muito mais sombria.
Blanco nasceu na Colômbia em 1943. Ela começou a se envolver em atividades criminosas aos 11 anos de idade, quando teria matado a tiros um menino rico depois de tê-lo sequestrado e seus pais se recusarem a pagar resgate.
Em 1964, com 21 anos, ela emigrou ilegalmente para Nova York, nos Estados Unidos, com o marido e seus três filhos. Eles então começaram a vender maconha.
“É importante recordar quem foi Griselda no início da sua vida. Ela era uma imigrante que criava três filhos totalmente sozinha. Ela não tinha nada, nem educação, nem instrumentos para sobreviver”, declarou Vergara, também nascida na Colômbia, em entrevista à BBC.
Eric Newman – um dos criadores e produtores da série – declarou que quis “humanizar o caráter complexo” de Griselda Blanco, pois “toda pessoa tem uma explicação, não uma desculpa, mas uma explicação”. E, como “mãe solteira que foge de um relacionamento abusivo, ela pode, às vezes, causar empatia”.
“Ela é uma mulher no mundo dos homens”, acrescenta o codiretor Andrés Baiz.
“Ela trabalha 10 vezes mais para provar que é capaz e usa sua sagacidade e inteligência para ludibriar os homens à sua volta. As pessoas começam a torcer por ela.”
‘O poder fez dela um monstro’
Em 1970, Blanco já havia encomendado o assassinato do seu primeiro marido e se mudado para Miami.
Lá, ela conheceu seu segundo marido, o traficante de drogas Alberto Bravo. Ele a apresentou para um lado ainda mais nefasto do submundo do narcotráfico.
A propensão de Blanco pela violência e sua estratégia audaciosa de contrabando de drogas – fazendo mulheres jovens voarem da Colômbia para os Estados Unidos com cocaína escondida nas roupas de baixo – foram decisivas para que ela passasse rapidamente a dirigir toda a empreitada criminosa.
Em 1975, ela assassinou seu marido por acreditar que ele estivesse roubando dinheiro dela. E, em 1983, ela ordenou o assassinato do seu terceiro marido, depois que ele saiu de Miami com o filho do casal, Michael Corleone.
Apelidada de Viúva Negra pelo seu comportamento brutal e impiedoso, Blanco fez seu império se expandir.
No início dos anos 1980, ela era uma das mulheres mais ricas e temidas do mundo. Blanco supervisionava o tráfico de 1,5 toneladas de cocaína para os Estados Unidos, todos os meses.
“Realmente acho que, quando Griselda se mudou inicialmente para Miami, sua intenção era proteger e cuidar da sua família”, declarou Vergara, “mas, ao longo do caminho, ela se perdeu e o poder e o dinheiro a transformaram em um monstro.”
No início dos anos 1980, Blanco rejeitou uma oferta de um cartel rival para entregar seu império por US$ 15 milhões (cerca de R$ 74 milhões, pelo câmbio atual).
‘Apoiada em desajustes’
Mesmo tendo controlado o império do narcotráfico em Miami com mão de ferro por duas décadas, Blanco sabia muito bem que, como mulher em um campo dominado quase exclusivamente por homens chauvinistas, sua posição era precária.
Houve um momento em que ela permitiu que um homem liderasse seus negócios porque os negociantes locais “somente aceitariam um acordo se viesse da boca de um homem”.
Depois de ser presa por assassinato, Blanco preferiu comandar ela própria os negócios e fez uso de sua situação incomum em seu benefício.
Entre abril e setembro de 1980, cerca de 135 mil cubanos emigraram para os Estados Unidos naquele que ficou conhecido como o Êxodo de Mariel — referência o porto cubano de onde saíram.
Conhecidos como Marielitos, alguns deles já estavam envolvidos em gangues criminosas, tráfico de drogas e assassinatos encomendados.
Blanco se aproveitou da situação e os recrutou para trabalhar para ela. Seu cartel criou seu próprio grupo de matadores, os Pistoleros, que ficou conhecido por seus assassinatos cometidos em motocicletas.
Blanco “é uma outsider e recruta todos esses outros outsiders à sua volta”, segundo Baiz. E, em um campo em que é difícil conquistar confiança e ainda mais difícil mantê-la, ela “sabia o que estava fazendo”.
“Todos esses personagens são desajustados, eles não pertencem aos padrões normais da sociedade”, acrescenta ele. “Griselda sabia disso e fazia com que eles se sentissem parte da sua família.”
A situação de Blanco como desajustada foi o que atraiu Vergara, que “compreendia” parte do que ela havia enfrentado.
“Sou colombiana, mãe e imigrante”, relembra ela. “Griselda foi julgada como mulher e agora sei que, devido ao meu sotaque, preciso trabalhar ainda mais e tenho menos oportunidades.”
‘Uma mulher nunca poderia ter sido tão má’
Em meados dos anos 1980, o império do crime de Blanco começou a se desfazer. Seu reino de terror foi abruptamente interrompido quando ela foi presa em Irvine, na Califórnia (EUA).
Como ela conseguiu passar duas décadas transformando Miami no seu parque de diversões particular alimentado pelas drogas sem ser presa? A equipe responsável pela série atribui esta façanha ao seu gênero.
“Por ser mulher, ela conseguia se safar com muito e desaparecer quando precisava – ninguém esperava que uma mulher fosse dirigir um cartel daquele tamanho”, explica Vergara. “As pessoas acham que uma mulher nunca poderia ser tão má.”
E, enquanto as agências de combate às drogas, dirigidas por homens, acreditavam categoricamente que uma mulher não poderia estar por trás do narcotráfico, alguém estava explorando exatamente esta linha de investigação.
Mesmo sendo rotineiramente ignorada e usada apenas para traduzir espanhol para seus colegas, a analista de inteligência June Hawkins, do departamento de polícia de Miami, vinha tentando capturar Blanco desde meados dos anos 1970.
Para Newman, Hawkins é uma parte essencial da história.
“Ela é um espelho de Griselda”, ele conta. “É outra jovem mãe solteira de origem latina que trabalha em um mundo que subvaloriza as mulheres. Ela serve para mostrar ao público que as escolhas de Griselda não eram sua única opção.”
No dia 17 de fevereiro de 1985, Blanco foi presa em casa e julgada culpada pela fabricação, importação e distribuição de cocaína.
Ela também foi acusada de três assassinatos e passou duas décadas atrás das grades.
Durante sua passagem na prisão, três dos seus filhos foram mortos. Ela foi solta em 2004, deportada para a Colômbia e passou a viver uma vida sossegada.
Até que, em 3 de setembro de 2012, aos 69 anos, Griselda Blanco foi assassinada a tiros por um homem de motocicleta em Medellín, na Colômbia. O crime foi uma cópia do estilo de assassinato que ela havia criado durante seu reinado.
“Sua morte demonstra o real nível de ódio contra ela”, declarou Newman à BBC.
“Em 2012, ela era uma mulher inofensiva, vivendo como reclusa, e três dos seus quatro filhos estavam mortos.”
Baiz afirma que a história da assassina fumante em série com a arma na mão é uma “visão perfeita”.
“Ela vem do nada, vivencia esse sucesso incrível, mas, quando você chega ao fim da história, é uma tragédia que termina com perda total.”
Apesar da envolvente saga de poder que foi a vida de Griselda Blanco, ela é frequentemente esquecida pelos livros de história.
A própria Sofia Vergara, que cresceu na Colômbia, declarou que “nunca havia ouvido falar dessa mulher”. E, depois que soube da história de sua vida, achou que seria “impossível” que aquela fosse uma história real.
“Foi por isso que quis interpretar Griselda. Ela é uma mãe, vilã, amante e assassina, tudo ao mesmo tempo. Mais do que qualquer outra pessoa, ela mostra como os seres humanos podem ser complexos.”
Griselda estreia na Netflix em 25 de janeiro.
Fonte: BBC