Uma das principais lideranças indígenas do país, o cacique kayapó Raoni Metuktire esteve entre os representantes do povo brasileiro que subiram a rampa do do Planalto neste domingo (01/01) durante a cerimônia de entrega de faixa na posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No passado, Raoni já teceu críticas ao petista.
Liderança reconhecida mundialmente, Raoni recebeu o título de Membro Honorário da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) no ano passado. Em 2020, ele chegou a ser indicado ao Prêmio Nobel da Paz.
Segundo um site mantido pela ONG francesa Planète Amazone, parceira de longa data de Raoni, ele nasceu por volta de 1932 na aldeia Krajmopyjakare, no nordeste do Mato Grosso. Na época, o povo kayapó (autodenominado mebêngôkre) era nômade e não tinha contato regular com o mundo exterior.
Naqueles anos, os irmãos Orlando, Cláudio e Leonardo Villas-Bôas percorriam a região a serviço do governo federal, identificando áreas onde autoridades pretendiam realizar obras e instalar núcleos habitacionais. Numa dessas andanças, em 1954, os irmãos Villas-Bôas conheceram Raoni. Foi com eles que o líder kayapó ampliou suas noções sobre a língua portuguesa e sobre o mundo dos brancos.
Em 1958, o indígena acompanhou o trio numa expedição para demarcar o centro geográfico do Brasil, às margens do rio Xingu, em cuja bacia o povo kayapó vive até hoje. O país era então presidido por Juscelino Kubitschek, que já estivera com Raoni em 1950.
Em 1964, o cacique encontrou o rei Leopoldo 3º da Bélgica, que visitou o Brasil 13 anos após deixar o trono. Foi o primeiro de vários líderes estrangeiros com que ele teve contato, lista que inclui dois papas — João Paulo 2º e Francisco — e três presidentes da França — Fraçois Mitterrand (1981-1995), Jacques Chirac (1995-2007) e o atual mandatário, Emmanuel Macron.
Fama internacional
A fama internacional de Raoni foi catapultada por um encontro com o cineasta belga Jean-Pierre Dutilleux. Os dois se conheceram em 1973 e, anos depois, o cineasta gravou um documentário sobre o indígena e seu povo.
Aclamado pela crítica, o filme “Raoni” teve sua versão em inglês narrada pelo ator americano Marlon Brando. Foi indicado ao Oscar e exibido no Festival de Cannes. No Brasil, ganhou o prêmio de melhor filme em Gramado.
Nos anos 1980, Dutilleux apresentou Raoni ao cantor britânico Sting. Vários anos antes da popularização das marchas pelo clima e das conferências globais sobre meio ambiente, a dupla rodou o mundo pedindo apoio à preservação das florestas e aos direitos dos povos indígenas.
Eram tempos em que o agronegócio e a mineração se expandiam velozmente pela Amazônia, favorecidos por grandes obras e políticas da ditadura militar (1964-1985). No norte do Mato Grosso, só não virariam fazendas as áreas de floresta demarcadas como terras indígenas ou reservas ambientais.
Naqueles anos, garimpeiros começaram a chegar em maior número às terras dos kayapós — e, desde então, jamais saíram completamente. Hoje eles têm o respaldo de alguns líderes do grupo, que recebem dinheiro dos garimpeiros em troca da permissão para atuar no território. A atividade é ilegal.
Constituição de 1988
Enquanto se projetava no exterior ao lado de Sting, Raoni também se tornava cada vez mais conhecido no Brasil. Na Assembleia Constituinte, o líder levou dezenas de guerreiros kayapós a Brasília para pressionar os congressistas a aprovar uma Constituição favorável às comunidades nativas. O movimento, do qual participaram vários outros povos nativos, teve sucesso e abriu o caminho para a demarcação de grandes terras indígenas no país.
Desde aquela época, Raoni e os kayapós viraram presença frequente em mobilizações indígenas na capital. No Acampamento Terra Livre, hoje o principal evento do tipo, os kayapós costumam atrair a atenção de cinegrafistas quando apresentam suas danças e cantos típicos, adornados com penas e pinturas corporais.
Nesses eventos, Raoni é tratado com deferência e tietado por outros indígenas — feito notável para alguém cujo povo, até meio século atrás, vivia em guerra com quase todas as etnias vizinhas.
Críticas a presidentes
Apesar de participar da posse de Lula, Raoni já teceu duras críticas ao petista no passado. O líder indígena também era um crítico ferrenho das ações do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Em entrevista à BBC News Brasil em 2019, Raoni disse que a luta contra Bolsonaro era “a mesma que fizemos contra Lula e Dilma”.
“Todos os presidentes anteriores nos apoiaram. A partir de Lula, todos geraram divisão entre o índio e o governo”, afirmou.
Raoni diz que os anos Lula e Dilma marcaram uma inflexão na sua relação com o governo federal. Ele afirma que foi recebido por todos os presidentes que governaram entre a redemocratização e a posse de Lula: José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e FHC. Todos eles, diz Raoni, “me apoiaram muito para que eu pudesse ajudar meu povo”.
Com Lula, porém, a relação se deteriorou. “Ele começou a planejar essa ideia de levantar (a hidrelétrica de) Belo Monte. Nós conseguimos parar a obra, só que ela recomeçou com o governo Dilma. E Dilma autorizou Belo Monte.”
Crítico ao empreendimento, Raoni deixou de ser recebido no Palácio do Planalto. “Nossa luta contra Bolsonaro é a mesma que fizemos contra Lula e Dilma. Todos eles — Lula, Dilma, Bolsonaro — geraram essa divisão entre o índio e o governo. Por isso que eu venho lutando para que não haja essa divisão.”
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