- Author, Letícia Mori
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
O advogado Cristiano Zanin Martins, indicado pelo presidente Lula para a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), não tinha experiência em direito penal quando assumiu a defesa do petista nos casos da operação Lava Jato.
Formado em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Zanin era especializado em direito processual e atuava em direito empresarial, especialmente em disputas complexas e grandes casos de recuperação judicial.
Suas vitórias na defesa de Lula, no entanto, o projetaram como um dos principais nomes da advocacia brasileira nos últimos cinco anos.
Com as condenações anuladas pelo STF em causas reconhecidamente difíceis, Lula conseguiu concorrer novamente e assumir seu terceiro mandato como presidente da República.
Advogado de Lula desde 2013 e ao seu lado no que foram os momentos mais difíceis de sua vida, segundo o próprio Lula, Zanin ganhou a confiança do presidente e agora foi indicado ao prestigiado cargo de ministro do STF, considerado o topo da carreira jurídica.
O presidente Lula afirmou em sua página no Twitter que Zanin será um “grande ministro” e que conhece suas “qualidades, formação, trajetória e competência”.
“Acho que o Brasil irá se orgulhar”, escreveu o presidente. Antes de assumir, o advogado precisa passar por uma sabatina no Senado.
Embora Zanin não seja o primeiro advogado que atuou em defesa de um presidente a ser indicado para a Corte, a sua nomeação ao STF tem dado munição a críticos de Lula que reclamam da grande proximidade do presidente com o advogado.
Mas afinal, quem é Cristiano Zanin Martins e por que sua indicação gera controvérsias?
Quem é Cristiano Zanin?
A relação de Cristiano Zanin Martins com Lula vem do fato de que o advogado é casado com Valeska Zanin Martins, afilhada de Lula e filha do seu amigo Roberto Teixeira, próximo de Lula há mais de 40 anos.
Nascido em uma família de classe média no interior de São Paulo, Zanin é filho do advogado Nelson Martins.
Estudou em colégios particulares de Piracicaba e depois fez direito na PUC-SP, indo para a área de direito processual e direito empresarial.
Quando assumiu o caso de Lula, Zanin era sócio do sogro no escritório Teixeira Martins, localizado nos Jardins, em São Paulo.
A região é cheia de escritórios de advocacia e de restaurantes onde era comum encontrar os nomes em ascensão no direito durante o curso dos casos da Lava Jato.
A notoriedade trazida por ter Lula como cliente – e os riscos -, no entanto, faziam com que Zanin não estivesse entre eles. Reservado, ele costumava pedir comida e almoçar no escritório.
Após um rompimento com o sogro, Zanin criou seu próprio escritório com a esposa, o Zanin Martins Advogados.
O escritório que deve ser tocado por Valeska com a ida do marido para o STF – os dois têm três filhos e são bastante unidos, segundo advogados que conhecem o casal ouvidos pela BBC News Brasil.
Requisitos para o STF
Zanin tem hoje 47 anos, o que significa que poderia atuar por 28 anos na Corte, até a aposentadoria compulsória aos 75 anos.
Apesar de ser jovem, ele não é o ministro mais novo a ser nomeado e cumpre todos os requisitos determinados pela Constituição como necessários para a indicação, diz o especialista em direito constitucional e administrativo Wallace Corbo, professor de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Em seu Artigo 12, a Constituição Federal determina que os ministros do Supremo devem ser escolhidos entre “cidadãos com mais de 35 e menos de 70 anos”, de “notável saber jurídico” e “reputação ilibada”.
“Nos últimos anos ele (Zanin) se consolidou como um dos advogados mais conhecidos do país e foi muito bem sucedido em casos que estavam desenganados, é um advogado de grandes causas, não há dúvidas sobre ter um notório saber jurídico”, diz Corbo.
“Ele também tem reputação ilibada – não há nenhum fato que o desabone.”
As críticas que têm sido feitas, diz Corbo, não são à figura do advogado em si, mas ao fato de ele ser muito próximo ao presidente – algo que tem gerado desgaste político a Lula.
Proximidade
Adversários criticam a proximidade pessoal de Zanin com Lula e afirmam que a indicação poderia ferir o princípio da impessoalidade da administração pública.
Corbo aponta, no entanto, que não há nenhum impedimento legal à nomeação de alguém próximo, desde que a pessoa seja capacitada.
“É inevitável que o presidente busque profissionais que conhece ou indicações de pessoas muito próximas a ele. O desenho da indicação ao STF na Constituição é feito para que o presidente possa imprimir na Corte sua orientação, colocando alguém que compartilhe sua visão.”
Após a indicação, diz Corbo, o ministro se torna independente e o fato de ter sido próximo não significa que vai decidir a favor dos interesses de quem o indicou.
O ministro Dias Toffoli, por exemplo, que foi indicado por Lula e foi advogado do PT, teve uma postura dura que não favoreceu Lula nos casos da Lava Jato, lembra o professor de direito.
Zanin não é o primeiro indicado a ter atuado na defesa do presidente que fez a nomeação.
O mais recente ministro da Corte, André Mendonça, fez a defesa de Bolsonaro como Advogado-Geral da União (AGU). O ministro Gilmar Mendes também foi AGU no governo de Fernando Henrique Cardoso antes de ser nomeado pelo tucano ao STF. Dias Toffoli também foi AGU por quase dois anos.
Alguns ministros atuais da Corte já se posicionaram publicamente para dizer que não veem impedimentos à indicação de Zanin e elogiando sua atuação como advogado.
“Não vejo nenhum conflito ético, nem moral, nem violação da impessoalidade. É um advogado que desempenhou o trabalho quando tudo parecia perdido, quando tudo estava ladeira acima”, disse o ministro Luis Roberto Barroso em uma entrevista ao portal Uol neste ano.
No julgamento que declarou Moro suspeito para julgar Lula, em 2021, o ministro Gilmar Mendes descreveu o trabalho da defesa do petista como “brilhante”.
“Vimos um advogado que não se cansou de trazer questões ao tribunal, muitas vezes até sendo censurado, incompreendido”, afirmou.
Críticas à direita e ressalvas à esquerda
Bolsonaristas têm questionado a indicação de Zanin com a pergunta sobre qual seria a reação se Bolsonaro indicasse o advogado da família, Frederick Wassef, para o STF.
“É uma comparação totalmente sem cabimento”, diz Corbo, “porque Wassef não tem o histórico de atuação jurídica de Zanin, não tem o notório saber jurídico nem reputação ilibada”.
Wassef é investigado em casos criminais envolvendo a família Bolsonaro e o ex-assessor Fabrício Queiroz, que chegou a ficar foragido e foi encontrado pela polícia na casa de Wassef. Eles negaram quaisquer irregularidades.
“Em termos de proximidade, a indicação da Zanin é muito mais comparável à indicação do André Mendonça ou de Gilmar Mendes”, diz Corbo.
O professor aponta que a sabatina no Senado do novo ministro serve justamente para barrar indicações inapropriadas.
“E a sabatina do Zanin não será fácil. Antigamente elas eram mais simples e protocolares, mas nos últimos anos não têm sido”, diz Corbo.
A composição do Senado, embora mais amigável ao PT do que a da Câmara dos Deputados, tem nomes que devem dificultar a sabatina de Zanin.
Entre eles, está o atual senador e ex-juiz de primeira instância Sergio Moro – que condenou Lula à prisão e contra quem Zanin conseguiu vitórias no STF.
O Supremo decidiu em 2021, por 7 votos a 4, que Moro era suspeito para julgar Lula e anulou suas condenações.
Mas não são só a direita e os adversários do presidente que tem críticas à indicação de Zanin.
Parte da esquerda – e membros do próprio governo – têm ressalvas à nomeação.
Uma das principais é que não se conhece publicamente a posição de Zanin em relação a temas importantes e muito caros ao partido, como direito trabalhista e direito tributário, por exemplo.
Encontros do possível futuro ministro com petistas, como um jantar na casa do deputado Alencar Santana (PT-SP) em março, não ajudaram a esclarecer essas visões, disse um deputado à BBC News Brasil – afirmando, no entanto, que confia “na escolha pessoal do presidente”.
Outra ressalva é que a indicação de Zanin não ajuda a contribuir com a diversidade da Corte, que hoje tem apenas duas mulheres e nenhum negro.
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