- Leandro Prazeres
- Da BBC News Brasília em Brasília
No dia 19 de dezembro de 2018, o então advogado André Janones foi às redes sociais comemorar sua maior conquista política até então: a diplomação como deputado federal por Minas Gerais. Na postagem, mandou um recado:
“Agora é oficial: Fui diplomado Deputado Federal!
Não contem comigo pra defender Lula!
Não contem comigo pra defender Bolsonaro!
Contem comigo pra defender o POVO BRASILEIRO, seja de qualquer sexo, cor ou religião! Foi pra isso que Deus e vocês me confiaram essa missão!”, dizia a publicação.
Nesta quinta-feira (04/08), Janones deve anunciar que desistiu da sua candidatura à Presidência da República para apoiar o nome do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a um novo mandato.
Caso se confirme, o anúncio será um momento de inflexão na relativamente curta carreira política do deputado. Ele chegou à Câmara Federal como um dos ícones da chamada “nova política”, termo pelo qual ficaram conhecidos nomes que ganharam popularidade após a crise deflagrada pela Operação Lava Jato.
Como muitos de seus contemporâneos, Janones ficou conhecido pelos discursos em que chamava políticos de “ladrões” e “vagabundos” e entoava o slogan “Pra cima deles”.
Nos últimos meses, porém, Janones lançou sua candidatura à Presidência e passou a moderar o tom de suas declarações, mantendo críticas aos dois candidatos mais bem posicionados nas pesquisas de intenção de voto (Lula e o presidente Jair Bolsonaro, do PL), mas adotando um discurso mais conciliatório.
Em julho, Janones começou a sinalizar que poderia apoiar Lula em um eventual segundo turno contra Bolsonaro, afirmando que estaria “no lado oposto” ao do presidente.
“Eu vou estar ao lado da democracia. Eu vou estar ao lado da defesa das nossas instituições […] Logo, eu estarei do lado oposto ao do atual presidente Bolsonaro”, disse o deputado em entrevista à Rede Globo.
Semanas depois, ele admitiu a possibilidade de desistir de sua candidatura em favor da de Lula.
“Se ele (Lula) acampar (sic) minhas propostas, eu desisto da minha candidatura”, disse Janones em entrevista ao portal UOL na segunda-feira (1/08).
Em meio às dificuldades para subir nas intenções de voto e diante das investidas do PT, o deputado que prometeu não defender Lula agora é visto como uma peça importante no xadrez eleitoral que pode levar Lula a um terceiro mandato.
André Luis Gaspar Janones tem 38 anos de idade. Ele nasceu em Ituiutaba, cidade com aproximadamente 105 mil habitantes a 588 quilômetros de Belo Horizonte. Sua mãe foi empregada doméstica e seu pai era cadeirante.
Conseguiu estudar Direito em uma faculdade particular graças a uma bolsa de estudos para atender famílias em situação de vulnerabilidade. Para se sustentar, trabalhou como cobrador de ônibus.
Sua vida política começou oficialmente em 2003, quando Janones se filiou ao PT. Ele ficou no partido até 2012. Em entrevista concedida em julho deste ano ao podcast “O Assunto”, da Rede Globo, o deputado explico que o levou a se filiar e a deixar o partido.
“Fui levado ao partido [dos Trabalhadores] pela defesa das minorias, pela defesa dos mais pobres, pela defesa dos trabalhadores, pela defesa de um Estado mais forte para quem realmente precisa do Estado”, disse.
“Em algum momento, o PT abandona essas bandeiras […] e começa a caminhar junto com os banqueiros […] nesse momento, há esse rompimento ideológico meu, vamos chamar assim, com o Partido dos Trabalhadores”, afirmou.
Depois do PT, Janones se filiou ao PSC (em 2012) e depois ao Avante.
Sua atuação política era inicialmente restrita ao interior de Minas Gerais. Como advogado, ele usava suas redes sociais para cobrar o cumprimento de decisões judiciais obrigado o governou o a prefeitura locais a oferecerem tratamentos médicos.
Em 2016, Janones disputou sua primeira eleição. Ele se candidatou à Prefeitura de Ituiutaba, mas ficou em segundo lugar, com 24% dos votos.
Sua carreira política decolou dois anos depois. Usando suas redes sociais, ele se transformou em um dos principais porta-vozes da greve dos caminhoneiros, entre maio e junho de 2018. Na época, as transmissões ao vivo que ele fazia sobre o assunto eram assistidas por milhares de pessoas.
Atualmente, Janones tem mais de 8 milhões de seguidores no Facebook, 2 milhões no Instagram, 301 mil no TikTok e 149 mil no Twitter. No Facebook, ele tem mais seguidores que Lula, que tem 4,9 milhões. Bolsonaro, na outra ponta, tem 14 milhões.
Impulsionado por essa popularidade, ele disputou as eleições de 2018 como candidato a deputado federal. Em suas redes sociais, adotou o slogan “Pra cima deles” e um discurso em que prometia “ir pra cima” de “político vagabundo”.
“Tá na hora de colocar político vagabundo pra tremer”, disse Janones em uma postagem no Facebook ao anunciar seu primeiro programa político na TV.
Em entrevista à Rádio Itatiaia em junho deste ano, o deputado explicou que o tom usado no início de sua carreira política teria sido uma resposta à demora do poder público em cumprir decisões judiciais nas quais ele atuava.
“Qual foi a maneira que encontrei? Utilizar minhas redes sociais pra cobrar o Estado e o poder público pra cumprir aquela decisão e aí não dava pra usar o politicamente correto e assim, infelizmente era assim que funcionava […] fazendo o que alguns taxam de sensacionalista, populismo”, disse Janones.
A estratégia deu certo e ele foi o terceiro deputado federal mais votado de Minas Gerais em 2018, com 178 mil votos.
Mudança de tom
Apesar de adotar uma retórica antissistema semelhante à do então candidato à Presidência Jair Bolsonaro, Janones evitou demonstrar apoio tanto o presidente quanto a Lula.
Nos últimos meses, quando se lançou pré-candidato à Presidência, Janones reforçou críticas feitas a ambos.
Sobre o ex-presidente, criticou sua suposta “apologia à ignorância”, pelo fato de Lula ressaltar que não fez curso superior. Sobre Bolsonaro, Janones comparou a atuação do governo em relação à covid-19 a uma “política de extermínio em massa”.
Ao mesmo tempo, passou a adotar um tom mais moderado, projetando-se como uma alternativa à polarização.
Para o professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (FGV-SP) Claudio Couto, a mudança no tom seria um sinal de amadurecimento político.
“Janones tem quase quatro anos de mandato. Muita gente que chega na linha do ‘vamos mudar tudo’, com o tempo, entende que as coisas não são bem assim. Esse tempo amadurece. Aquele cara da ‘antipolítica’ foi dando lugar a alguém que faz política, mais moderado. E traçar alianças é algo inerente à política”, afirmou Couto à BBC News Brasil.
Estratégia focada no primeiro turno
Fontes do PT com as quais a BBC News Brasil conversou indicam que a reaproximação do partido com Janones começou no começo deste ano, quando o cenário eleitoral começou a ficar mais bem delineado. A principal interlocutora do partido com o deputado foi a presidente da sigla, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR).
As conversas ganharam força nas últimas semanas até que, em julho, Janones e Lula se encontraram em um hotel de Brasília para conversar sobre a conjuntura política. Dias depois, o deputado anunciou em suas redes sociais que teria uma nova conversa com Lula sobre as eleições.
Claudio Couto diz que a busca do apoio de Janones por Lula faz parte da estratégia do partido de tentar encerrar a disputa no primeiro turno. Segundo pesquisa do Instituto Datafolha mais recente, Lula teria 52% das intenções de votos válidos (excluídos brancos e nulos), o que decidiria a eleição sem segundo turno.
Entretanto, a pesquisa tem margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos, o que indica que a disputa poderia, sim, ir para a segunda etapa, algo que os petistas querem evitar.
Ainda de acordo o Datafolha, Janones teria 1% das intenções de voto e 37% dos seus eleitores afirmaram que poderiam votar em Lula.
“Do ponto de vista numérico, estamos falando de poucos votos, mas num cenário em que o que está em jogo é ganhar no primeiro turno, o apoio de Janones faz sentido. Se você concentra a disputa entre dois candidatos (Lula e Bolsonaro), você aumenta as chances de as eleições acabarem mais cedo”, diz Couto.
Para o diretor da Quaest Pesquisa e Consultoria, Felipe Nunes, o apoio de Janones teria um efeito simbólico.
“Janones é o símbolo de uma nova geração de políticos forjados na popularidade digital. Mais do que seus votos, Lula está em busca de uma narrativa de frente ampla contra Bolsonaro. Algo que possa sugerir para a sociedade uma eleição plebiscitária. O apoio de Janones é simbólico. Mesmo não trazendo votos, dá sustentação a uma boa narrativa”, disse Nunes.
A BBC News Brasil enviou perguntas à assessoria de imprensa de André Janones, mas, até o fechamento desta reportagem, nenhuma resposta havia sido enviada.
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