- Author, James Waterhouse*
- Role, Correspondente da BBC na região de Kharkiv, na Ucrânia
“Quando vou dormir, eu vejo os camaradas que perdi, como os carreguei sem membros, como eles morreram em meus braços.”
“Isso vai ficar conosco pelo resto de nossas vidas.”
Há uma escuridão que paira no olhar de Dmytro — os olhos de um soldado que voltou recentemente da linha de frente.
Após 15 meses de combate na região de Donetsk, Dmytro aperta com força a mão da esposa, Tetiana, em um centro de recuperação no nordeste da Ucrânia.
Ela viajou 966 km até este inócuo complexo de edifícios na região de Kharkiv depois que Dmytro recebeu uma semana de folga.
No ano passado, cerca de 2 mil soldados passaram por lá para fazer sessões de terapia e fisioterapia. Os organizadores admitem que é apenas uma pausa, e não uma reabilitação. A maioria volta para a linha de frente.
Funcionários do centro afirmam que a Ucrânia está tentando manter seus soldados bem o suficiente para “ficar de pé até o fim”.
“Vamos sofrer as consequências pelo resto de nossas vidas”, diz Dmytro enquanto seus olhos ficam marejados.
‘Algo se quebrou’
Dmytro prometeu não raspar a barba até a guerra acabar. Seu comprimento reflete os mais de 400 dias desde a invasão em grande escala da Rússia.
Tetiana acredita que não foi só a aparência do marido que mudou.
“Ele mudou muito”, diz ela. “Provou que é capaz de muitas coisas, nos protegendo e defendendo a Ucrânia. Mostrou que pode fazer muito.”
Conversamos com Pavlo, que está dando um tempo como piloto de drones, nos jardins do complexo. Ele tem dificuldade para dormir.
“Às vezes, você não sabe o que falar com velhos amigos, porque os interesses mudam”, afirma.
“Não quero compartilhar tudo o que vi com eles.”
“Não estou mais interessado em coisas que costumávamos ter em comum. Algo mudou, até se quebrou.”
A função de Pavlo significa que ele é um alvo — exposto a horrores que a maioria não precisa testemunhar.
Isso o deixou em uma espécie de terra de ninguém psicológica.
“Todo dia que estou na linha de frente, quero ir para casa”, diz ele. “Mas quando chego em casa, tenho essa estranha sensação de querer voltar para meus camaradas.”
“É uma sensação muito estranha, de estar deslocado.”
Os gestores deste centro de recuperação acreditam que vai levar até 20 anos para reabilitar mentalmente a população da Ucrânia após a guerra.
Yana Ukrayinska, do Ministério da Saúde do país, está tentando se antecipar a essas projeções planejando fornecer assistência de saúde mental para “um em cada dois cidadãos”.
“Estamos preparando nosso sistema para oferecer atendimento psicológico de qualidade para cerca de 15 milhões de pessoas”, ela conta.
“Esperamos que não seja necessário, mas estamos convencidos de que devemos estar prontos.”
Afinal, a invasão russa afeta todos os ucranianos. Milhões foram forçados a deixar suas casas e separados de seus entes queridos, sofrendo violência e perdendo todos os seus pertences.
Especialistas afirmam que os problemas de saúde mental mais comuns são o estresse ou os transtornos de ansiedade, mas acredita-se que o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) terá um impacto real nos próximos anos.
A primeira-dama da Ucrânia, Olena Zelenska, lançou recentemente um programa nacional de saúde mental, mas ainda faltam terapeutas. É por isso que a ênfase do governo está no autocuidado.
Para uma turma de seis pessoas em Kharkiv, isso significa terapia corporal. Eles participam de uma sessão na qual se sentam e compartilham sentimentos, antes de explorarem o toque e o movimento um com os outros.
Inna vem aqui para cuidar de sua própria saúde mental, para poder ajudar outras pessoas como terapeuta.
“É muito importante para mim ficar bem para ter um recurso que possa oferecer às pessoas”, diz ela.
Inna também pode ver como as pessoas mudaram em sua cidade desde o início da guerra.
“Hoje em dia, as pessoas vivem mais no presente, não adiam a vida para o futuro, e são mudanças boas, na minha opinião.”
“Mas também há muitas experiências traumáticas, TEPT e depressão, que requerem a ajuda de psiquiatras.”
Um lembrete de como o peso desse conflito não está contido nas trincheiras. As pessoas estão conectadas à guerra de inúmeras maneiras, independentemente de sua localização.
* Reportagem adicional de Hanna Chornous, Rachael Thorn, Siobhan Leahy e Daria Sipigina.
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