• Fabian Zander
  • The Conversation*

Crédito, CFOTO/Future Publishing via Getty Images

Somente entre o final de julho e o início de agosto, tivemos dois incidentes separados de fragmentos espaciais caindo na Terra em lugares inesperados.

No dia 30 de julho, houve a reentrada descontrolada de um foguete chinês Longa Marcha 5B sobre a Malásia. E, em primeiro de agosto, surgiram notícias sobre partes de espaçonaves encontradas em Nova Gales do Sul, na Austrália, que logo foram confirmadas como sendo originárias de uma missão Crew-1 da empresa SpaceX, de Elon Musk.

À medida que a indústria espacial cresce, é correto afirmar que esses incidentes se tornarão mais frequentes e poderão representar riscos. Mas qual a dimensão exata desses riscos?

O lixo espacial é formado por componentes de sistemas que não são mais necessários e foram deixados para trás. Pode ser um satélite que atingiu o final da sua vida útil (como a Estação Espacial Internacional) ou partes de foguetes que completaram suas missões e estão sendo descartados.

A China já lançou três foguetes Longa Marcha 5B e todos eles foram deixados deliberadamente em órbita descontrolada. Isso significa que não havia forma de saber onde eles atingiriam a Terra.

Quanto aos fragmentos encontrados nas Snowy Mountains, uma cordilheira em Nova Gales do Sul, a SpaceX retira de órbita suas partes de foguetes de forma controlada e projeta outros componentes para que queimem durante a reentrada na atmosfera terrestre. Mas os noticiários mostraram que nem sempre sai tudo conforme o planejado.

Então qual é o perigo real do lixo espacial? Bem, até onde sabemos, apenas uma pessoa já foi atingida por eles.

Lottie Williams, moradora da cidade de Tulsa, em Oklahoma (Estados Unidos), foi atingida por um pedaço de lixo espacial em 1997. A peça tinha aproximadamente o tamanho da mão dela e acredita-se que tenha vindo de um foguete americano Delta II. Ela guardou o fragmento e relatou às autoridades no dia seguinte.

Mas, com cada vez mais objetos sendo lançados ao espaço e retornando, a possibilidade de algo ou alguém ser atingido está aumentando, especialmente com relação a grandes objetos descontrolados, como os foguetes Longa Marcha 5B.

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Legenda da foto,

Em 2014, um grande fragmento de lixo espacial aterrissou perto de Salinópolis, no Pará. O fragmento tem o logotipo da Agência Espacial Britânica e de uma companhia europeia de satélites

Nas três vezes em que este modelo de foguete foi lançado, o que aconteceu foi:

  • o primeiro reentrou na atmosfera em 11 de maio de 2020 e houve componentes que atingiram a Terra em uma aldeia na Costa do Marfim;
  • o segundo reentrou em 9 de maio de 2021, perto das ilhas Maldivas; e
  • o terceiro reentrou em 30 de julho de 2022 sobre a Indonésia e a Malásia e fragmentos atingiram aquela região.

Devo ficar preocupado?

Existem muitas estimativas diferentes sobre as possibilidades de que fragmentos de lixo espacial atinjam alguém, mas a maioria está na faixa de uma em 10 mil.

Esta é a chance de que alguma pessoa seja atingida, em alguma parte do mundo. Mas a possibilidade de que uma pessoa específica seja atingida (como eu ou você) é da ordem de uma em um trilhão.

Existem diversos fatores por trás dessas estimativas, mas vamos nos concentrar por enquanto em um fator fundamental.

Ao analisar o trajeto orbital do recente foguete Longa Marcha 5B-Y3 nas suas últimas 24 horas (lembrando que diferentes objetos têm trajetos orbitais diferentes), é possível notar que ele passa cerca de 20% do seu trajeto sobre terra firme (em vez de oceanos). Uma vaga estimativa diz que existem 20% de terras habitadas – logo, existe uma possibilidade de 4% de que a reentrada do Longa Marcha 5B ocorra sobre uma região onde há moradores.

Pode parecer uma possibilidade bastante alta. Mas, considerando o quanto de “terra habitada” realmente abriga muitas pessoas, a probabilidade de danos ou morte fica significativamente menor.

Já a chance de danos a propriedades é maior. Ela pode chegar a 1% para qualquer reentrada do Longa Marcha 5B na atmosfera.

Além disso, o risco geral representado pelo lixo espacial irá aumentar com o imenso número de objetos sendo lançados e reentrando na atmosfera. Os planos atuais de empresas e de agências espaciais em todo o mundo envolvem muito mais lançamentos.

A Estação Espacial Chinesa Tiangong deve ficar pronta no final de 2022. E a Coreia do Sul tornou-se recentemente o sétimo país a lançar satélites com carga útil de mais de uma tonelada – com planos de expandir seu setor espacial (além de Japão, Rússia, Índia e Emirados Árabes Unidos).

Com isso, é muito provável que a possibilidade de sermos atingidos só aumente (ainda que se espere que permaneça sendo muito pequena).

Como podemos nos preparar?

Duas perguntas vêm à mente:

1. Podemos prever a reentrada de lixo espacial?

2. O que podemos fazer para reduzir o risco?

Vamos começar com as previsões. Pode ser um enorme desafio prever onde um objeto em órbita descontrolada irá reentrar na atmosfera terrestre.

Crédito, The Conversation

Legenda da foto,

Órbitas do estágio do foguete Long March 3B-Y3 nas suas últimas 24 horas. A estrela vermelha indica o local aproximado da sua reentrada

A regra geral afirma que a incerteza do tempo estimado de reentrada é de 10% a 20% do tempo orbital restante. Isso significa que um objeto com tempo estimado de reentrada em dez horas terá uma margem de incerteza de cerca de uma hora. Ou seja, se um objeto estiver orbitando a Terra a cada 60-90 minutos, ele poderá entrar praticamente em qualquer lugar.

Melhorar essa margem de incerteza é um grande desafio que exigirá pesquisas significativas. E, mesmo assim, é improvável que possamos prever o local de reentrada de um objeto com margem de erro de menos de 1 mil quilômetros de distância.

Formas de reduzir os riscos

Reduzir os riscos é um desafio, mas existem duas opções.

Primeiro, todos os objetos lançados em órbita da Terra devem ter um plano de saída de órbita segura para uma região desabitada. Normalmente, essa região é a Área Desabitada do Sul do Oceano Pacífico (SPOUA, na sigla em inglês), também conhecida como o “cemitério das espaçonaves”.

E existe também a opção de projetar cuidadosamente os componentes para que eles se desintegrem completamente durante a reentrada. Se tudo queimar ao atingir a atmosfera superior, os riscos deixarão de ser significativos.

Já existem orientações que exigem a minimização dos riscos do lixo espacial, como o protocolo das Nações Unidas para a Sustentabilidade das Atividades no Espaço Cósmico a Longo Prazo, mas seus mecanismos não foram especificados.

E como aplicar essas orientações internacionalmente? Quem pode fiscalizar sua execução? São questões que permanecem sem resposta.

Em resumo, você deve se preocupar em ser atingido pelo lixo espacial? Por enquanto, não.

É importante ter mais pesquisas sobre o lixo espacial para o futuro? Com certeza, sim.

* Fabian Zander é pesquisador de engenharia aeroespacial da Universidade do Sul de Queensland, na Austrália.