Crédito, REUTERS/Diego Vara

Legenda da foto, Autoridades alertam para risco de leptospirose em água suja das enchentes

Enquanto o Rio Grande do Sul ainda enfrenta inundações em decorrência das fortes chuvas que caíram em todo o Estado no último mês, outro problema começa a surgir com força: a leptospirose.

O governo estadual confirmou na quinta-feira (23/05) mais duas mortes por leptospirose relacionadas às fortes enchentes que atingiram o Estado. Morreram dois homens — de 56 e 50 anos, moradores dos municípios de Cachoeirinha e Porto Alegre, respectivamente.

As mortes aconteceram na semana passada, mas a causa foi confirmada em exames de laboratório esta semana.

Antes disso, neste mês, duas outras pessoas já haviam morrido de leptospirose em decorrência das enchentes, nos municípios de Venâncio Aires e Travesseiro.

Até esta sexta-feira (24/5), o Rio Grande do Sul tem 54 casos confirmados de leptospirose, e quatro mortes.

Outras quatro mortes estão sendo investigadas e ainda não foram confirmadas como sendo em decorrência da doença: em Encantado, Sapucaia, Viamão e Tramandaí.

Há 1.140 casos notificados de leptospirose — ou seja, em que não foi confirmado um diagnóstico da doença, mas em que pacientes relataram sintomas.

Mesmo sem as enchentes, o Rio Grande do Sul já vinha sofrendo com casos de leptospirose. Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2024 (até 19 de abril), já havia ocorrido 129 casos e seis mortes. Ao longo de 2023, foram 477 casos, com 25 óbitos.

As autoridades gaúchas temem um aumento grande no número de casos (leia nesta reportagem sobre as ondas de doenças previstas por profissionais da saúde após as enchentes no Rio Grande do Sul).

Em entrevista para o jornal Zero Hora, Tani Ravieri, coordenadora do Centro Estadual de Vigilância em Saúde do Rio Grande do Sul (Cevs), órgão do governo estadual, disse que as autoridades preveem que o Rio Grande do Sul vai sofrer com leptospirose por bastante tempo depois das enchentes.

Outro problema neste momento de crise é o monitoramento da doença, já que os sistemas de informática do Estado que levantam os dados sobre a doença estão comprometidos, porque prédios importantes do governo alagaram.

Legenda do vídeo,

Preocupação pós-enchente

A leptospirose é causada por uma bactéria transmitida a partir do contato com a urina de animais, principalmente ratos.

A contaminação pode acontecer pela pele quando há contato prolongado com a água ou por lesões (como cortes), assim como pelas mucosas, que são áreas úmidas do corpo, como os olhos, o nariz e a boca.

A fase inicial da leptospirose se inicia com o aparecimento repentino de febre, muitas vezes acompanhada de dor de cabeça e dores musculares, sendo, por vezes, difícil distingui-la de outras causas de febres agudas, como gripe ou infecções virais.

Em aproximadamente 15% dos pacientes, a doença progride para a fase tardia, que apresenta manifestações mais graves e potencialmente fatais.

A forma clássica da leptospirose grave é a síndrome de Weil, caracterizada pela tríade de icterícia (condição que deixa pele e olhos amarelados pelo acúmulo de bilirrubina no organismo), insuficiência renal e hemorragias.

A hemorragia pulmonar, caracterizada por lesões e sangramentos intensos nos pulmões, tem sido cada vez mais reconhecida no Brasil como uma manifestação perigosa e significativa da leptospirose na fase tardia.

Muitas vezes, o micro-organismo invade o corpo de uma pessoa no momento em que ela tem contato com a água contaminada, muito antes de ela adoecer de fato. Mas há um tempo de incubação, ou um período em que o patógeno não dá sinais de sua presença, até que os primeiros sintomas deem as caras.

Geralmente, o tempo de incubação da leptospirose é de 7 a 14 dias, mas pode se estender por até um mês.

No entanto, não é necessário o aparecimento de todo esse rol de sintomas para gerar uma suspeita — ainda mais numa situação como a que se desenrola em tantas cidades gaúchas no momento.

Segundo especialistas, mesmo um quadro febril mais simples já é motivo para fazer uma avaliação com um médico. A partir da análise, o profissional da saúde pode levantar uma suspeita diagnóstica e iniciar um tratamento adequado.

No caso da leptospirose, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBInfecto) e outras entidades divulgaram um posicionamento no dia 5 de maio em que defendem o tratamento profilático a indivíduos de alto risco.

Na prática, isso significa que pessoas que tiveram muito contato com material contaminado — como as equipes de socorristas de resgate e voluntários, além dos moradores que ficaram na água por um tempo prolongado — devem tomar um remédio preventivo, antes mesmo de apresentar qualquer sintoma.

Esse tratamento, chamado no jargão médico de quimioprofilaxia, pode ser feito com dois antibióticos (doxiciclina ou azitromicina), prescritos em dose única ou uma vez por semana (no caso de socorristas e equipes de emergência).

Esses fármacos devem obrigatoriamente ser indicados por um médico, nunca tomados por conta própria.

“É preciso dizer que houve muito debate até chegarmos a essa recomendação, pois os estudos que temos à disposição são pequenos”, diz Alessandro C. Pasqualotto, presidente da Sociedade Gaúcha de Infectologia, que também é chefe do Serviço de Infectologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.

“Mas, considerando o que estamos vivendo agora, o fato de que não conseguiremos fazer o diagnóstico adequado porque o sistema de saúde está desestruturado e a leptospirose ser uma doença grave, que pode matar, concluímos que alguns grupos poderiam se beneficiar da quimioprofilaxia”, justifica ele.

Para as famílias que forem liberadas a retornar para casa, vale ter um cuidado extra aqui.

As autoridades de saúde orientam o uso de equipamentos de proteção, como botas e luvas, na hora de limpar a lama e a água acumuladas — justamente para limitar o contato com a urina contaminada.

Crédito, Andre Borges/EPA-EFE/REX/Shutterstock

Legenda da foto, Governo prevê que leptospirose será problema duradouro no Rio Grande do Sul

Sintomas da leptospirose

O diagnóstico da doença é feito com exames de sangue no qual é verificado se há presença de anticorpos para leptospirose ou a presença da bactéria.

Os cinco sintomas mais comuns são:

  • Febre
  • Dor de cabeça
  • Dor muscular, principalmente nas panturrilhas
  • Falta de apetite, náuseas e vômitos
  • Dor ocular

O que fazer?

O governo do Rio Grande do Sul faz recomendações às pessoas que tenham casos suspeitos ou estejam em locais de risco de leptospirose.

  • Testagem laboratorial: casos suspeitos oriundos de área de alagamento e com sintomas compatíveis com leptospirose devem iniciar tratamento com remédios imediato e, quando possível, ter amostra coletada a partir do sétimo dia do início dos sintomas para envio ao Laboratório Central do Estado (Lacen).
  • Tratamento: o tratamento com antibióticos deve ser iniciado no momento da suspeita — a decisão cabe a um profissional de saúde. As pessoas devem procurar serviços de saúde em caso de suspeitas. Para os casos leves, o atendimento é ambulatorial. Mas, nos casos graves, a hospitalização deve ser imediata, para evitar complicações e diminuir o risco de morte.
  • Remédios: a automedicação não é indicada. O uso do antibiótico, conforme orientação médica, está indicado em qualquer período da doença, mas sua eficácia costuma ser maior na primeira semana do início dos sintomas.
  • Limpeza: nos locais que tenham sido invadidos por água de chuva, recomenda-se fazer a desinfecção do ambiente com água sanitária (hipoclorito de sódio a 2,5%), na proporção de um copo de água sanitária para um balde de 20 litros de água.
  • Prevenção: é recomendável manter alimentos guardados em recipientes bem fechados, manter a cozinha limpa sem restos de alimentos, retirar as sobras de alimentos ou ração de animais domésticos antes do anoitecer, manter o terreno limpo e evitar entulhos e acúmulo de objetos nos quintais ajudam a evitar a presença de roedores. A luz solar também ajuda a matar a bactéria.