Nas ruas de Beirute, a capital libanesa, as pessoas usam seus celulares e outros dispositivos eletrônicos com inquietação, temendo um novo ataque. Mas uma ameaça maior paira sobre a região: a de uma guerra total entre Israel e o Hezbollah, do Líbano, e seu apoiador Irã.
Ao todo, 37 pessoas morreram e outras 2.600 ficaram feridas depois que milhares de pagers explodiram no Líbano na última terça-feira (17/9) e novas detonações foram registradas em walkie-talkies na quarta-feira (18) – em ataques direcionados contra membros do Hezbollah.
Acredita-se que Israel esteja por trás dos ataques, embora o país não tenha confirmado a informação.
O Ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, anunciou “uma nova fase na guerra” na quarta e, nesta sexta-feira (20/9), as forças do país conduziram um ataque nos subúrbios de Beirute.
Os relatos são de que Israel tinha como alvo o comandante de operações do Hezbollah, Ibrahim Aqil, que foi morto. Ao todo, o Ministério da Saúde do Líbano diz que oito pessoas morreram e 59 ficaram feridas.
Analisamos, a seguir, os possíveis cenários do que pode acontecer no Líbano após uma semana de relatos de violência.
1. Novos ataques israelenses
Antes mesmo do ataque a Beirute nesta sexta, o ministro da Saúde do Líbano, Firass Abiad, já afirmava que o Líbano precisava se preparar para o pior.
“Acho que precisamos nos preparar para o pior cenário”, disse ele. “Os dois ataques do último dia mostram que a intenção [Israel] não é uma solução diplomática”, disse sobre as explosões dos aparelhos de comunicação.
“O que eu sei é que a posição do meu governo é clara. Desde o primeiro dia, acreditamos que o Líbano não quer guerra.”
Para o analista veterano especialista em política israelense e palestina, Ehud Yaari, os ataques aos pagers e walkie-talkies criaram uma “rara oportunidade” para Israel agir decisivamente contra o Hezbollah e seus vastos estoques de mísseis guiados de precisão.
Os sistemas de comunicação do grupo estão fora de serviço e um grande número de seus comandantes de campo foram feridos, alguns gravemente.
“Esta situação atual não se repetirá tão cedo”, escreveu Yaari em um artigo no site de notícias israelense N12 antes do bombardeio desta sexta.
“Simplificando, o Hezbollah está atualmente no pior estado em que esteve desde o fim da segunda guerra do Líbano em 2006.”
O correspondente de defesa da BBC, Paul Adams, diz que o foco militar israelense agora mudou para o norte, onde fica o Líbano, mesmo com a guerra em Gaza em andamento.
Mas ainda não está claro como Israel pretende explorar esse raro momento de oportunidade e se um conflito maior está se aproximando, opina.
O líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, reagiu publicamente aos ataques na quinta-feira (19/9), dizendo que Israel havia excedido “todos os limites, regras e linhas vermelhas”.
Ele reconheceu que as detonações foram um golpe sem precedentes para o grupo armado, mas disse que sua capacidade de comandar e se comunicar permaneceu intacta.
Uma investigação sobre como os ataques aconteceram foi iniciada, ele acrescentou.
“Pode ser chamado de crimes de guerra ou uma declaração de guerra – seja qual for o nome que você escolher, é merecedor e se encaixa na descrição. Essa era a intenção do inimigo”, disse ele.
Nasrallah também prometeu uma punição justa, mas não deu indicações de qual seria essa resposta.
Os ataques transfronteiriços a Israel continuarão a menos que haja um cessar-fogo em Gaza, ele acrescentou, dizendo que os moradores do norte de Israel que foram deslocados por causa da violência não terão permissão para retornar.
De acordo com Amjad Iraqi, analista e membro associado do programa Oriente Médio e Norte da África da Chatham House, com os ataques, Israel enviou ao Hezbollah “sinais provocativos” que podem aumentar a probabilidade de um conflito regional muito mais intenso.
“O Hezbollah agora está em uma situação em que está sob pressão para acelerar as coisas e isso, por sua vez, potencialmente dará ao exército israelense algum tipo de pretexto para tornar reais os rumores de ser uma invasão terrestre”, disse Iraqi à BBC.
Israel “não teve sucesso em seus principais objetivos em Gaza”, diz ele, o que resultou em uma situação em que o governo israelense sente que deve “reafirmar seu conceito de dissuasão na frente norte com o Hezbollah”.
3. Hezbollah enfraquecido e menos chances de conflito
A correspondente persa da BBC no Oriente Médio, Nafiseh Kohnavard, está em Beirute e assistiu ao discurso de Hassan Nasrallah.
Ela enfatiza o faro de os ataques terem sido um golpe enorme para o Hezbollah – Nasrallah disse que eles foram significativos e os chamou de “grande teste” que o grupo nunca havia enfrentado antes.
Isso mostra o quão difícil é a situação para eles, acrescenta Kohnavard. Segundo ela, a maioria dos que foram feridos no ataque faz parte de grupos de elite de combatentes jovens, mas altamente treinados. E ainda hoje, a troca de tiros entre os dois países continua.
Tudo o que ocorreu não impedirá o grupo de tomar mais medidas, mas certamente teve um efeito, afirma a correspondente.
Mas é preciso também ter em mente que o Hezbollah tem aliados que asseguram que não apenas o grupo, mas o próprio Líbano, são uma linha vermelha que não pode ser cruzada por Israel.
E entre esses aliados estão o Irã, grupos paramilitares xiitas iraquianos e os houthis do Iêmen.
Um membro de um grupo paramilitar afirmou à correspondente recentemente que seus homens vêm e vão no Líbano e já têm seus agentes ajudando o Hezbollah.
Esses grupos lutaram lado a lado na Síria por anos e agora o Hezbollah pode contar com o apoio deles. Isso significa que, enquanto os ataques no Líbano foram eficazes, o Hezbollah como grupo tem profundo apoio regional, diz nNafiseh Kohnavard.
Outra teoria levantada aponta que a agência de espionagem israelense Mossad havia instalado os explosivos nos dispositivos de comunicação para serem acionados apenas no caso de um conflito total no vizinho Líbano, explica o correspondente de segurança da BBC Gordon Corera.
Mas o Hezbollah teria ficado desconfiado sobre o plano, o que obrigou a Mossad a usar seu trunfo surpresa antes que perdesse a oportunidade e acionar em um dia os pagers e no dia seguinte os walkie-talkies.
A hipótese feita antes dos ataques desta sexta era de que se, de fato, Israel decidiu agir para não desperdiçar sua vantagem, não haveria certeza de um plano mais amplo por trás do lançamento do ataque, segundo Corera.
Essa possibilidade, porém, pode ser bastante questionada diante do bombardeio que parece ter sido planejado por Israel para matar um comandante do Hezbollah.
Amjad Iraqi, da Chatham House, sugere que a operação de transformar pagers e walkie-talkies em dispositivos explosivos levou meses, se não anos, para ser feita. Mas o porquê ela foi acionada agora tem sido objeto de especulação em várias reportagens.
“Algumas reportagens de notícias e mídia estão dizendo que o Hezbollah estava descobrindo que esses dispositivos podem ter sido adulterados de alguma forma”, diz Iraqi.
“Outros dizem que houve um esforço mais estratégico e concentrado no sentido de que, à medida que os israelenses estão lentamente reduzindo suas operações em Gaza, eles agora estão se inclinando e se preparando cada vez mais em direção ao Líbano.”
Fonte: BBC