- Dominic Casciani
- Correspondente jurídico da BBC News
O Tribunal Penal Internacional já começou a investigar se estão ocorrendo crimes de guerra, e a Ucrânia também montou uma equipe para coletar evidências.
O que é um crime de guerra?
Pode não parecer, mas “até a guerra tem regras”, como diz o Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Elas estão contidas em tratados chamados Convenções de Genebra e em uma série de outras leis e acordos internacionais.
Os civis não podem ser atacados intencionalmente — nem a infraestrutura que é vital para sua sobrevivência.
Algumas armas são proibidas por causa do sofrimento indiscriminado ou terrível que causam — como minas terrestres antipessoal e armas químicas ou biológicas.
Os doentes e feridos devem ser atendidos — incluindo soldados machucados, que têm direitos como prisioneiros de guerra.
Crimes graves como assassinato, estupro ou perseguição em massa de um grupo são conhecidos como “crimes contra a humanidade”.
O que é genocídio?
O genocídio é definido no direito internacional como o assassinato deliberado de pessoas de um determinado grupo nacional, étnico, racial ou religioso, com a intenção de destruir o grupo — seja total ou parcialmente.
Sendo assim, o genocídio é um crime de guerra específico, que é maior do que o assassinato ilegal de civis. A lei exige prova de que houve intenção de destruir o grupo.
O massacre de cerca de 800 mil pessoas em 1994 em Ruanda levou mais tarde a ações penais por genocídio.
Quais são as acusações de crimes de guerra na Ucrânia?
Investigadores e jornalistas descobriram o que parecem ser evidências do assassinato deliberado de civis em Bucha, uma cidade nos arredores de Kiev, e em outras áreas próximas.
As forças ucranianas dizem ter encontrado valas comuns, e há evidências de que civis foram mortos a tiros depois que seus pés e mãos foram amarrados.
O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, afirmou que os ataques são “mais uma evidência” de crimes de guerra.
Na semana passada, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, disse que a Rússia “destruiu prédios de apartamentos, escolas, hospitais, infraestrutura essencial, veículos civis, shopping centers e ambulâncias” — ações que os EUA afirmam equivaler a crimes de guerra.
Em março, um ataque russo a um teatro em Mariupol parecia ser o primeiro local confirmado de um assassinato em massa. A palavra “crianças” estava escrita em letras gigantes do lado de fora do prédio.
A Ucrânia classificou anteriormente o ataque aéreo da Rússia a um hospital de Mariupol de crime de guerra.
Há também cada vez mais evidências de que bombas de fragmentação — munições que se separam em várias pequenas bombas — atingiram áreas civis de Kharkiv.
O Reino Unido diz que a Rússia usou explosivos termobáricos, que criam um vácuo enorme ao sugar oxigênio. Estes não são proibidos, mas seu uso deliberado perto de civis muito provavelmente violaria as regras da guerra.
Muitos especialistas argumentam que a invasão em si é um crime sob o conceito de “guerra de agressão”.
Como os suspeitos de crimes de guerra podem ser julgados?
Foram estabelecidos uma série de tribunais pontuais desde a Segunda Guerra Mundial — como o que julgou crimes de guerra durante o desmembramento da Iugoslávia.
Um órgão também foi criado para processar os responsáveis pelo genocídio de 1994 em Ruanda.
Hoje, o Tribunal Penal Internacional (TPI) e a Corte Internacional de Justiça (CIJ) se destinam à defesa das regras da guerra.
A CIJ decide sobre disputas entre Estados, mas não pode julgar indivíduos. A Ucrânia abriu uma denúncia contra a Rússia.
Se a CIJ condenasse a Rússia, o Conselho de Segurança da ONU seria responsável por fazer cumprir a decisão.
Mas a Rússia — um dos cinco membros permanentes do conselho — poderia vetar qualquer proposta para sancioná-la.
O Tribunal Penal Internacional (TPI) investiga e julga indivíduos criminosos de guerra que não estão perante os tribunais de Estados individuais. É o sucessor moderno permanente de Nuremberg, que julgou os principais líderes nazistas em 1945.
Nuremberg consolidou o princípio de que as nações poderiam estabelecer um tribunal especial para defender o direito internacional.
O TPI pode julgar crimes na Ucrânia?
O promotor-chefe do TPI, o advogado britânico Karim Khan QC, diz que há uma base razoável para acreditar que crimes de guerra foram cometidos na Ucrânia.
Os investigadores vão analisar as acusações passadas e presentes — desde 2013, antes da anexação da Crimeia pela Rússia.
Se houver evidências, o promotor pedirá que os juízes do TPI emitam mandados de prisão para levar indivíduos a julgamento em Haia.
Mas há limitações práticas ao seu poder. O tribunal não tem sua própria força policial, então depende de cada Estado para prender os suspeitos.
A Rússia não é membro do tribunal — se retirou em 2016. E o presidente russo, Vladimir Putin, não vai extraditar nenhum suspeito.
Se um suspeito fosse para outro país, ele poderia ser preso — mas isso é pouco provável.
Putin, generais ou outros líderes podem ser julgados?
É muito mais fácil atribuir um crime de guerra a um soldado que o comete do que ao líder que o ordenou.
Hugh Williamson, da ONG Human Rights Watch, especialista em coletar evidências de crimes de guerra em conflitos, diz que há evidências de execuções sumárias e outros abusos graves por parte das forças russas.
Segundo ele, estabelecer a “cadeia de comando” é muito importante para quaisquer julgamentos futuros — incluindo quando um líder autorizou uma atrocidade — ou fez vista grossa para isso.
“Há um episódio interessante em nosso relatório da Ucrânia em que um comandante instrui os soldados a pegar dois civis e matá-los”, disse ele à BBC News.
“Dois dos soldados se opõem a isso, e esse comando não é executado. Portanto, há evidências claras de alguns incidentes no exército russo, mas também um elemento de comando e controle.”
O TPI também pode julgar o crime de “travar guerra de agressão”. Trata-se do crime de invasão ou conflito injustificado, além da justificável ação militar em legítima defesa.
O princípio foi originado em Nuremberg, depois que o juiz enviado por Moscou convenceu os Aliados de que os líderes nazistas deveriam enfrentar a justiça por “crimes contra a paz”.
No entanto, o professor Philippe Sands, especialista em direito internacional da University College London (UCL), no Reino Unido, diz que o TPI não pode processar os líderes da Rússia por isso porque o país não é signatário do tribunal.
Em teoria, o Conselho de Segurança da ONU poderia pedir ao TPI que investigasse este crime. Mas, novamente, a Rússia poderia vetar.
Existe alguma outra maneira de julgar indivíduos?
A eficácia do TPI — e a forma como o direito internacional funciona na prática — depende não apenas dos tratados, mas da política e da diplomacia.
Sands e muitos outros especialistas argumentam que, assim como em Nuremberg, a solução está mais uma vez na diplomacia e no acordo internacional.
Ele está fazendo um apelo aos líderes mundiais para que estabeleçam um tribunal único para julgar o crime de agressão na Ucrânia.
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