Muitas vezes, um item comum pode virar um símbolo de protesto. Na China, esse é o caso de um simples pedaço de papel em branco.
No domingo (27/11), algumas pessoas que se reuniram em Xangai para lembrar as vítimas do incêndio que catalisou a recente onda de manifestações no país seguravam folhas de papel.
Da mesma forma, na capital Pequim, manifestantes empunharam pedaços de papel em um protesto na renomada Universidade Tsinghua, outrora frequentada pelo presidente chinês, Xi Jinping.
E em um vídeo impressionante, uma jovem pode ser vista caminhando pelas ruas de Wuzhen — cidade na província oriental de Zhejiang — com correntes em volta dos pulsos e uma fita adesiva sobre a boca. Em suas mãos, havia uma folha de papel em branco intacta.
“Definitivamente não havia nada no papel, mas sabemos o que está lá”, disse à BBC uma mulher que participou dos protestos em Xangai.
A tendência remete às manifestações de 2020 em Hong Kong, na qual os moradores seguraram pedaços de papel em branco para protestar contra as novas leis draconianas de segurança nacional do território. Na ocasião, ativistas ergueram as folhas de papel depois que as autoridades proibiram slogans e frases associadas ao movimento de protesto em massa de 2019.
O correspondente da BBC na China, Stephen McDonnell, disse que o gesto não é apenas um protesto contra a censura dos dissidentes, mas também “um dane-se para as autoridades, como se dissesse ‘você vai me prender por segurar um cartaz que não diz nada?'”
Johnny, um manifestante de 26 anos em Pequim, afirmou à agência de notícias Reuters que o papel “representa tudo o que queremos dizer, mas não podemos dizer”.
A tendência também fez com que a enorme máquina de censura da internet da China entrasse em ação. Na Weibo, principal rede social do país, as menções ao “papel em branco” foram apagadas, irritando muitos usuários.
“Se você tem medo de uma folha de papel em branco, você é fraco por dentro”, escreveu uma pessoa.
Mas o emblema também se tornou alvo de abusos daqueles que ainda são leais ao governo central e estão irritados com as ondas de protesto.
Um vídeo, gravado no sábado na Universidade de Comunicação da China, na cidade de Nanjing, mostrava um homem não identificado arrancando furiosamente um pedaço de papel em branco de um manifestante.
Em outro vídeo daquela mesma noite, dezenas de outros estudantes foram vistos no campus segurando pedaços de papel em branco, em silêncio.
Os manifestantes — de mãos atadas pela máquina de censura de Pequim — também recorreram a outras formas de expressão, incluindo manifestações sarcásticas de apoio às duras políticas de combate à covid na China.
Em uma delas, depois que as autoridades ordenaram que dezenas de manifestantes com folhas de papel em branco parassem de cantar slogans antilockdown, eles responderam com cantos sarcásticos de “mais lockdown” e “quero fazer um teste de covid”.
E na Universidade Tsinghua, alguns alunos seguraram pedaços de papel com as equações de Friedmann, que explicam como o universo evolui ao longo do tempo.
O uso da equação é um trocadilho com o nome do cientista, já que Friedmann é entendido como “homem livre”.
Mas é o papel em branco que tem sido a visão mais comum nas manifestações chinesas, se juntando a itens como guarda-chuvas (Hong Kong), patos de borracha (Tailândia) e flores (Bielorrússia) como emblemas modernos de protesto.
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