O Palácio do Planalto anunciou na noite desta sexta-feira (06/09) a demissão do ministro Silvio Almeida, dos Direitos Humanos, após denúncias de assédio sexual — que ele nega.
“Diante das graves denúncias contra o ministro Silvio Almeida e depois de convocá-lo para uma conversa no Palácio do Planalto, […] o presidente Lula decidiu pela demissão do titular da Pasta de Direitos Humanos e Cidadania”, diz uma nota do Planalto.
“O presidente considera insustentável a manutenção do ministro no cargo considerando a natureza das acusações de assédio sexual.”
“O Governo Federal reitera seu compromisso com os Direitos Humanos e reafirma que nenhuma forma de violência contra as mulheres será tolerada”, conclui o texto.
A coluna de Guilherme Amado, no portal Metrópoles, publicou na quinta-feira (05/09) que a organização Me Too Brasil teria recebido denúncias de assédio sexual por parte do ministro.
Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, seria uma das vítimas. Os relatos dão conta de que, em 2023, Almeida teria tocado nas pernas da ministra, dado beijos inapropriados e dito expressões chulas, de cunho sexual.
Após a demissão de Almeida, Franco publicou em suas redes sociais que irá contribuir com as investigações e pediu respeito à sua privacidade.
“Tentativas de culpabilizar, desqualificar, constranger, ou pressionar vítimas a falar em momentos de dor e vulnerabilidade também não cabem, pois só alimentam o ciclo de violência”, escreveu a ministra.
O Me Too Brasil confirmou ter recebido denúncias contra o ministro.
“Como ocorre frequentemente em casos de violência sexual envolvendo agressores em posições de poder, essas vítimas enfrentaram dificuldades em obter apoio institucional pra a validação de suas denúncias. Diante disso, autorizaram a confirmação do caso para a imprensa”, disse a organização.
“Elas foram atendidas por meio dos canais de atendimento da organização e receberam acolhimento psicológico e jurídico.”
A Comissão de Ética da Presidência e a Polícia Federal estão investigando as denúncias.
Em nota, antes da demissão, Almeida repudiou com “absoluta veemência” o que classificou como “mentiras” e “difamações”.
Ele pediu provas das acusações e afirmou ter encaminhado ofícios para a Controladoria-Geral da União, o Ministério da Justiça e Segurança Pública e a Procuradoria-Geral da República pedindo uma “apuração cuidadosa do caso”.
Almeida menciona na nota de quinta (05) que falsas acusações configuram “denunciação caluniosa” segundo o Código Penal.
“Confesso que é muito triste viver tudo isso, dói na alma”, afirmou o ministro, citando repudiar as acusações “com a força do amor e do respeito que tenho pela minha esposa e pela minha amada filha de 1 ano de idade”.
“[…] Fica evidente que há uma campanha para afetar a minha imagem enquanto homem negro em posição de destaque no Poder Público, mas estas não terão sucesso. Isso comprova o caráter baixo e vil de setores sociais comprometidos com o atraso, a mentira e a tentativa de silenciar a voz do povo brasileiro, independentemente de visões partidárias”, continuou.
Na quarta-feira (04), o portal UOL havia publicado que o ministro foi alvo de denúncias de assédio moral por funcionários da pasta, o que deu origem a pelo menos dez procedimentos internos para apurar as acusações. Sete desses procedimentos já teriam sido arquivados.
O Instituto Luiz Gama, do qual Almeida foi um dos fundadores e o primeiro presidente, publicou nas redes sociais textos rebatendo as acusações e assédio moral e sexual.
“Repudiamos os ataques baseados em mentiras, ressentimento e racismo contra Silvio Almeida e sua equipe ministerial”, disse uma postagem após as denúncias do UOL de quarta-feira.
No dia seguinte, após as denúncias sobre assédio sexual, o instituto afirmou que as acusações tinham o objetivo de tirá-lo injustamente do cargo.
“Há um movimento organizado por meio de mentiras para derrubar Silvio Almeida e tirá-lo a força do jogo político”, escreveu a conta do Instituto Luiz Gama.
“Muitas pessoas mesquinhas e racistas não querem um Ministro Negro. Infelizmente, há pessoas negras que também não querem, gente que há muito tempo trama contra ele e reclama que está sendo ofuscada por ele”, diz outra postagem.
O instituto é uma organização sem fins lucrativos dedicada a questões sobre os negros, as minorias e os direitos humanos.
Atuação no ministério e vida acadêmica
O paulistano, hoje com 48 anos, foi indicado ao Ministério dos Direitos Humanos logo no início do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), assumindo o cargo em janeiro de 2023. Antes, ele havia participado da equipe de transição do governo. Ele não é filiado a partidos políticos.
Durante o governo anterior, de Jair Bolsonaro (PL), o tema era atendido pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Na posse, Almeida discursou citando vários ícones do movimento negro.
“Ao assumir este ministério, trago comigo a luta de Zumbi, de Dandara, Luiz Gama e Luíza Mahin, de Abdias, de Guerreiro Ramos, de Lélia Gonzales, de Milton Santos, de Marielle Franco e de Pelé – que foi ministro de Estado, também, deste Brasil. E tantos outros e outras que permitiram que eu estivesse aqui hoje, homem preto, ministro de Estado, à serviço de uma luta que um dia também foi deles”, exaltou.
No início do governo, em março de 2023, o ministro deu uma entrevista à BBC News Brasil em que defendeu a descriminalização das drogas e a criação de uma comissão para avaliar se o Brasil seguiu as recomendações da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que apurou violações de direitos humanos durante a ditadura militar.
Perguntado se era favorável à descriminalização do aborto, ele respondeu que “na minha avaliação, são as mulheres que devem decidir sobre isso”.
“Chega de homens dando opinião sobre a vida, sobre o corpo e sobre a saúde das mulheres”, disse.
Em sua gestão, no fim de agosto, foi reativada a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, dedicada à apuração e reparação de violações cometidas durante a ditadura militar.
A volta da comissão veio após meses de espera e pressão por setores da esquerda. Ela havia sido extinta em 2022, no governo de Jair Bolsonaro.
O ministério comandado por Almeida também cancelou uma cerimônia em 1º de abril que marcaria os 60 anos do golpe militar de 1964, em um contexto em que, segundo informações de bastidores, o presidente Lula evitou eventos sobre a data para não incomodar militares.
Na ocasião, restou a Almeida fazer um post em suas redes sociais em que exaltou a democracia e pediu “ditadura nunca mais”.
Em sua gestão, o ministro também enfrentou uma crise humanitária na Terra Indígena Yanomami.
Antes de assumir o ministério, Almeida era um dos expoentes do debate antirracista e cultivava uma carreira acadêmica de prestígio.
Ele tem duas graduações — em Direito pela Universidade Mackenzie e Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP) —, pós-doutorados na USP e foi professor visitante nas universidades de Columbia e Duke, nos Estados Unidos.
Em seu currículo na plataforma Lattes, consta que Almeida é professor na Universidade Mackenzie e na Fundação Getúlio Vargas, concomitante à atuação como ministro.
Seu livro mais famoso é Racismo estrutural, em que discorre sobre o conceito e traz dados para sustentá-lo, mas o acadêmico já escreveu títulos também sobre as obras de Jean-Paul Sartre e György Lukács.
Como acadêmico e advogado, atuou nas áreas de direito empresarial, econômico e tributário, além dos próprios direitos humanos.
Fonte: BBC
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