• Letícia Mori
  • Da BBC News Brasil em São Paulo

Crédito, Antonio Lacerda/EPA-EFE/REX/Shutterstock

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Os ex-rivais Alckmin e Lula durante cerimônia de posse nesse domingo (1º)

Rival de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na eleição presidencial de 2006, Geraldo Alckmin se consagrou neste domingo (1/1) como vice-presidente no mandato do petista pelos próximos quatro anos, após reviravoltas próprias da política brasileira.

Filiado ao PSB em março de 2022, após 33 anos no PSDB, Alckmin assumiu um papel simbólico e prático importante durante a campanha eleitoral de Lula e, depois da vitória, assumiu a coordenação da transição de governo.

No mandato que se inicia, o paulista de Pindamonhangaba assume não só a função de vice, mas também de ministro da Indústria — demonstrando que ele deve ser bastante ativo no governo. A entrega de um ministério para ele fez parte do acordo do PT com o PSB para a formação da chapa.

Aliados de Alckmin afirmam que ele tem também a expectativa de assumir a cadeira presidencial diversas vezes, já que Lula tem dito que pretende viajar para “recuperar a imagem e o prestígio” do Brasil no exterior.

Cultivando a aura de homem simples, centrado e pai de família, Alckmin sempre manteve alta popularidade em São Paulo apesar da admitida falta de carisma. O apelido de “picolé de chuchu” foi levado com bom humor pelo candidato a vice durante a campanha ao lado de Lula — Alckmin chegou a dizer em uma propaganda que “lula é um prato que cai bem com chuchu”.

“Ele nunca agiu de forma intempestiva. A coisa mais imprevisível que ele fez durante sua carreira política foi sua adesão à candidatura de Lula”, descreve o cientista político Antonio Lavareda, presidente do Conselho Científico do Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas) e ligado à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Mas é justamente a previsibilidade e a “ausência de carisma de Alckmin que contribuem para a composição da figura do Lula”, explica o cientista político Rodrigo Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Para o analista, a escolha de Alckmin como vice pretendeu “fazer um aceno de moderação ao eleitorado conservador e ao mercado”.

Crédito, Gilberto Marques/Divulgação

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Alckmin chamou Doria (à esq.) de ‘traidor’

A notícia de Alckmin como vice de Lula foi oficializada em julho pelo PSB. A aliança com Lula vinha sendo costurada desde o ano anterior pelo ex-ministro e ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) e pelo ex-deputado federal Gabriel Chalita (PDT), que foi secretário de educação do governo de Alckmin em São Paulo entre 2002 e 2006.

Em 2021, Alckmin estava ainda “em baixa”. Ele vinha disputando espaço no PSDB com o próprio ex-afilhado político João Doria desde 2016, quando planejava se candidatar a governador, mas foi atropelado pelo empresário. O domínio de Doria no partido se ampliou quando Alckmin ficou em 4º lugar nas eleições de 2018, com o pior resultado de um candidato à presidência do PSDB — do qual ele sempre se orgulhou de ter sido um dos fundadores e pelo qual foi governador e deputado federal. Antes da fundação do PSDB, Alckmin havia sido prefeito, vereador e deputado estadual pelo MDB e pelo PMDB.

Em 2019, ele deixou a presidência do partido e voltou a exercer a medicina — curso que concluiu em 1977, um ano depois de se tornar o mais jovem prefeito de Pindamonhangaba. Ele havia voltado a dar aulas e assinado um contrato com a TV Gazeta, de São Paulo, para fazer participações no programa de Ronnie Von. Seu desejo de dar aulas em universidades no exterior, no entanto, foi frustrado, entre outros motivos, pelo fato de que sua fluência em inglês até hoje está longe do exigido para um professor universitário.

A articulação da candidatura de Alckmin à vice-presidência começou em reuniões na casa de Chalita quando a ideia de ter o ex-governador — personificação da ideia de tucano e rival histórico de Lula e do PT — parecia improvável.

No entanto, a situação de Alckmin no PSDB e o fato de que seu principal antagonismo (e mágoa, dizem pessoas próximas) no momento era contra Doria — facilitaram a aproximação.

Publicamente, as alfinetadas no ex-correligionário sempre tinham sido sutis. Quando questionado sobre a divergência, ele costumava repetir uma de suas frases favoritas: “Se não pode dizer algo bom sobre alguém, não diga nada”.

Em particular, no entanto, Alckmin chegou a acusar Doria cara a cara de traidor — um áudio com a conversa depois foi vazado para a imprensa. Uma acusação que pareceu ainda mais incisiva considerando o fato de que Alckmin sempre cultivou uma imagem de polido e nunca foi um adversário feroz nem mesmo para o PT.

Quando perguntado sobre Lula em uma entrevista para a revista Piauí em 2014, o ex-governador disse que respeitava o adversário e o considerava inteligente.

“O cara tem méritos, até pela perseverança dele, foi cinco vezes candidato a presidente. Mas é um estilo de política que não me agrada. O PT é difícil. Eu nunca fui próximo do PT”, disse ele à Piauí. “Você tem uma ala em que é inacreditável a falta de limites. Mas tem bons quadros, como todos os partidos.”

Em 2022, no entanto, a resistência que alas do PT menos favoráveis à composição tinham ao ex-tucano — que migrou para o PSB para concorrer a vice — foi rapidamente vencida, mostrando o firme comando que uma decisão de Lula tem no partido como um todo.

Até a militância — que sempre protestou contra a política de segurança pública de Alckmin, acusada de ser truculenta — pareceu aceitá-lo.

Fotos de Alckmin usando um boné do MST, perdendo a voz ao tentar acompanhar a intensidade do discurso de Lula em comícios e sendo abraçado por militantes tomaram os círculos de esquerda nas redes sociais.

Alckmin chegou a dizer que o encontro com o público era a “melhor parte da campanha”.

“Depois que você se elege, as pessoas se inibem um pouco”, disse a repórteres. “Nas ruas, você sente melhor as pessoas, elas se abrem mais, falam mais”.

Crédito, Igor Carvalho/Brasil de Fato

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Alckmin usou boné do MST e fez piada sobre ‘chuchu’ em evento em Andradina, no interior de SP, em junho

Lula afirmou em um comício que, diante de Bolsonaro, era a hora de “unir os divergentes para enfrentar os antagônicos”. Para o PT, os benefícios de ter Alckmin como fiador político da campanha superaram as desavenças.

“Alckmin tem um prestígio que é muito associado à sua imagem em geral, ao conjunto da obra. Sua popularidade em São Paulo não é de um governo específico — se o público tivesse memória somente do último governo, provavelmente não seria uma grande imagem”, avalia Lavareda, que durante anos foi o responsável pelas pesquisas de opinião pública encomendadas pelo PSDB.

Alckmin sempre foi bem visto entre a classe média paulista, explica Lavareda, mas também tinha uma forte inserção popular, especialmente no interior, entre eleitores que ganham de 0 a 2 salários mínimos.

Um pesquisa Datafolha de junho de 2014 mostrou que o governo Alckmin era aprovado por 41% dos paulistas e considerado regular por 39% — isso em um ano em que sua administração sofreu enormes críticas pela forma como conduziu a crise hídrica que atingiu o Estado.

Crédito, Jarbas Oliveria/EPA-EFE/REX/Shutterstock

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Alckmin durante cerimônia de posse no Congresso Nacional

A gestão de Segurança Pública do governador também estava sob a mira de opositores, com a Polícia Militar de São Paulo sendo acusada de truculência e com altos índices de mortalidade.

No ano anterior, a forte repressão da polícia a manifestantes contra os aumentos nas tarifas de transporte foi um dos fatores que mudaram a visão da sociedade sobre os protestos em São Paulo, apontam cientistas políticos — o que por sua vez ajudou os protestos de 2013 a atingirem o tamanho que tiveram.

Apesar de problemas, Alckmin foi reeleito em primeiro turno em 2014, com 57% dos votos válidos, derrotando Paulo Skaf, do PMDB. O então candidato do PT, Alexandre Padilha, ficou em terceiro lugar.

“É difícil identificar um outro vice desde a redemocratização que tivesse tanto apoio eleitoral quanto Alckmin”, diz Lavareda.

Um homem religioso

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Geraldo Alckmin e Maria Lúcia se casaram em 1979

Católico, Alckmin sempre foi o mais religioso entre os cabeças do PSDB, o seu antigo partido. Ele foi descrito pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como um homem “muito religioso”.

Alckmin vai à missa todos os domingos, participa de Encontros de Casais com Cristo ao lado da esposa Maria Lúcia (ou Dona Lu, como é mais conhecida) e tem um ramo da família ligado ao grupo ultraconservador católico Opus Dei — que teve como um de seus maiores expoentes no Brasil um tio do vice-presidente, José Geraldo Rodrigues de Alckmin, que foi ministro do STF (Supremo Tribunal Federal).

O ex-governador diz que nunca fez oficialmente parte da Opus Dei. Três reuniões de grupos de estudo ligados a ela chegaram a acontecer no Palácio dos Bandeirantes quando Alckmin era governador, mas o político se afastou do grupo na época da campanha presidencial de 2006 — embora tenha sustentado que nutre admiração pela corrente católica.

Crédito, Reprodução/Facebook

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Católico, Alckmin recepcionou o papa Francisco (à esq.) em 2013

Alckmin diz também ter grande admiração pelos franciscanos, corrente católica do qual seu pai era devoto. A ordem é conhecida pela caridade, assistência aos pobres, ascetismo e humildade.

A principal igreja frequentada por ele e sua esposa é a de Nossa Senhora do Brasil, no Jardim América, na capital paulista.

Foi ali que, em 2015, foi realizada a missa de sétimo dia do mais novo de seus três filhos, Thomaz Alckmin, que morreu em um acidente de helicóptero na grande São Paulo. Após a missa, o então governador disse que “perder um filho é uma dor sem limite”.

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Alckmin tem três filhos: Thomaz (à esq.), que morreu em 2015, Sophia (centro) e Geraldo (à dir.)

Na campanha com Lula, os laços com a Igreja Católica vieram a calhar: em setembro, se encontrou com o arcebispo Dom Walmor Oliveira, presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil); em outubro, levou o candidato a governador Fernando Haddad para receber as bênçãos do padre salesiano Rosalvino Viñayo em sua paróquia na zona leste de São Paulo; no mesmo mês, ajudou a divulgar entre católicos o episódio em que bolsonaristas vaiaram o bispo de Aparecida e agrediram jornalistas da TV Aparecida.

“Mais respeito”, pediu o candidato a vice. “Estou perplexo com as hostilidades. Igreja não é palanque. É lugar santo, de oração, e não de agressão”, escreveu em suas redes sociais.

Vice-governador

Embora tenha tido uma carreira política prolífica, inclusive sendo membro da Assembleia Constituinte, foi como vice que Alckmin se alçou a um lugar de destaque.

Em 1994, se elegeu vice-governador de Mário Covas em São Paulo e se tornou presidente dos conselhos diretores dos programas estaduais de privatização. Ele assumiu o governo em 1999, quando Covas se licenciou para a remoção de um tumor, e depois definitivamente em 2001, quando Covas morreu depois de um longo tratamento contra o câncer.

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Alckmin foi eleito como vice-governador de Mário Covas em 1994

Com apoio de Covas, Alckmin candidatou-se à Prefeitura de São Paulo nas eleições de outubro de 2000, vencida por Marta Suplicy, então no PT. Poucos meses depois, assumiu definitivamente o governo estadual com a morte de Covas, em 6 de março de 2001.

Recém-empossado como governador, Alckmin teve que lidar com um episódio muito tenso: foi negociar pessoalmente com um sequestrador a libertação do apresentador Silvio Santos, que havia sido feito de refém apenas alguns dias depois de sua filha ter sido sequestrada. O episódio, que poderia ter tido um final trágico, terminou com a rendição do criminoso.

Alckmin viria a ter mais três mandatos como governador, em um total de 12 anos no Palácio dos Bandeirantes. Agora, a partir de 1º de janeiro de 2023, sua bem-sucedida carreira como vice chega a uma nova etapa: a vice-presidência em Brasília.