- Laís Alegretti
- Da BBC News Brasil em Londres
O aumento do consumo de álcool e altos níveis de emoção associados a grandes partidas de futebol podem aumentar a gravidade e a frequência de situações de violência doméstica existentes.
O alerta, com base em estudo da Universidade de Bristol (Inglaterra), é da organização britânica Women’s Aid, que esclarece que o futebol, por si só, não “causa” violência doméstica.
Durante a Copa do Mundo, a organização tem feito campanha de combate à violência contra a mulher – a principal imagem é da bandeira inglesa com a frase “He’s coming home” (Ele está vindo para casa, em tradução literal), em referência ao grito entoado pelos torcedores ingleses nos estádios, “It’s Coming Home”, da música Three Lions.
Dados de Copas anteriores (2002, 2006 e 2010) mostraram que houve aumento médio de 26% em violência doméstica no condado inglês de Lancashire nos dias que a Inglaterra ganhou ou empatou e de 38% quando a seleção inglesa perdeu. (Veja abaixo dados sobre o Brasil)
“Sabemos que a violência contra as mulheres é um espectro, que vai desde piadas sexistas até crimes violentos e assassinatos. As piadas sexistas permitem uma cultura em que as mulheres podem ser humilhadas, controladas, prejudicadas e abusadas”, diz a diretora-executiva da Women’s Aid, Farah Nazeer.
“Para ajudar a acabar com a violência doméstica, portanto, devemos também combater o sexismo e a misoginia e desafiar atitudes sempre que pudermos. Nesta frente, o futebol pode ter um papel muito poderoso e positivo a desempenhar.”
Campeonato Brasileiro e violência doméstica
No Brasil, uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública publicada neste ano analisou a relação dos dias de jogo do Campeonato Brasileiro e dos índices de violência doméstica.
O resultado encontrado foi que, no dia em que o time da cidade joga, o número de ameaças contra mulheres aumenta 23,7% e o número de lesão corporal dolosa no contexto de violência doméstica cresce 20,8% em relação a dias sem jogo.
A pesquisa considera os jogos do Brasileiro entre 2015 e 2018 e crimes sofridos por mulheres em seis Estados nesse período – Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Pará, Bahia e Minas Gerais.
Os resultados encontrados se mantiveram quando os pesquisadores consideravam os casos em que o autor era companheiro ou ex-companheiro da vítima. Mas, em casos em que o autor e a vítima não se conheciam “os resultados se mostraram não significativos estatisticamente”, apontam os autores.
A coordenadora institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e doutora em Psicologia, Juliana Martins, esclarece que o futebol, em si, não é a causa do aumento de violência. E destaca que pesquisas sobre o tema apontam que o aumento da violência tende a acontecer mais quando são times que têm uma rivalidade grande e em situações em que há uma expectativa de vitória e o time perde.
“O jogo de futebol é uma espécie de catalisador de valores do patriarcado e das masculinidades que a gente vem construindo ao longo do tempo. Então, é como se o jogo de futebol trouxesse à tona esses valores como violência, virilidade e agressividade, como se essas fossem as únicas respostas a momentos de frustração”, disse em entrevista à BBC News Brasil.
Esses valores, ela diz, “estão presentes nas relações das famílias brasileiras”.
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que, em geral, a literatura sobre futebol e violência doméstica tem evoluído em duas direções. No campo da psicologia, fala-se principalmente do comportamento individual – com foco nas teorias da frustração-agressão e dos choques emocionais, “em que o torcedor reage de forma agressiva a resultados negativos do seu time”.
No campo da sociologia do esporte, a compreensão do fenômeno passa pela análise de comportamentos coletivos e valores sociais. “Nessa linha, a violência ocorre num processo que envolve aglomeração e interação social, dentro de uma subcultura dos jogos que fortalece a construção social de uma identidade masculina, de virilidade e competitividade. Soma-se a essa relação a presença de fatores de risco como a ingestão de bebidas alcoólicas”, diz o estudo.
E por que violência dentro de casa? Além do machismo, Martins diz que o agressor também leva em conta questões como: “Qual é a chance de eu ser punido pela agressão que eu estou prestes a cometer? Tem mais chance de ser punido se eu entrar numa briga na rua ou dentro de casa, onde ninguém está vendo? Ou (qual a maior chance) de ser agredido de volta?”
Martins destaca que “não é que um homem vai se tornar violento e agredir a sua companheira porque no dia do campeonato o time dele perdeu, ele ficou frustrado, então ele começa a cometer esse tipo de violência”.
Provavelmente, ela diz, essas violências acontecem em outros contextos nessa relação, não apenas durante os campeonatos de futebol.
“Então é uma relação já marcada por violência. E aí, muitas vezes, para essas mulheres, é difícil pedir ajuda e reconhecer que está numa situação de violência, porque não só os homens são socializados nessa desigualdade de gênero e de muitas vezes achar que têm poder sobre as mulheres. As mulheres também são socializadas nessa mesma perspectiva”, diz.
“Quem está próximo pode ter um papel bastante importante no sentido de ajudar essa mulher a romper com essa relação violenta. (…) Não podemos interditar o debate sobre gênero e desigualdade de gênero, então temos que falar disso em casa, nas escolas – esse não pode ser um tabu”, defende Martins.
O que fazer em caso de violência doméstica
Em situações de emergência, como no momento em que uma vizinha está sofrendo violência, a orientação é ligar para a polícia por meio do telefone 190 (ligação gratuita, disponível 24 horas).
Para denunciar caso de violência que não está ocorrendo naquele exato momento, a orientação é entrar em contato com a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência (Ligue 180), que é um serviço do governo federal, gratuito e que preserva o anonimato.
Diante de situação que configure violência doméstica, a mulher deve registrar a ocorrência em uma delegacia, preferencialmente nas Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher.
‘Lugar mais perigoso é o lar’
A taxa, de 56%, é cinco vezes a dos homens: 11% dos homicídios contra pessoas do sexo masculino ocorrem na esfera privada. “Enquanto a esmagadora maioria dos homicídios masculinos ocorre fora da esfera privada, para mulheres e meninas, o lugar mais perigoso é o lar”, aponta a ONU.
Em 2021, cerca de 45 mil mulheres e meninas em todo o mundo foram mortas por seus parceiros ou outros familiares. Isso significa que no mundo, em média, mais de cinco mulheres ou meninas foram mortas, a cada hora, por alguém de sua própria família.
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