• James Clayton
  • Repórter de tecnologia da BBC

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Trump fazia anúncios oficiais da presidência direto no Twitter

Donald Trump ama o Twitter.

Em 2017, ele disse que não teria se tornado presidente sem a rede social.

“O Twitter é uma coisa maravilhosa para mim, porque eu divulgo minhas ideias… Eu poderia não estar aqui falando com você agora como presidente se não tivesse uma maneira honesta de me comunicar”, disse ele.

Depois que o novo proprietário do Twitter, Elon Musk, reverteu a suspensão permanente de Trump – que havia sido decretada por ele espalhar desinformação e incentivar atos antidemocráticos – seria natural pensar que o ex-presidente aproveitaria a chance de voltar. Mas até agora, ele não aceitou essa oferta.

Por quê?

Bem, apenas Trump sabe a resposta para essa pergunta com certeza. Mas o que sabemos é que ele tem muito dinheiro a perder.

“A explicação mais simples é a mais provável envolve dinheiro”, diz Josh Tucker, professor de política na Universidade de Nova York (NYU).

Depois que Trump foi expulso do Twitter, ele criou sua própria plataforma de mídia social chamada Truth Social – que se parece muito com o Twitter.

Para entender a situação financeira em que Trump se encontra, é preciso entender a natureza complexa da estrutura de negócios da Truth Social.

No ano passado, a empresa privada proprietária da Truth Social, Trump Media & Technology Group (TMTG), anunciou sua intenção de se fundir com uma empresa “de fachada” que negocia na bolsa de valores chamada Digital World Acquisition Corp (DWAC).

DWAC é o que é conhecido como Special Purpose Acquisition Company (Spac). Os spacs são promovidos como uma forma de acelerar o processo muitas vezes lento de abrir o capital de uma empresa privada. Em termos simples, significa fundir uma empresa que não está na bolsa de valores com uma que está.

Tanto a TMTG quanto a DWAC concordaram em se fundir, embora o negócio ainda não tenha sido concluído.

Mas isso não impediu os investidores de investir dinheiro no DWAC – todos eles especulando que o negócio será concluído. Atualmente, a empresa está avaliada em mais de US$ 800 milhões (R$ 4,2 bi).

Crédito, Reuters

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Trump disse que pretende concorrer novamente à Presidência

Considerando que a DWAC adquiriria apenas cerca de um quarto da TMTG, a empresa recém-fundida de Trump valeria pelo menos US$ 3 bilhões, diz Michael Ohlrogge, um acadêmico especializado em spacs.

“Ele possuiria a grande maioria das ações. Ele provavelmente possuiria 70 ou 80% da empresa.”

Se tudo der certo, esse empreendimento comercial será um dos mais bem-sucedidos da carreira de Trump.

Mas a chave para manter o valor das ações alto é garantir que o ex-presidente permaneça no Truth Social – e somente por lá.

Mantendo a fidelidade

É difícil imaginar o que o Truth Social teria a oferecer sem Trump. A empresa foi criada por ele. Por que seus apoiadores deveriam usar a plataforma se ele está postando em outro lugar?

O Truth Social já está tendo dificuldade para atrair usuários. A empresa de análise Similar Web estima que a plataforma teve oito milhões de visitas em setembro de 2022 – abaixo dos 11,5 milhões em julho. Para uma rede social, é um número minúsculo.

A Similar Web estima que o Twitter teve nove bilhões de visitas ao site em setembro.

Se Trump parasse de postar, ou o fizesse em outro lugar, ele poderia afundar o preço das ações da DWAC, eliminando centenas de milhões de dólares de seu valor.

A exclusividade de Trump com o Truth Social foi tão importante para a proposta de fusão com a DWAC que foi estipulada formalmente no contrato.

Crédito, EPA

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A DWAC na verdade mede o capital político de Trump, avaliam analistas

A cláusula afirma que “o presidente Trump é obrigado a fazer qualquer postagem de mídia social no Truth Social e não pode fazer a mesma postagem em outra rede social por 6 horas”.

Isso significa que Trump não só poderia perder muito dinheiro usando o Twitter (assustando os investidores), mas também poderia ser processado.

“É difícil dizer com certeza quem venceria, mas não seria um processo descabido”, diz Ohlrogge.

Isso significa que Donald Trump está agora em um dilema. Ele pode querer voltar ao Twitter. Mas ele é financeiramente – para não mencionar legalmente – incentivado a não fazê-lo.

Existem, no entanto, outros fatores em jogo que podem levá-lo a tuitar novamente.

Para começar, o preço das ações da DWAC tem se comportado de maneiras muito estranhas recentemente.

Em vez de simplesmente ser um lugar onde as pessoas podem investir de fato no Truth Social, as pessoas têm comprado ações da DWAC como forma de investir no próprio ex-presidente.

“É uma ‘ação meme'”, diz Michael Klausner, professor de direito na Universidade de Stanford.

“‘Ações meme'” são as de empresas que têm muitos pequenos investidores que são seguidores da empresa nas redes sociais e podem aumentar e diminuir o preço das ações.

Klausner diz que muitos dos que investiram no DWAC são os próprios apoiadores de Trump.

“Eles acham que o nome de Trump associado a algo será valioso”, diz ele.

Isso significa que o preço das ações da DWAC sobe quando o nome de Donald Trump está em ascensão e cai quando sua imagem está piorando.

Na segunda-feira, 7 de novembro, as ações subiram depois que surgiram relatos de que ele planejava concorrer à Presidência em 2024. Mas nove dias depois, quando ele finalmente confirmou a notícia em um discurso em que foi criticado por estar com “pouca energia”, o preço das ações caiu.

A teoria é que, embora a DWAC esteja se fundindo com o Truth Social, o que realmente está fazendo é dar à marca pessoal de Donald Trump a oportunidade de flutuar na bolsa de valores.

Se for esse o caso, não importaria tanto que Trump parasse de usar o Truth Social – já que a empresa de rede social é apenas uma representante do político.

Para Josh Tucker, da NYU, a situação levanta questões morais interessantes. “Eu pessoalmente nunca ouvi falar de algo assim antes – em que há uma grande quantia de dinheiro rastreando o que parece ser o capital político de um político.”

Ele adverte que um político pode passar a tomar decisões baseadas não no que é bom para suas aspirações políticas, mas sim em suas aspirações financeiras.

“Se você é um republicano, pode querer que seu candidato republicano use a mídia da melhor maneira possível”, diz ele.

Tucker argumenta que, se os republicanos escolherem Donald Trump como seu candidato presidencial, eles devem esperar que ele utilize uma rede social mais ampla em campanha – em vez de apenas se limitar a uma plataforma para ganhos financeiros.

Mas Donald Trump pode ter antecipado esse problema. No acordo de fusão, há outra cláusula que permite que ele use outras plataformas de rede social para “mensagens políticas”. Pode ser uma “brecha”, diz Klausner, que permitiria a Trump tuitar sem quebrar o contrato.

Não apenas isso, mas Trump só está vinculado ao acordo de postar exclusivamente no Truth Social até julho de 2023, diz Ohlrogge.

“Minha leitura é que depois desse ponto [legalmente] ele poderia postar diretamente no Twitter, sem postar primeiro no Truth Social”, diz ele.

Há outra razão para pensar que Donald Trump pode voltar ao Twitter. A fusão em si está atualmente sob investigação federal.

O acordo ainda pode fracassar, e nesse ponto o compromisso legal de Donald Trump de postar exclusivamente no Truth Social também seria rompido.

Trump pode perder dinheiro, mas abriria ainda mais as portas para um retorno ao Twitter.

Como acontece com muitos assuntos financeiros de Trump, a questão é complicada. E o ex-presidente não é uma pessoa fácil de prever.

Mas o que sabemos é que, se ele se mantivesse exclusivamente no Truth Social e concluísse a fusão, provavelmente ganharia uma pequena fortuna.

Esse cálculo mudará à medida que nos aproximarmos da eleição? Pode ser que sim.

Mas, por enquanto, Trump diz que vai ficar fora do Twitter.