- Author, James Clayton
- Role, Repórter de tecnologia da BBC para a América do Norte
Meu batimento cardíaco acelera um pouco conforme o táxi se aproxima. É uma visão bizarra que nunca imaginei ter na vida.
O táxi não tem motorista. Ele para na minha frente e me orienta a destrancar a porta com meu telefone – antes de me levar noite adentro.
Mas quando estou prestes a entrar, um transeunte se aproxima.
“Eles não são seguros”, ele me diz. Ele afirma que viu alguém quase ser atropelado por um táxi autônomo, e me avisa para ter cuidado.
O transeunte representa uma parcela da população de São Francisco que não gosta dos táxis “robôs”. E acredita que a cidade permitiu um experimento perigoso, que está colocando vidas em risco.
Alguns dos descontentes vão além.
Durante o verão, um grupo de ativistas começou a sabotar os carros, colocando cones de trânsito em seus capôs – a prática paralisa os veículos, deixando-os fora de atividade até que o objeto seja removido.
O grupo Safe Street Rebel (Rebeldes por Ruas Seguras, em tradução livre) descreve o que faz como “coning” (algo como “coneamento”) e alguns de seus vídeos se tornaram virais.
Mas as autoridades municipais estão empenhadas em permitir que os táxis robôs operem nas ruas – por enquanto.
Em 10 de agosto de 2023, a Comissão de Serviços Públicos da Califórnia (CPUC, na sigla em inglês) votou para permitir que duas empresas de táxi – Waymo e Cruise – operassem um serviço 24 horas. Anteriormente, eles só tinham permissão para operar viagens à noite.
Antes dessa votação, as autoridades passaram seis horas em uma audiência pública na qual cidadãos expressaram suas expectativas e preocupações.
Os contrários
Havia motoristas das plataformas Uber e Lyft preocupados com a possiblidade de que os táxis automatizados tirem seus meios de subsistência.
“Se você permitir a expansão dos táxis autônomos, isso vai tirar empregos das famílias. Sou mãe solteira”, disse Rosine, motorista de Uber na cidade.
Representantes dos caminhoneiros de coleta de lixo disseram que os carros frequentemente quebravam e bloqueavam seu caminho.
O serviço de bombeiros de São Francisco criticou os carros pelo mesmo motivo – alegando que seus trajetos foram obstruídos 55 vezes este ano.
Outros acreditam que a tecnologia simplesmente ainda não provou ser segura.
“Eu adoro tecnologia, mas ainda não está pronto. Isso é um perigo para os cidadãos de São Francisco”, disse Matthew Sutter, um motorista de táxi da cidade.
Na audiência pública, havia representantes de pessoas com deficiência física que se perguntavam como conseguiriam entrar em táxis sem a ajuda de um motorista.
Mara Math, membro do Conselho de Coordenação de Paratrânsito, disse que a adoção dos táxis autônomos “deixaria os deficientes de São Francisco desamparados”.
E os favoráveis
Mas havia também no encontro apoiadores dos veículos sem motoristas.
“Vejo como esses carros se comportam e confio muito mais neles do que em motoristas irritados ou distraídos”, disse George Janku, cirurgião ortopédico de São Francisco e ciclista.
Ele acrescentou que trabalhou em muitos ferimentos graves envolvendo motoristas e que os táxis autônomos parecem ser mais seguros.
Jessie Wolinsky, que tem deficiência visual, disse que foi assediada por motoristas de Uber e Lyft. Os carros da Waymo “me proporcionaram um nível de segurança que nunca experimentei antes”.
Houve também uma mãe que disse que os taxistas a rejeitaram quando viram as cadeirinhas dos seus filhos – algo que um carro sem condutor nunca faria.
Acidentes e o que dizem as empresas
Ouvi os dois lados da discussão.
Usei o táxis autônomos da Cruise várias vezes nos últimos meses, sem nenhum acidente. Ao mesmo tempo, também estive num táxi robô que quebrou no meio da rua.
Sem saber como lidar com uma curva fechada para a direita, ele simplesmente parou. Os carros atrás de mim buzinaram e finalmente subiram no meio-fio para nos contornar. Eu pude entender a frustração deles.
Apenas oito dias após a votação para permitir que as empresas expandissem o uso de táxis robôs, um táxi Cruise se envolveu em um acidente com um carro de bombeiros.
A Secretaria Estadual de Veículos Automotores da Califórnia solicitou que a Cruise reduzisse pela metade o número de veículos nas ruas – o que a empresa concordou em fazer.
O procurador da cidade, David Chiu, pediu à CPUC que suspendesse a decisão de expandir a oferta de táxis autônomos. “São Francisco sofrerá sérios danos com esta expansão desenfreada”, argumentou.
A Cruise e a Waymo insistem que seus táxis autônomos são seguros.
A Waymo disse à BBC que a empresa completou mais de 3 milhões de milhas (cerca de 4,8 milhões de quilômetros) de condução totalmente autônoma. E afirma não ter sofrido nenhum acidente com pedestre ou ciclista.
A empresa também diz que as colisões entre veículos em que se envolveu ocorreram quando outros motoristas infringiram as regras ou dirigiram perigosamente.
A Cruise, por sua vez, disse que completou três milhões de milhas sem motorista e que tem um sólido histórico de segurança.
‘Ludismo’ do século 21?
Muitos moradores de São Francisco ainda não estão convencidos. Num parque tranquilo da cidade, conheci uma pessoa que faz parte da liderança grupo Safe Street Rebel – que deseja manter o anonimato.
Essa pessoa me diz que o “coning” pode ser apenas o começo dos protestos físicos contra a inteligência artificial. E que este tipo de ações humanas se tornarão cada vez mais comuns.
A pessoa representante do grupo relata frustração porque as preocupações das pessoas com relação aos táxis autônomos em São Francisco não estariam sendo ouvidas.
“Definitivamente não somos vigilantes. Somos apenas a comunidade que se auto-organiza para nos fazermos ouvir.”
Perguntei se os ativistas contrários aos veículos autônomos seriam o equivalente do século 21 aos ludistas – grupo que se opunha veementemente à industrialização no início do século 19, destruindo máquinas como forma de protesto.
“Sim, acho que há paralelos aqui. E acho que os ludistas foram tratados injustamente ao longo da história.”
Encruzilhada
São Francisco está em uma situação estranha.
A cidade quer estar na vanguarda da inovação, mas as autoridades municipais não conseguiram levar muitos residentes a aderir.
Agora, parece que o município chegou a uma encruzilhada. As empresas insistem que os veículos são seguros. Mas se não conseguirem convencer a população disso, terão de lutar para permanecer nas ruas.
Fonte: BBC
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