- Author, Paul Melly
- Role, Analista de África da BBC News
Apenas cinco semanas depois do presidente do Níger, Mohamed Bazoum, ter sido feito refém pelas tropas da sua própria guarda presidencial, Ali Bongo, do Gabão, também se encontra detido em sua casa, em mais um golpe militar na África.
A declaração nas primeiras horas de quarta-feira (31/8) de que Bongo havia sido o vencedor das eleições realizadas no domingo anterior foi seguida por uma segunda transmissão surpresa na televisão, em que um grupo de soldados anunciou a tomada do poder na ex-colônia francesa.
A junta militar restabeleceu a conexão com a internet logo depois. O acesso havia sido cortado pelo governo de Bongo na véspera da eleição e mantido cortado durante a “opaca” contagem de votos.
Mais tarde naquele dia, imagens de multidões celebrando o golpe foram compartilhadas nas redes sociais.
De seu local de confinamento, Bongo compartilhou um vídeo apelando, em inglês, para que seus amigos internacionais “fizessem barulho”, na esperança de que a pressão externa pudesse reverter os últimos acontecimentos – uma perspectiva que parece pouco provável nesse momento.
E apesar de Bongo ter sido pego desprevenido pelo golpe, a África e o restante do mundo não foram.
A queda de Bazoum no Níger, em 26 de julho, foi um sinal de que a “epidemia golpista” na África Ocidental e Central ainda não tinha terminado.
Em janeiro do ano passado, foi a vez do presidente de Burkina Faso, Roch Marc Christian Kaboré, ser deposto pelos militares – cujo líder foi posteriormente derrubado por homólogos de baixa patente em 30 de setembro, apenas oito meses depois.
E antes disso, 2021 trouxe dois golpes de Estado na África Ocidental. Em maio, o coronel Assimi Goïta, autor de um golpe militar anterior no Mali, organizou um segundo golpe para reafirmar o seu próprio poder.
Mais tarde, em setembro, as Forças Especiais da Guiné marcharam até ao Palácio Sékhoutouréyah, em Conacri, para prender o presidente Alpha Condé.
E não devemos esquecer o Chade, onde após a morte em batalha em abril do presidente de longa data Idriss Déby Itno, um conselho militar interveio para garantir a sucessão do seu filho e, assim, a continuação do regime.
Mas o que está acontecendo na África Ocidental e Central – e nas antigas colônias francesas em especial?
Há seis anos, a partida para o exílio do governante gambiano Yahya Jammeh, derrotado eleitoralmente, deixou todos os países da África Ocidental sob um regime constitucional multipartidário.
No centro do continente sobreviveram alguns regimes autoritários, mas a era das conquistas militares parecia ter ficado no passado.
No entanto, nos últimos três anos assistimos a sete golpes de Estado em cinco países – além da tomada do poder por militares fortemente armados no Chade.
Existem fatores comuns que criaram as condições para que os militares sentissem que poderiam intervir com relativa impunidade e, muitas vezes, com o apoio de uma grande fatia da população urbana, especialmente de jovens frustrados.
Em grande parte da África Ocidental e Central, os cidadãos mais jovens ficaram amplamente desencantados com a classe política tradicional, mesmo com aqueles que foram legitimamente eleitos para cargos públicos.
Essa desilusão é potencializada por uma série de questões – a escassez de empregos e até de oportunidades econômicas informais, tanto para os graduados como para os menos instruídos, a percepção de elevados níveis de corrupção e de privilégios entre a elite, bem como o ressentimento face à influência persistente da França na economia de muitas ex-colônias.
Mas há também um profundo ressentimento pela forma como muitos governantes civis manipularam os processos eleitorais ou as regras constitucionais para prolongar a sua permanência no poder.
A eliminação dos limites do mandato presidencial – após alterações controversas às constituições – é uma fonte de sentimentos especialmente dolorosos.
E tais abusos também minam a autoridade moral de organismos como a União Africana – ou a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), muitas vezes rotulada como um “clube dos presidentes em exercício” – na tentativa de forçar os líderes golpistas a restaurar o governo civil eleito.
O bloco regional centro-africano ao qual o Gabão pertence nem sequer tem pretensões sérias de estabelecer ou manter padrões de governança em todos os Estados-membros.
Mas embora todos esses fatores criem um clima em que os militares têm se sentido cada vez mais encorajados a tomar o poder, alegando oferecer um “novo começo”, cada golpe também foi impulsionado por motivações nacionais ou locais específicas – e a tomada do poder no Gabão não é exceção.
Muitos gaboneses estavam céticos quanto à decisão de Bongo de concorrer a um terceiro mandato. Ele chegou ao poder pela primeira vez por meio de eleições há 14 anos, após a morte do seu pai, Omar Bongo, que monopolizou a Presidência durante mais de 40 anos.
Havia também sérias dúvidas sobre a sua capacidade de exercer uma liderança eficaz, uma vez que sofreu um acidente vascular cerebral em outubro de 2018.
O governo do presidente deposto desenvolveu programas sérios para modernizar a máquina governamental, diversificar a economia e combater a desigualdade social e recebeu elogios internacionais pelos esforços proativos e inovadores para proteger as florestas tropicais e a rica biodiversidade do Gabão. Houve ainda algumas concessões à oposição política.
Mas o dinamismo da reforma desvaneceu-se gradualmente, enquanto o regime se revelou, em última análise, pouco disposto a expor-se a sérios desafios eleitorais.
Na verdade, desde o início a legitimidade e a posição política de Bongo foram minadas pela condução opaca das eleições que o levaram ao poder em 2009. Muitos acreditavam que André Mba Obame, o seu principal rival eleitoral, tinha sido o verdadeiro vencedor.
E quando ele se candidatou à reeleição em 2016, em uma disputa acirrada contra o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Jean Ping, ele só foi declarado vencedor após a divulgação dos resultados oficiais da região de Haut Ogooué, um feudo político da família Bongo onde foi registrado um número inacreditável e gigantesco de votos em seu favor.
No entanto, os registos das sessões eleitorais onde estes supostos votos foram protocolados foram destruídos antes que pudessem ser verificados.
Nas últimas eleições, Bongo foi declarado vencedor com 64% dos votos. Ele não permitiu que quaisquer observadores internacionais monitorizassem a votação e a oposição rejeitou o resultado como fraudulento.
Os militares finalmente intervieram, dizendo que a eleição “não cumpriu as condições para uma votação transparente, crível e inclusiva tão esperada pelo povo do Gabão”
Muitos gaboneses saudaram o golpe, que ao mesmo tempo levanta temores sobre o futuro da democracia em muitos países da África Ocidental e Central.
*Paul Melly é consultor do Programa África na Chatham House em Londres.
Fonte: BBC
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