- Author, David Robson
- Role, BBC Worklife
Em quase todos os setores, o sucesso é uma combinação de talento e coragem. Mas, se você ouvir as pessoas mais famosas descrevendo sua jornada de vida, elas logo começarão a exaltar seu trabalho árduo, estranhamente reduzindo a importância das suas capacidades inatas.
O inventor Thomas Edison (1847-1931) talvez seja o mais citado. Ele afirmava que “o gênio é 1% de inspiração e 99% de transpiração”. Mas existem diversas variações deste ponto de vista.
Um exemplo é o conselho da escritora americana Octavia Butler (1947-2006) aos novos autores: “esqueça o talento. Se você tiver, ótimo. Use-o. Se não tiver, não importa. Como o hábito é mais confiável que a inspiração, o aprendizado contínuo é mais confiável do que o talento.”
O jogador de futebol português Cristiano Ronaldo também enfatiza sangue, suor e lágrimas quando o assunto é o seu treinamento. Questionado sobre os segredos do seu sucesso no campo, ele respondeu que “o talento sem o trabalho não é nada”.
Estas narrativas podem ser benéficas para figuras reconhecidas que desejam parecer humildes e com os pés no chão. Mas recentes pesquisas psicológicas demonstram que enfatizar excessivamente a importância do trabalho duro pode ser contraproducente em muitas situações profissionais. O motivo é um fenômeno conhecido como “viés da natureza”.
Estes estudos indicam que as pessoas têm mais respeito por quem possui um dom inato do que por aqueles que precisaram lutar para atingir os seus objetivos.
Acredita-se que o viés da natureza opere abaixo do nível da consciência e suas consequências podem ser profundamente injustas. No setor de recursos humanos, por exemplo, os entrevistadores podem preferir um candidato menos qualificado se acreditarem que suas conquistas surgiram do talento natural, em comparação com um candidato mais bem sucedido, que demonstre esforço e determinação.
Felizmente, os cientistas responsáveis pelas pesquisas têm alguns conselhos sobre como evitar “punições” pelo nosso trabalho duro.
Gênio natural
Na psicologia do consumidor, a expressão “viés da natureza” costuma descrever nossa preferência por produtos naturais em lugar de sintéticos.
O escritor Malcolm Gladwell parece ter sido o primeiro a aplicar este conceito às capacidades humanas, em uma palestra para a Associação Norte-Americana de Psicologia (APA, na sigla em inglês), em 2002.
Ele disse que “em algum nível fundamental, nós acreditamos que, quanto mais perto algo estiver do seu estado original, quanto menos alterado ou adulterado for, mais desejável será”.
Gladwell propôs que, segundo esta lógica, alguém que precisasse trabalhar muito para atingir o sucesso, em essência, teria agido contra a sua “natureza” e suas conquistas seriam menos respeitadas.
Ele baseou este argumento, em grande parte, em suas observações e não em evidências experimentais. Mas a professora Chia-Jung Tsay, da Faculdade de Administração do University College de Londres, no Reino Unido, colocou a ideia à prova em uma série de estudos.
Tsay realizou seu primeiro experimento quando estava na Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Ela examinou as percepções das pessoas sobre o talento musical.
Todos os participantes eram músicos treinados que assistiram a dois vídeos de 20 segundos de uma apresentação dos Três Movimentos de Petrouchka, de Stravinsky. Os dois trechos foram executados pela pianista taiwanesa Gwhyneth Chen, mas os participantes foram levados a acreditar que as gravações eram de dois pianistas diferentes.
Com cada faixa, os participantes receberam um pequeno texto biográfico enfatizando o talento natural do pianista, ou o trabalho e a dedicação que o ajudaram a desenvolver a sua arte. E, depois de ouvirem as gravações, eles precisavam avaliar a capacidade do músico e suas possibilidades de sucesso futuro e de seguir carreira como músico profissional.
Teoricamente, os participantes deveriam ter fornecido aos dois trechos a mesma avaliação – afinal, eles estavam ouvindo partes diferentes da mesma apresentação. Mas Tsay descobriu que as informações biográficas exerceram notável influência sobre os julgamentos.
Os participantes forneceram avaliações significativamente mais positivas depois de lerem sobre a genialidade inata do pianista e deram notas mais baixas quando leram sobre a dedicação do artista à sua prática diária.
Surpreendentemente, estes julgamentos contradisseram diretamente as convicções abertamente expressas pelos artistas sobre a construção do sucesso musical. Quando eles foram questionados diretamente sobre qual fator era mais importante para o bom desempenho na música, a maioria escolheu o esforço e não o talento.
Com este resultado, Tsay suspeita que o viés da natureza possa ser causado pelo processamento inconsciente do cérebro. “Podemos não ter consciência da desconexão”, segundo ela.
Nascido para o sucesso
Para descobrir se o viés da natureza pode ser aplicado a outros domínios além da música, Tsay idealizou um experimento similar para examinar as opiniões das pessoas em relação ao sucesso empresarial.
Cada participante recebeu um perfil de um empresário em ascensão e uma apresentação em áudio de um minuto sobre o seu plano comercial. As informações foram idênticas em todos os casos, exceto por algumas sentenças descrevendo como eles chegaram ao seu sucesso atual.
Para metade dos participantes, as informações biográficas apresentavam a pessoa como um lutador, que trabalhou muito; e, para a outra metade, o perfil ilustrava uma pessoa com talento inato. E, depois de ler o perfil, os participantes avaliaram os empresários e suas propostas comerciais em diversas escalas.
Tsay encontrou o mesmo tipo de julgamento que ela havia visto nas avaliações da capacidade musical. Em média, os participantes tinham mais respeito pelas conquistas naturais e avaliaram melhor o plano comercial daquele empresário.
E a experiência dos participantes pouco reduziu o preconceito. Na verdade, o viés era mais forte entre as pessoas com maior experiência empresarial, como entre aquelas que já haviam fundado ou investido em empresas.
Esta influência na tomada de decisões pode ter um custo significativo.
Questionados a comparar diretamente diversos candidatos, os participantes do estudo de Tsay estavam dispostos a investir em empresários com avaliações mais baixas em testes de inteligência (em 30 pontos de QI), menos anos de experiência em liderança e capital acumulado US$ 31 mil (cerca de R$ 157 mil) menor – simplesmente porque foram informados que eles atingiram o sucesso com seu talento natural.
Neste estudo, os participantes ouviram a história de duas pessoas que descreveram a facilidade com que eles faziam amigos. Eles instintivamente preferiram a pessoa que era naturalmente popular, em comparação com aquela que havia trabalhado muito para estabelecer suas habilidades sociais.
“O viés da natureza é muito generalizado em todos os setores, idades e culturas”, afirma a professora.
As pesquisas de Tsay sobre o viés da natureza coincidem com uma grande quantidade de estudos psicológicos sobre como as nossas crenças pessoais moldam a nossa educação e desenvolvimento profissional.
Segundo estes estudos, pessoas com “mentalidade fixa” acreditam que suas capacidades próprias são imutáveis. Já as pessoas com “mentalidade de crescimento” tendem a observar suas capacidades como sendo maleáveis.
De forma geral, pessoas com mentalidade de crescimento são mais resilientes em relação aos fracassos e mais dispostas a perseverar rumo aos seus objetivos, o que faz com que elas atinjam melhores resultados.
Considerando estas pesquisas, muitas escolas e empresas começaram a participar de iniciativas para desenvolver a mentalidade de crescimento entre estudantes e funcionários.
“A maior parte das pesquisas existentes sobre a mentalidade examina o que eu penso, como aquilo forma a minha reação a diferentes situações e qual é o meu desempenho resultante”, afirma Aneeta Rattan, professora de ciência das organizações da London Business School.
“O que eu adoro no trabalho de Chia-Jung Tsay é que ela realmente muda essa perspectiva e examina como estamos avaliando as outras pessoas”, segundo ela.
Rattan suspeita que os líderes podem elogiar a mentalidade do crescimento, mas ainda exibir preferências inconscientes por pessoas que parecem ter talentos inatos. Ela espera que os gerentes agora possam tentar levar este ponto em consideração na hora de tomar decisões.
“Precisamos nos perceber e perceber os demais quando caímos nesse viés”, segundo ela.
Perspectivas equilibradas
Individualmente, a existência do viés da natureza pode influenciar a forma como nos apresentamos aos demais, para que nossas conquistas não sejam indevidamente menosprezadas.
Na convenção anual da Sociedade de Psicologia Social e da Personalidade dos Estados Unidos em 2023, Clarissa Cortland – colega de Tsay – apresentou os resultados de uma pesquisa que examinou o comportamento de seis mil estudantes universitários que trabalhavam como líderes empresariais.
Questionados a descrever sua trajetória profissional, cerca de 80% dos participantes concentraram-se nos seus esforços e disciplina, não na sua capacidade natural. Este índice foi ainda maior quando eles precisaram imaginar a descrição da sua trajetória para outras pessoas.
“Existe uma mudança instintiva para ‘descrever um lutador’ quando os motivos da autoapresentação são altos”, afirma Cortland.
Uma das razões pode ser porque a maioria das pessoas quer evitar parecer arrogante e acredita que concentrar-se no trabalho árduo e não no talento natural pode fazer com que elas pareçam ter mais os pés no chão.
A arrogância é um atributo indesejável. E, durante uma entrevista de emprego, por exemplo, ela pode indicar que você talvez venha a ser desagradável com o resto da equipe e ter dificuldades para respeitar ordens.
Embora se possa dar preferência para os gênios naturais em cargos que precisam de uma estrela isolada que brilhe, Brown concluiu que as pessoas costumam preferir lutadores para tarefas que exigem cooperação.
Atualmente, a maior parte das carreiras irá precisar de um certo nível de trabalho em equipe – e, se enfatizarmos unicamente nossa capacidade inata, corremos o risco de parecer uma diva com dificuldade para colaborar com os demais.
Por isso, a solução mais inteligente pode ser um quadro mais sutil dos nossos sucessos, sem nos concentrarmos exclusivamente em nenhum dos dois elementos.
Em uma entrevista de emprego, por exemplo, podemos nos concentrar em discutir as áreas que exigiram maior dedicação e também relacionar as capacidades inatas que nos ajudaram a seguir adiante.
“É possível que tenhamos apenas enfatizado todas as horas de esforço e formação”, afirma Tsay. “Mas ainda existem coisas que provavelmente vêm mais facilmente para nós e está certo mencioná-las para equilibrar a narrativa.”
O gênio pode ser o resultado de 1% de inspiração mais 99% de transpiração, como sugeriu Edison, ou uma soma de 50:50. De qualquer forma, você pode reconhecer como as duas características levaram você ao sucesso. Só então, você irá ganhar o respeito que merece.
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