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Pesquisas indicam que a nossa propensão ao pensamento linear está presente muito antes de deixarmos a escola

  • Author, Kit Yates
  • Role, BBC Future

É assim que o problema geralmente começa: “Se Maria paga R$ 5 por 10 laranjas, quantas laranjas ela recebe por R$ 50?”

Para encontrar a resposta para a pergunta, muitos de nós fomos condicionados a usar o raciocínio linear para concluir que, pagando 10 vezes mais, Maria receberá 10 vezes mais laranjas – ou seja, 100 delas.

Se uma relação for linear, uma mudança em uma quantidade por um valor fixo sempre produzirá uma mudança fixa no outro valor. Este é um bom modelo para todos os tipos de relações do mundo real.

Com uma taxa de câmbio fixa, a libra esterlina pode valer dois dólares da Nova Zelândia e, assim, £ 10 valeria NZ$ 20 e £ 100 valeria NZ$ 200.

Este é um tipo especial de relação linear: à medida que você aumenta as libras que deseja trocar, o número de dólares que você recebe de volta aumenta em proporção direta – se eu dobrar a entrada, também dobro a saída.

Se eu consigo comprar três barras de chocolate por R$ 10, então certamente posso comprar seis barras de chocolate por R$ 20.

O número de barras que posso comprar regula linearmente com o dinheiro que estou disposto a gastar.

A linearidade não permite que haja ofertas do tipo “leve três, pague dois” na mesa. E, claro, na vida real as taxas de câmbio flutuam muito com as variações do mercado financeiro.

No entanto, nem todas as relações lineares estão em proporção direta. Para converter de Celsius para Fahrenheit, você precisa multiplicar a temperatura em Celsius por 1,8 e adicionar 32.

Dobrar o número de entrada não dobra o de saída nesta relação, mas por ser linear, uma mudança fixa na entrada sempre corresponde a uma mudança fixa na saída.

Um aumento de 5° C é sempre um aumento de 9° F, não importa a temperatura a partir da qual você parta.

Essas relações podem ser representadas como linhas retas, e é por isso que as chamamos de lineares.

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A relação entre as escalas de temperatura Fahrenheit e Celsius é linear, embora não diretamente proporcional

Talvez eu tenha exagerado um pouco na explicação sobre essas relações lineares, até por a linearidade ser uma ideia tão familiar.

Mas é aí que está o problema: estamos tão familiarizados com o conceito de linearidade que impomos nossa referência de visão linear sobre o que observamos no mundo real.

Isso é um viés de linearidade em sua forma mais simples. Como exploro no meu novo livro How to Expect the Unexpected (“Como Esperar o Inesperado”, em tradução livre), muitos sistemas não obedecem a essas relações lineares simples.

Por exemplo, se eu deixar dinheiro na minha conta bancária ou esquecer de pagar uma dívida, essa soma de dinheiro crescerá de forma não-linear (crescerá exponencialmente) – juros em cima de juros.

Quanto mais dinheiro eu tiver (ou dever), mais rápido ele crescerá. Como muitos de nós estamos sujeitos ao viés de linearidade, subestimamos a rapidez com que essas somas de dinheiro crescerão, o que faz com que economizar para o futuro pareça menos atraente e assumir dívidas pareça mais sedutor.

Descobriu-se que quanto maior o viés de linearidade de um indivíduo, maior é a proporção de dívida em relação à renda que tem.

Pseudo-linearidade

E parece que a melhor explicação para a nossa dependência excessiva da linearidade vem da sala de aula de matemática.

Pesquisas sobre as origens desse viés mostraram que nossa propensão para assumir a linearidade surge muito antes de deixarmos a escola.

Esses estudos apresentam aos alunos perguntas em que a linearidade não é a ferramenta certa para resolver problemas para ver como respondem.

Os chamados problemas de pseudolinearidade podem assumir a seguinte forma: “Laura é uma velocista. Se ela corre 100m em 13 segundos, quanto tempo ela levará para correr 1 km?”

Não é possível chegar à resposta correta a partir das informações dadas no problema.

No entanto, a maioria dos alunos usa a solução linear, sem qualquer preocupação com a natureza irreal das suposições subjacentes.

Eles multiplicam o tempo que leva para correr 100m por 10, por a distância ser 10 vezes maior, estimando um tempo de 130 segundos para correr 1km.

A resposta a que chegam claramente não leva em conta o fato de que nenhum atleta pode sustentar seu melhor ritmo de 100m ao longo de 1 km.

E a resposta linear levaria Laura a quebrar o recorde mundial para uma corrida de 1 km – de dois minutos e 11 segundos.

Não reconhecer que o mundo real geralmente não é tão simples quanto um problema de matemática só gera mais complexidade.

E até mesmo a inteligência artificial acaba absorvendo esses erros: o ChatGPT, um chatbot projetado para imitar as interações humanas, aprendeu os mesmos vieses.

Quando perguntei “Três toalhas levam três horas para secar no varal, quanto tempo nove toalhas levam para secar?”, ele respondeu “nove horas”, argumentando que se você triplicar o número de toalhas, triplicará a quantidade de tempo que elas levam para secar.

De fato, se seu varal for longo o suficiente, não deve demorar mais para secar nove toalhas.

Um mundo não linear

Estou cozinhando com as crianças e queremos fazer o dobro de cupcakes do que a receita sugere, então precisamos usar o dobro de cada um dos ingredientes.

Os ingredientes combinam-se linearmente para gerar o dobro da mistura. Isso parece correto.

Mas inferir que isso deve ser verdade para todos os fenômenos em nosso mundo seria negar a existência e a magia dos fenômenos emergentes – por exemplo, que nenhuma molécula de H20 seja molhada ou que os flocos de neve formem fractais únicos como uma superestrutura complexa, e não adicionando cristais individuais.

Até mesmo nossas vidas são muito mais que a simples soma de átomos e moléculas que compõem nossas formas físicas.

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Uma corrida de 1 km exige uma preparação e abordagem diferentes de uma corrida de 100m

Embora na maioria das vezes não saibamos, muitas das relações mais importantes que experimentamos todos os dias não são lineares.

Mas temos a ideia de linearidade imbuída em nós tão cedo, e presente com tanta frequência, que às vezes esquecemos que outras relações podem existir.

Nossa familiaridade excessiva com relações lineares significa que, quando algo não linear ocorre, podemos ser pegos desprevenidos e ter nossas expectativas frustradas.

Ao fazer a suposição implícita de que as entradas escalam linearmente com as saídas, é provável que a gente descubra que nossas previsões podem estar incorretas e que nossos planos podem dar errado.

Vivemos em um mundo não linear, mas estamos tão acostumados a pensar em linhas retas que muitas vezes nem percebemos.