- Author, Isabelle Gerretsen
- Role, BBC Future
Quando é dia de faxina, muita gente abre as janelas, pega os produtos de limpeza e se põe a remover todo o pó e a sujeira da casa.
Mas qual é a importância de ter uma casa limpa para a nossa saúde? A limpeza profunda ajuda a evitar infecções e nos proteger contra doenças?
Especialistas afirmam que é preciso tomar cuidado para não confundir limpeza com boa higiene.
A pandemia de covid-19 fez aumentar a limpeza doméstica — as pessoas tentavam manter o vírus longe desinfetando cada centímetro das suas casas.
Esta tendência foi exacerbada pela advertência inicial da Organização Mundial da Saúde (OMS), de que o vírus poderia se espalhar por meio de superfícies contaminadas, conhecidas como fômites. Mas pesquisas posteriores concluíram que o risco de transmissão da doença pelas superfícies é baixo.
Sally Bloomfield, presidente do Fórum Científico Internacional sobre Higiene Doméstica e professora honorária da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, receia que a pandemia tenha levado muita gente a adotar hábitos de limpeza inúteis.
Estes hábitos podem incluir, por exemplo, esfregar obsessivamente o piso, em vez de se concentrar nas boas práticas de higiene que ajudam a evitar a propagação de doenças.
“As pessoas têm obsessão pela limpeza como meio de se proteger contra os germes”, afirma Bloomfield.
“Está em algum lugar do DNA que nós associamos limpeza à saúde… Nós evoluímos para ter um reflexo de aversão e evitar coisas que sejam desagradáveis ou mal cheirosas.”
Mas ela afirma que limpeza e higiene não são a mesma coisa.
“Limpeza é fazer com que [um local] tenha aparência limpa, seja aspirando ou esfregando a mesma”, ela explica.
“Mas higiene é se proteger contra os micróbios nocivos.”
Entre eles, estão patógenos como o norovírus, os vírus causadores da gripe e da covid-19 e a bactéria salmonella, explica Bloomfield.
“A higiene é um conjunto de ações, não um estado, que você realiza quando é necessário, em vez de em um momento pré-estabelecido.”
“É questão de intervir nos momentos certos.”
Todos nós devemos praticar a “higiene direcionada” na nossa vida diária e reconhecer quando os micróbios nocivos podem se espalhar, segundo ela.
Por exemplo, quando estamos manipulando alimentos crus, usando o banheiro, tocando nos animais de estimação, assoando o nariz ou jogando o lixo fora.
Nove momentos fundamentais para a higiene direcionada
O Fórum Científico Internacional sobre a Higiene Doméstica definiu nove momentos em que é fundamental praticarmos a boa higiene na nossa vida diária. São eles:
- Ao manusear alimentos;
- Ao comer com as mãos;
- Ao usar o banheiro e trocar fraldas;
- Ao tossir, espirrar ou quando nosso nariz está sangrando;
- Ao tocar em superfícies usadas com frequência por outras pessoas;
- Ao manusear e lavar roupas e tecidos domésticos “sujos”;
- Ao cuidar de animais de estimação;
- Ao manusear e descartar refugos;
- Ao cuidar de familiares infectados.
A confusão
Uma pesquisa conduzida pela Sociedade Real de Saúde Pública (RSPH, na sigla em inglês), no Reino Unido, concluiu que muita gente não sabe a diferença entre higiene e limpeza.
Muitos dos entrevistados responderam que ser higiênico envolve remover a sujeira. Mais de um terço (36%) afirmou que a sujeira sempre ou normalmente é nociva; e 61% responderam que tocar nas mãos de uma criança depois que ela brincou fora de casa provavelmente transmite micróbios nocivos.
O RSPH observa, no entanto, que as principais fontes de patógenos não são os lugares tipicamente considerados “sujos” — mas, sim, alimentos contaminados, animais de estimação e pessoas infectadas.
Na verdade, pesquisas mostram que “se sujar” pode fornecer importantes benefícios à saúde.
Estudos sugerem que crianças que moram em fazendas, por exemplo, sofrem menos de asma e alergias e são menos propensas a desenvolver condições autoimunes, como a doença de Crohn, devido à exposição precoce a uma diversidade maior de micro-organismos que ajudam a regular seu sistema imunológico.
A crença de que limpeza e higiene são sinônimos persiste desde o fim dos anos 1980, quando o epidemiologista britânico David Strachan levantou a hipótese da higiene. Ele defendeu que a exposição aos germes e infecções durante a infância ajudaria a desenvolver o sistema imunológico das crianças, protegendo-as contra alergias.
O aumento dos casos de asma e alergia na infância no fim do século 20 foi associado à redução da exposição das crianças a micróbios, devido à diminuição do tamanho das famílias, à interação limitada com animais e padrões de limpeza mais altos, segundo Strachan.
Mas os cientistas agora argumentam que não há evidências mostrando que a limpeza esteja ligada ao desenvolvimento de alergias.
Graham Rook, professor emérito de microbiologia médica da University College London (UCL), no Reino Unido, argumenta que a hipótese da higiene deveria ser rebatizada como “hipótese dos velhos amigos”.
Ele argumenta que a exposição a “velhos amigos” — organismos não infecciosos que estiveram à nossa volta em grande parte da nossa história evolutiva — é, na verdade, o que treina o sistema imunológico para não reagir de forma exagerada a micróbios inofensivos, e não as infecções infantis ou quão limpa era a casa onde você foi criado.
Todos nós “nascemos com um sistema imunológico completamente formado que precisa de programação”, afirma Bloomfield.
“A programação é feita pelos ‘velhos amigos’, ensinando o sistema imunológico a não reagir a coisas como pólen e alérgenos alimentares, que são perfeitamente inofensivos.”
A susceptibilidade de uma criança a desenvolver alergias, portanto, não tem nada a ver com limpeza — mas, sim, com sua exposição a diferentes tipos de micro-organismos por meio do intestino, da pele e do ar que respiram, segundo os cientistas.
Em um estudo de 2021, Rook e Bloomfield concluíram que não somos “limpos demais” para o nosso próprio bem.
Eles afirmam que as crianças recebem todos os insumos microbianos de que precisam para desenvolver um sistema imunológico saudável por meio das vacinas, do seu ambiente natural e da microbiota benéfica obtida das mães durante o parto.
“Definitivamente precisamos ter contato com a microbiota das nossas mães e do ambiente natural, e a ausência disso certamente contribui para distúrbios imunorregulatórios, como alergias, porque esses organismos definem os mecanismos que regulam o sistema imunológico”, afirma Rook.
Mas limpar a casa “não reduz necessariamente a exposição da criança à mãe ou à natureza”.
“Práticas de higiene direcionadas em locais e momentos fundamentais de risco podem maximizar a proteção contra infecções, minimizando eventuais impactos da exposição aos micróbios essenciais”, aponta o estudo.
“Você não pode manter sua casa higiênica. Se quisesse fazer isso, você teria que colocá-la em uma caixa estéril”, afirma Bloomfield.
“Mas, se você intervier nos momentos certos, vai lidar com a maioria dos riscos.”
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