Shimon Mizrahi aponta da varanda de seu apartamento para uma grande autopista. Do outro lado está uma sinagoga, onde crianças brincam.
O aposentado mora em Neve Yaakov, um assentamento considerado ilegal pelas leis internacionais, na Jerusalém Oriental ocupada por Israel.
Do lado de fora da sinagoga apontada por Mizrahi, um atirador palestino matou seu filho e nora, Eli e Natali Mizrahi, depois que eles desceram ao ouvir tiros.
“O homem estava parado no cruzamento e atirou em todas as direções”, diz Shimon.
“É difícil, é difícil. É como se eu não vivesse na realidade”, acrescenta. “Não tenho dia nem noite. Não consigo comer. Não sinto nada.”
Guinada do governo
No ataque de janeiro, outras cinco pessoas morreram – foi o mais mortal do tipo em anos.
Acontecimentos como esse aumentaram a percepção entre alguns israelenses de que as autoridades não os estão protegendo.
“Culpo o primeiro-ministro (Benjamin Netanyahu). Ele está no comando do Exército, da segurança”.
É para pessoas como os Mizrahis que o ministro da Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben-Gvir, quer dar mais armas, em nome da defesa pessoal.
Ben-Gvir conquistou para seu partido Otzma Yehudit (Poder Judeu) um lugar na coalizão governista de direita de Israel nas eleições parlamentares de novembro, criticando o histórico de segurança de seus predecessores e fazendo fortes promessas de armas.
Isso incluía armar reservistas do exército e flexibilizar as regras para atiradores.
A violência entre palestinos e israelenses vem aumentando desde o primeiro semestre do ano passado.
Palestinos realizaram ataques em cidades israelenses e o Exército de Israel realizou ataques noturnos consistentes na Cisjordânia ocupada.
No ano passado, as forças de segurança israelenses mataram o maior número de palestinos desde 2005.
Este ano a violência continuou.
A polícia chegou ao ataque de Neve Yaakov vários minutos após o início do tiroteio e matou o agressor enquanto ele tentava fugir.
Após o ataque de janeiro, Ben-Gvir prometeu acelerar drasticamente a emissão de licenças de armas, de cerca de 2 mil para 10 mil por mês, reduzindo o tempo de espera de seis a oito meses para dois ou três.
A posse de armas entre os israelenses é baixa – cerca de 2% da população.
Normalmente, os cidadãos podem portar uma pistola e um limite de 50 balas.
Mas agora os pedidos de licenças de armas mais do que dobraram, segundo o Ministério da Segurança Nacional, de 19 mil em 2021 para 42.236 no ano passado — um recorde anual histórico.
Lacuna e preocupação
No campo de tiro de Krav, no sul de Jerusalém, Hosha’aya Volman pratica com sua arma.
“Carrego uma arma pela simples razão de que não estarei indefeso. Poderei me proteger e proteger aqueles ao meu redor”, diz Volman.
Volman, 27, é um judeu praticante e mora no assentamento de Kohav HaShahar, no norte da Cisjordânia.
Ele precisa manter um certo nível de habilidade — e passar em testes de saúde física e mental — para manter sua licença de porte de arma, parte dos rígidos regulamentos de posse de armas de Israel.
Volman prestou serviço militar e pegou uma arma depois de deixar o Exército.
Os judeus ultraortodoxos normalmente não vão para o Exército nem possuem armas, valorizando mais sua observância religiosa.
E há grupos em Israel dizendo que as comunidades ultraortodoxas precisam estar mais bem armadas para sua própria proteção.
Mas as pessoas tomando a segurança em suas próprias mãos também estão sendo vistas cada vez mais na Cisjordânia ocupada.
Ali, grupos de autodefesa desarmados e comitês civis estão organizando a defesa de vilarejos e cidades, onde as forças da Autoridade Palestina estão ausentes — muitas vezes devido à falta de coordenação do Exército israelense necessário para operar.
Esses civis temem ataques de colonos judeus, após exemplos sucessivos nos últimos meses.
Novas e jovens milícias surgiram, tornando-se a última onda do que os palestinos consideram resistência à ocupação israelense.
Rela Mazali, co-fundadora da coalizão de ativistas antiarmas israelenses Gun Free Kitchen Tables, diz que não há evidências de que mais armas nas mãos de civis impeçam os ataques ou reduzam o número de vítimas.
“Temos analisado nos últimos anos, por períodos limitados, esse argumento [de que mais armas nas mãos de civis impeçam os ataques ou reduzam o número de vítimas], mas não tem sido o caso de civis com armas licenciadas interromperem na maior parte qualquer tipo de ataque. Esse argumento é com tanta frequência reivindicado que acaba se tornando verdade. Mas não há qualquer estatística que embase isso”, diz.
Rela diz, por outro lado, mais armas levaram a mais assassinatos.
Ele acrescenta que já há violência armada crescente em Israel, envolvendo um número crescente de licenças, e cujas vítimas são principalmente cidadãos palestinos e uma alta proporção de mulheres — tanto judias quanto palestinas.
“Em vez de privatizar a segurança pessoal e humana, o que é necessário são forças de segurança bem treinadas, rápidas, cuidadosas e atenciosas, que não exacerbem a situação — o que é frequentemente o caso aqui em Israel — mas saibam como conter e aplacar as situações.”
Como Israel vem sido varrido por protestos frequentes contra o governo de extrema-direita, principalmente devido às suas propostas de mudanças no Judiciário, e em meio à violência israelense-palestina, parece haver pouco espaço para conciliação ou qualquer tipo de apaziguamento.
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