- Author, Christine Ro
- Role, BBC Future
Para Melissa Wairimu, editora de vídeo em Nairóbi, no Quênia, os sintomas começaram aos 21 anos.
Ela tinha que urinar constantemente e sentia uma ardência nessa hora. As costas dela também doíam.
Um exame de cultura de urina confirmou o diagnóstico de infecção do trato urinário (ITU). “Eu nem sabia que existia isso”, diz.
Ela recebeu uma receita de antibiótico de amplo espectro por sete dias e foi orientada a beber bastante água.
Mas os sintomas continuaram a voltar, algumas vezes ainda mais fortes. A dor nas costas se espalhou para o abdômen.
Wairimu se sentia constantemente cansada, mas achava desconfortável deitar.
“Você tem aquela sensação de que precisa ir ao banheiro”, explica.
Isso a manteve acordada. E a incapacidade de dormir piorou o cansaço, dificultando o cumprimento de sua apertada agenda de trabalho.
Wairimu sente que os médicos não a ouviram. Eles disseram a ela que suas ITUs poderiam estar relacionadas ao sexo — mesmo que ela não estivesse transando naquela época.
Os médicos pareciam ter pressa em fazer suposições e prescrever diferentes antibióticos, mas isso não resolveu o problema.
Wairimu simpatiza com os seis médicos que consultou ao longo dos anos. Ela acredita que eles não tinham treinamento suficiente em ITUs recorrentes.
Ela então precisou buscar informações pela internet, onde encontrou histórias de pessoas em situações semelhantes.
Isso a levou ao grupo Live UTI Free (“Viva Livre de ITU”, em tradução livre), onde ela agora trabalha.
Frustração
Wairimu começou a mudar a dieta para ver o que manteria seus sintomas sob controle. Quatro anos depois, o problema não desapareceu, mas os incômodos ficaram mais amenos.
Fazer consultas médicas uma após a outra. Não ser levado a séria. Ser submetida a tratamentos que funcionam apenas no curto prazo (isso quando funcionam).
Essas são as experiências compartilhadas por Wairimu e outras mulheres que sofrem de “ITUs complicadas”, definidas como aquelas que apresentam o maior risco de falha no tratamento, com uma estimativa de 250 mil casos por ano apenas nos Estados Unidos (não há estatísticas brasileiras sobre o assunto).
Muitos pacientes, médicos e pesquisadores se sentem frustrados pela falta de progresso na luta contra as ITUs comuns e as formas mais complicadas. Mas eles mantêm a esperança de mudanças no futuro.
Infecção pouco compreendida
Os sintomas de uma ITU incluem dor ou queimação ao urinar, vontade frequente ou repentina de fazer xixi, urina turva, com sangue ou com cheiro fétido, dor nas costas ou na parte inferior do abdômen e febre ou calafrios.
Geralmente isso é causado pela bactéria Escherichia coli, ou simplesmente E. coli.
Muitos outros micro-organismos também podem ser culpados pelo quadro, mas há poucas pesquisas sobre eles e também sobre as cepas ainda mais raras de E. coli, segundo a pesquisadora Jennifer Rohn, diretora do Centro de Biologia Urológica da University College London, no Reino Unido.
Uma ITU pode causar cistite, uma inflamação da bexiga, explica Chris Harding, urologista do Hospital Freeman e da Universidade de Newcastle, também no Reino Unido.
Existem outros tipos de ITUs, mas a cistite é a mais comum.
As ITUs são extremamente comuns, e afetam pelo menos metade do público feminino em algum momento da vida.
Elas são especialmente prevalentes entre mulheres jovens e sexualmente ativas e aquelas na pós-menopausa, contextualiza Rohn.
Genética, hormônios e anatomia são fatores que entram em jogo. Mulheres e meninas são especialmente afetadas porque têm uretras mais curtas do que os homens. Isso facilita a chegada das bactérias à bexiga.
Embora as ITUs sejam classificadas como doenças infecciosas, elas não são contagiosas. No entanto, a bactéria responsável pode ser transmitida de pessoa para pessoa durante a relação sexual.
Vale destacar que os homens também podem ter uma ITU, especialmente quando são mais velhos. Em lares de idosos, as infecções urinárias são o tipo mais comum de condição provocada por micro-organismos.
No mundo, as ITUs afetam cerca de 150 milhões de pessoas a cada ano, mas esse problema já generalizado certamente se tornará ainda mais comum à medida que o mundo envelhece.
“E essa é uma razão muito importante pela qual os idosos acabam no hospital”, explica Rohn.
Parte normal de ‘ser mulher’
Como as ITUs são comuns e geralmente pouco complicadas, muitos médicos as encaram como uma parte normal de ser mulher.
Essa atitude, porém, aumenta o risco de banalizar os casos mais graves, que são inúmeros.
Uma estimativa é que, assim como Wairimu, 25% das mulheres com pelo menos uma ITU terão quadros recorrentes: pelo menos dois episódios a cada seis meses ou três ao ano. Muitas têm ainda mais.
Além das ITUs recorrentes, há uma conscientização cada vez maior sobre a forma crônica dessa doença, às vezes chamada de ITU de longa duração.
Essencialmente, algumas pessoas vivem com sintomas ao longo de vários dias, sem nenhum alívio. No entanto, quase não há reconhecimento oficial dessa condição, que se arrasta por mais tempo.
Detecção
Mesmo as ITUs relativamente simples acabam prejudicadas na hora do diagnóstico. Os exames típicos para detectar o quadro são os testes de urina e a cultura de urina, mas esses métodos não são sensíveis o suficiente para serem confiáveis.
Por outro lado, os testes moleculares de nova geração são quase sensíveis demais, e detectam qualquer patógeno, mesmo que ele não esteja relacionado ao problema. Além disso, essa tecnologia é bem mais cara.
Os testes de urina tradicionais são baratos, mas muitas vezes trazem resultados enganosos. O teste de cultura de urina, que envolve o cultivo da bactéria em laboratório a partir de uma amostra de xixi, foi desenvolvido na década de 1950 com mulheres grávidas que tinham infecções renais.
Em outras palavras, um teste padrão para ITUs é derivado de pesquisas desatualizadas que nem sequer eram específicas para essa doença no passado.
Educação atrasada
Tal como acontece com os testes, a educação médica permanece desatualizada. Harding aprendeu como estudante de medicina que a bexiga era um ambiente estéril (ou seja, onde não há micro-organismos).
Esse equívoco levou à confusão sobre como interpretar a evidência de bactérias que vivem nesse órgão.
Até hoje, Rohn dá palestras para estudantes de medicina que acreditam incorretamente que a urina é um líquido estéril.
Embora os pesquisadores estejam cientes da falta de evidências adequadas, as informações mais recentes “não se infiltram na prática clínica”, diz Carolyn Andrew, diretora da Campanha sobre Infecções Crônicas do Trato Urinário (Cutic), um grupo de defesa de pacientes sediado no Reino Unido.
Diagnóstico errado
Como muitas pessoas que sofrem de ITUs crônicas, Andrew também recebeu um parecer equivocado.
Ao desenvolver os primeiros sintomas, os testes de ITU voltaram negativos e ela foi diagnosticada com cistite intersticial (IC), ou síndrome da dor na bexiga.
Os tratamentos para CI eram dolorosos e só pioraram as coisas.
No ano seguinte, quando Andrew consultou um especialista, ela finalmente foi tratada para as ITUs crônicas.
“Graças a Deus alguém está me ouvindo”, ela se lembra de ter pensado. O tratamento levaria quase quatro anos para conseguir eliminar a infecção, mas Andrew agradece o resultado final.
Ela acredita que um diagnóstico baseado em sintomas, em vez de testes ineficazes, teria dado algumas respostas mais efetivas.
Rohn aponta que o diagnóstico baseado em sintomas virou um senso comum para pessoas com ITUs recorrentes, uma vez que as próprias pacientes podem reconhecer e relatar os incômodos típicos do quadro.
“Devemos começar a levar as mulheres e os seus sintomas mais a sério”, sugere Rohn.
‘Tempestade perfeita’
Rohn acredita que uma “tempestade perfeita” de sinais e percepções explica por que as ITUs têm sido tão negligenciadas: “É uma doença feminina. Ela afeta também os idosos. E está lá embaixo [na lista de prioridades]”, diz.
“O quadro também é percebido como uma coisa menor”, avalia Rohn.
Como as ITUs geralmente não são fatais, elas não atraem os mesmos níveis de financiamento e atenção que outros quadros relacionados aos patógenos.
Mas infecções do trato urinário podem causar morte por sepse ou por danos aos rins.
“As pessoas não percebem que as infecções bacterianas são muito perigosas se não forem tratadas adequadamente”, explica Rohn.
Essas infecções podem ser não apenas ameaçadoras do ponto de vista da saúde, mas prejudicam profundamente a vida pessoal e profissional.
Andrew viveu com dor constante e pressão na bexiga antes de finalmente receber tratamento para uma ITU crônica.
Em seu trabalho com o grupo Cutic, ela viu pessoas tão desesperadas que chegavam a pedir pela remoção da própria bexiga.
O dilema dos antibióticos
Para aquelas mulheres com sorte o suficiente de serem diagnosticadas com precisão, o tratamento pode virar um campo minado.
No Quênia, Wairimu recebeu antibióticos de forma praticamente indiscriminada.
No Reino Unido, o curso padrão de antibióticos para o tratamento de infecções do trato urinário em mulheres é de três dias. Para os homens, cujos casos são automaticamente considerados complicados, o prazo é de sete dias.
A disparidade é frustrante para algumas pacientes.
Rohn acredita que o período de tratamento de três dias, com a lista limitada de antibióticos disponíveis, não é suficiente para muitas das mulheres.
Uma das principais razões para a duração limitada do tratamento é a preocupação com a resistência antimicrobiana (em que as bactérias e outros micro-organismos desenvolvem formas de sobreviver aos remédios).
Isso é justificado, mas muitas vezes as preocupações com a administração antimicrobiana negligenciam as pessoas que sofrem, argumenta Rohn.
Um paradoxo é que o tratamento de primeira linha das ITUs pode fazer com que essas infecções se tornem crônicas ou recorrentes, com bactérias escondidas, que escapam aos remédios.
Nestes casos, mais antibióticos podem ser necessários.
Para ITUs recorrentes, as pacientes geralmente são tratadas com antibióticos por períodos mais longos. Isso aconteceu com Andrew, que estava dividida entre a saúde pública e a privada antes de encontrar alívio.
Muitas outras não têm recursos ou nível de educação para persistir na busca por melhores cuidados.
Perspectivas de mudança
Vários esforços estão em andamento para melhorar o diagnóstico e o tratamento das ITUs.
Em resposta à perda de eficácia dos antibióticos, os pesquisadores tentam redirecionar os medicamentos existentes ou aumentar sua eficácia nos tecidos onde são necessários.
No ano passado, a empresa farmacêutica GSK também relatou resultados promissores de testes para um novo antibiótico oral. Se aprovado, seria o primeiro desenvolvido em mais de duas décadas para tratar ITUs não complicadas.
Dado o enorme problema das superbactérias resistentes a medicamentos, também são necessárias alternativas aos antibióticos.
Harding oferece às pacientes suplementos de estrogênio vaginal como uma opção não antibiótica, mas há sinais promissores de que os antissépticos também podem funcionar. Além disso, existem algumas vacinas contra as ITUs em desenvolvimento.
A pesquisa básica também possui um papel importante na compreensão do trato urinário.
Rohn diz que “os modelos de camundongos reinaram supremos” na pesquisa das ITUs por muitos anos, embora os roedores tenham funções urinárias diferentes dos seres humanos.
Ao contrário de nós, esses animais não armazenam urina por muito tempo. E eles nem pegam ITUs naturalmente.
Em vez de confiar apenas em experimentos baseados em camundongos, Rohn e seus colegas projetaram um modelo 3D de uma bexiga humana que pode imitar o fluxo de urina em um órgão real para fazer estudos e projeções.
“É muito emocionante estar em um momento em que essas técnicas de modelagem humana estão entrando em um renascimento”, entusiasma-se a especialista.
Enquanto isso, uma maior conscientização sobre as ITUs e a disposição de levá-las a sério podem ajudar a aliviar o sofrimento de mulheres como Wairimu e Andrew, que lutam há anos para encontrar respostas.
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