Crédito, AP Photo/Evan Vucci

Legenda da foto, Os momentos posteriores à tentativa de assassinato de Donald Trump foram extensamente documentados pelos fotojornalistas.

  • Author, Sara Oscar
  • Role, The Conversation*

A fotografia mais divulgada do evento foi tirada pelo fotógrafo de guerra Evan Vucci, vencedor do Prêmio Pulitzer. Ele é conhecido pela sua cobertura dos protestos que se seguiram ao assassinato de George Floyd, em 2020.

Diversos prêmios World Press Photograph já foram concedidos a fotógrafos que cobriram assassinatos.

Nesta linha, a imagem de Vucci também já pode ser considerada simbólica. É uma foto que talvez ganhe prêmios pelo seu conteúdo, uso de cores e enquadramento – e irá se tornar uma parte importante dos registros deste momento histórico na nossa memória.

Análise da imagem nas redes sociais

As pessoas que observaram a fotografia de Vucci foram às redes sociais para analisar a composição da imagem, incluindo como motivos icônicos como a bandeira americana e o punho erguido de Trump são reunidos no enquadramento, segundo as normas da composição fotográfica, como a regra dos terços.

Acredita-se que estes elementos contribuam para o poder daquela imagem. E, para entender exatamente o que torna essa foto tão poderosa, existem diversos elementos que precisam ser analisados.

Acuidade da composição

Nesta fotografia, Vucci está olhando para cima com sua câmera.

Ele faz Trump aparecer em posição elevada, como a figura central rodeada por agentes do Serviço Secreto, que protegem seu corpo. Os agentes formam uma composição triangular que coloca Trump como vértice, levemente à esquerda de uma bandeira americana elevada no céu.

Imediatamente à direita de Trump, um agente olha diretamente para a lente de Vucci, com os olhos ocultos pelos óculos escuros.

O agente nos chama para dentro da imagem. Ele olha na nossa direção e observa o fotógrafo. Por isso, ele parece olhar para nós – ele espelha a nossa visão da fotografia.

Esta figura é central e leva o nosso olhar para o punho erguido de Trump.

Crédito, AP Photo/Evan Vucci

Legenda da foto, Sua longa carreira como fotojornalista levou Evan Vucci a entender a importância de conseguir o disparo no momento certo

Outro ponto interessante é que existem fortes elementos coloridos nesta imagem, que criam a ilusão de se reunirem para formar a fotografia.

Contra o fundo do céu azul claro, tudo o mais na imagem é vermelho, branco e azul-marinho. As gotas de sangue que caem pelo rosto de Trump combinam com as listras vermelhas da bandeira americana, alinhadas com o vermelho republicano do pódio, no quadrante inferior esquerdo da imagem.

Podemos não observar estes elementos inicialmente, mas eles demonstram como certas convenções fotográficas colaboram com a própria forma de observação e composição de Vucci, alinhadas às normas do fotojornalismo.

Forma fotográfica de observação

Em suas entrevistas, Vucci faz referência à importância de sempre manter o senso de composição fotográfica para poder “capturar” a imagem, para ter certeza de cobrir a situação de diversos ângulos, incluindo a captura da cena com a luz e a composição correta.

Para Vucci, tudo isso faz parte do trabalho do fotógrafo.

As declarações de Vucci são consistentes com o que a maioria dos fotógrafos consideraria uma forma fotográfica de observação. Isso significa estar sintonizado com a forma em que a composição, a luz, o momento e o assunto se combinam no quadro em perfeita união durante a fotografia: significa conseguir o disparo “correto”.

Para a escritora americana Susan Sontag, esta forma fotográfica de observação também corresponde ao relacionamento entre o tiro e a fotografia, que ela considerava atividades análogas.

A fotografia e os revólveres, sem dúvida, são armas. A fotografia e as formas fotográficas de ver e representar o mundo são armas capazes de alterar a percepção do público.

Como forma fotográfica de observação, existem ressonâncias familiares entre a fotografia de Vucci e outras imagens simbólicas da história americana.

Um exemplo é a fotografia de Joe Rosenthal, Raising of the Flag on Iwo Jima (“Hasteando a bandeira em Iwo Jima”, 1945), durante a Guerra no Pacífico.

Quatro fuzileiros navais se reúnem na imagem para erguer e fixar a bandeira americana. Seus corpos formam uma estrutura de pirâmide na parte inferior central do quadro.

Crédito, AP Photo/Joe Rosenthal

Legenda da foto, ‘Hasteando a Bandeira em Iwo Jima’, de Joe Rosenthal (1945).

Esta fotografia também é representada como monumento de guerra no Estado americano da Virgínia, em homenagem aos fuzileiros navais que serviram aos Estados Unidos.

Existem fortes coincidências visuais entre as imagens de Rosenthal e de Vucci. Elas também demonstram como as formas fotográficas de observação se estendem para além da composição.

As imagens conduzem para outra forma fotográfica de observação, que significa observar o mundo e os eventos que nele ocorrem como fotografias, ou construir a história como se ela própria fosse uma fotografia.

Ficções e pós-verdade

O inerente paradoxo da “observação fotográfica” é que nenhuma pessoa pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo, nem prever o que irá acontecer, até que a realidade possa ser transcrita em uma fotografia.

Na imagem de Vucci, temos a ilusão de que aquela fotografia captura “o momento” ou “um disparo”. Ocorre que ela não captura o momento do tiro, mas seu desdobramento imediato.

O fotógrafo mostra a acuidade midiática de Trump e sua rápida reação à tentativa de assassinato, quando ele se levanta e ergue seu pulso no ar.

Na pós-verdade do mundo atual, existe uma preocupação permanente de conhecer a verdade. E, embora isso se estenda além da representação fotográfica, a fotografia e a representação visual desempenham papel importante.

Precisaremos aguardar para saber se esta imagem irá contribuir para o mito em torno de Donald Trump e sua possível reeleição.

*Sara Oscar é professora de comunicação visual da Faculdade de Design da Universidade de Tecnologia de Sydney, na Austrália.