Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Hugh Gray foi o autor da primeira fotografia do que seria o monstro do Lago Ness

  • Author, Neil J. Gostling*
  • Role, The Conversation

Hugh Gray fazia sua caminhada habitual após a igreja em volta do Lago Ness, na Escócia, em um domingo de novembro de 1933.

Mas ele interrompeu seu passeio ao ver algo boiando na água, a menos de um metro de distância dele.

Gray rapidamente tirou várias fotografias do que ele descreveu para o jornal Scottish Daily Record como sendo “um objeto de dimensões consideráveis”.

Alguns meses antes, em abril de 1933, a dona de um hotel local Aldie Mackay e seu marido haviam descrito um animal parecido com uma baleia para o jornal Inverness Courier. E, no verão escocês de 1933, um homem chamado George Spicer afirmou ter observado “a forma mais próxima de um dragão ou animal pré-histórico que já vi na vida”.

Ele descreveu uma criatura com dois a três metros de comprimento, que carregava “um carneiro ou outra espécie de animal” para o jantar.

Desde os primeiros avistamentos, registrados na segunda metade do século 6°, o animal foi considerado uma lenda popular. Mas, quando Gray capturou aquela massa boiando com cauda, parecida com um animal, a imagem foi considerada a primeira prova fotográfica da existência de “Nessy” — o monstro do Lago Ness —, inspirando uma espécie de mania pelo monstro.

Já se passaram 90 anos desde aquela fotografia e a obsessão para encontrar o monstro do Lago Ness permanece.

Como paleobiólogo, gostaria de esclarecer se o que acreditamos ser Nessy pode realmente existir e se devemos continuar procurando o monstro.

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Legenda da foto,

Fotografia de algo no lago em 1933

Farsa sofisticada?

Existem muitos peixes no Lago Ness, o que indica abundância de alimento.

O espaço também é grande. O lago é enorme, com 7,4 milhões de metros cúbicos de água e 227 metros de profundidade.

A água do Lago Ness representa a metade da água doce de todos os lagos da Inglaterra e do País de Gales. Ou seja, existe muita água onde se esconder.

Nossa ideia sobre a aparência do monstro do Lago Ness é baseada em uma fotografia emblemática tirada um ano depois da imagem de Gray. Ela mostra um longo pescoço esticado sobre as águas negras do lago.

Ela deu origem à noção de que o monstro do Lago Ness é uma relíquia viva da era dos dinossauros, que vive com muita dificuldade uma existência solitária nas profundezas do lago.

Ocorre que aquela imagem não é o que afirmava ser. Descobriu-se, décadas depois, que ela é uma farsa bem elaborada.

A foto famosa, tirada um ano depois da primeira imagem, formou a noção popular da aparência do monstro do Lago Ness. Hoje se sabe que é uma foto forjada.

Mas existem evidências que indicam a existência de monstros de três metros de comprimento razoavelmente parecidos com o monstro do Lago Ness. Esses répteis são chamados de plesiossauros, mas eles desapareceram na extinção em massa ocorrida no fim do período cretáceo.

Descobertas de fósseis de plesiossauros indicam que eles podem ter vivido em água doce. Os fósseis incluem ossos e dentes de adultos com três metros de comprimento e um osso do braço de um bebê plesiossauro com 1,5 metro de comprimento.

Mas é improvável que o monstro do Lago Ness seja um plesiossauro.

Infelizmente, a verdade se resume à biologia. Pode haver alimento e espaço suficiente no lago, mas não existem outros monstros como o do Lago Ness vivos que possam criar uma população viável de animais e possibilitar a existência de Nessy.

Por que procuramos Nessy e outros monstros?

Em agosto de 2023, Inverness (a cidade escocesa mais próxima do Lago Ness) recebeu a visita de diversos caçadores de monstros. Eles varreram o lago com drones equipados com hidrofones e barcos emitindo sinais de sonar – tudo na esperança de comprovar a existência de Nessy.

Eles não encontraram nada, o que é uma forte indicação de que o Lago Ness permanece livre de monstros.

A mania da caça aos monstros não se restringe ao Lago Ness. Existe outra fera aquática mítica chamada Mokele-mbembe, que supostamente vive na bacia do rio Congo, na África. Ele se parece com um dinossauro. Como Nessy, também duvido que ele exista.

Mas não sou um completo estraga-prazeres. Acho que as pessoas devem continuar as suas buscas por criaturas aparentemente extintas.

O lobo-da-tasmânia, por exemplo. Acreditava-se que o último da sua espécie havia morrido em cativeiro nos anos 1930.

Mas pesquisas recentes concluíram que é possível que o lobo-da-tasmânia tenha se extinguido muito depois do que se pensava. Ele pode ter resistido até os anos 2000.

E, de fato, pesquisadores indicam que pequenos grupos de lobos-da-tasmânia podem ter sobrevivido.

Celacanto vivo encontrado perto de Pumula, no litoral da província sul-africana de KwaZulu-Natal, em 2019.

Às vezes, animais que considerávamos extintos acabaram retornando ao mundo moderno. O exemplo mais famoso talvez seja o celacanto.

Este peixe possui um registro fóssil muito longo, que vai do período devoniano até o final do cretáceo. Depois, ele desapareceu.

Acreditava-se que ele tivesse sido perdido no mesmo evento que destruiu os dinossauros e os plesiossauros. Nenhum fóssil de celacanto foi encontrado nos sedimentos do período paleogênico até hoje.

Mas , em 1938, a ictióloga (bióloga marinha que estuda diferentes espécies de peixe) Marjorie Courtney-Latimer (1907-2004) encontrou um único espécime, capturado por pescadores, em um mercado na África do Sul.

Sua descoberta deu origem a uma busca que perdurou pelos 20 anos seguintes, para encontrar a população da espécie (não deixe de ler a este respeito o excelente livro A Fish Caught in Time — “Um peixe pescado a tempo”, em tradução livre). E, agora, conhecemos duas espécies de celacantos em populações que vivem perto da Indonésia e no sul da África.

Moral da história: não deixe que nada impeça você de sair em busca de emoções, nem mesmo de monstros. Você pode simplesmente fazer uma descoberta fabulosa.

* Neil J. Gostling é professor de evolução e paleobiologia da Universidade de Southampton, no Reino Unido.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original em inglês.