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‘Progresso no mundo é lento, mas Brasil avança ainda mais devagar no combate à desigualdade de gênero’, resume economista

Ser mulher significa, estatisticamente, ter menos oportunidades de crescimento profissional e receber menos do que colegas homens ao desempenhar uma mesma função.

É a desigualdade de gênero, um problema estrutural que nenhum país conseguiu equacionar completamente – e que vai além do mercado de trabalho.

Em algumas regiões, meninas têm menos acesso à educação do que meninos, mulheres têm acesso mais precário à saúde do que homens e enfrentam muito mais barreiras para entrar na política.

O Fórum Econômico Mundial, organização sem fins lucrativos que realiza encontros anuais em Davos (Suíça) que reúnem empresários e líderes de todo o mundo, elabora desde 2006 um indicador que procura agregar essas diferentes dimensões da desigualdade de gênero.

O Global Gender Gap Report (“relatório global de desigualdade de gênero”, em tradução livre) tem quatro pilares — saúde e sobrevivência, grau de instrução, participação econômica e oportunidades, empoderamento político —, cada um deles com uma série de indicadores.

O escore vai de zero a 1 — quanto mais perto de 1, mais próximo está o país de atingir a igualdade de gênero.

O Brasil está mal posicionado no ranking. Na edição de 2022, ganhou o 94º lugar entre 146 nações, e vem piorando sua colocação desde 2020, quando ocupava o 92º lugar.

Nesses três anos, o país chegou a conseguir melhorar marginalmente sua nota, de 0,691 para 0,696. Outros países, contudo, tiveram um crescimento mais significativo e acabaram ganhando posições.

“Os países começaram a se preocupar mais com isso nos últimos 15 anos, mas o progresso ainda é muito lento”, diz a economista Regina Madalozzo.

“Mas mesmo nesse avanço tão lento, o Brasil avança menos”, conclui ela, que é membro do Grupo de Estudos em Economia da Família e do Gênero (GeFam), que reúne pesquisadores de diversas instituições.

O país que está mais próximo de acabar com a desigualdade de gênero é a Islândia, que ocupa o topo da lista do Global Gender Gap Report, com escore de 0,908, e é seguida por Finlândia (0,860) e Noruega (0,845). Também estão no top 10 Ruanda (6º lugar, 0,811) e Nicarágua (7º, 0,810).

No desempenho por regiões, o Brasil tem um dos piores índices da América Latina e Caribe. Entre 22 países, está à frente apenas de Belize e da Guatemala.

Olhando para os quatro pilares que formam o índice, o país está bem colocado nas áreas de saúde e educação (o que significa que o acesso de homens e mulheres a esses direitos é mais equânime) e tem desempenho melhor do que o índice agregado no pilar de participação econômica, ficando em 85º lugar.

É no último pilar, de empoderamento político, que o país está na lanterna, na posição 104, com escore de 0,136.

O caso brasileiro

A professora do Insper Ana Diniz afirma que muitos dos países bem colocados na lista — como os nórdicos — têm “políticas de gênero mais estruturadas, especialmente aquelas orientadas para o trabalho e para as múltiplas dimensões que interferem na participação das mulheres no mercado”.

No caso do Brasil, ela acrescenta, o foco das políticas de gênero historicamente esteve voltada para a violência contra a mulher por conta da própria gravidade do problema.

Mas mesmo essas ações foram desidratadas nos últimos quatro anos, diz a economista, como mostram os dados da execução orçamentária do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.

O Ministério Público Federal chegou a abrir um inquérito para apurar porque, em 2020, a pasta gastou apenas 44% do orçamento aprovado no orçamento.

Na avaliação de Regina Madalozzo, parte do avanço mais lento do Brasil nessa área também tem relação com o retrocesso na discussão sobre os papéis de gênero nos últimos anos.

“As pessoas passaram a se sentir no direito de reproduzir falas preconceituosas e confundiram isso com liberdade de expressão. Então você acaba perdendo parte do progresso que tinha feito, porque o progresso passa em educar as pessoas, ensiná-las que não se pode tratar diferente”, pontua.

Trata-se da dimensão cultural da desigualdade de gênero, que também tem influência direta no combate ao problema e se manifesta, por exemplo, nos estereótipos de gênero: a ideia de que cabe mais às mulheres do que aos homens o trabalho doméstico e o cuidado com crianças e idosos; ou de que algumas áreas do conhecimento, como as exatas e as tecnologias, são mais masculinas.

Esse último caso é o que Ana Diniz definiu para a reportagem como “divisão sexual do conhecimento”: “como a gente prepara as mulheres para algumas áreas que estão mais relacionadas aos cuidados, e os homens, a outras áreas, que estão mais relacionadas à decisão e à tecnologia e que, não por uma coincidência, tendem a ser as áreas mais valorizadas em termos de remuneração”.

Ambas as economistas destacam que a pandemia também teve um papel no aprofundamento das desigualdades de gênero, à medida que as mulheres se viram diante de um aumento do trabalho doméstico e da demanda por cuidados vinda da família, especialmente enquanto as crianças estiveram em casa, quando as escolas estavam fechadas.

O relatório de 2022 do Global Gender Gap chama atenção para o impacto da covid-19 e afirma que “a perda de emprego por conta da pandemia foi significativamente pior para as mulheres do que para os homens, ao contrário de outras recessões na história recente, que afetou mais trabalhadores homens”.

As estatísticas no Brasil vão nessa direção. Segundo a Pnad Contínua, do IBGE, a taxa de desemprego entre as mulheres atingiu um pico de 18,5% no primeiro trimestre de 2021, período em que o desemprego entre os homens foi de 12,2%. A diferença de 6,3 pontos percentuais entre os dois índices é a maior da série, que começa em 2012.

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Desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho é multidimensional

A corrida de obstáculos do mercado de trabalho

As mulheres não só ficaram mais desempregadas, mas também saíram mais do mercado de trabalho. Em 2020, no primeiro ano da pandemia, a taxa de participação das mulheres (ou seja, o percentual de mulheres em idade ativa que está de fato no mercado, seja à procura de vagas ou empregada), caiu pela primeira vez abaixo de 50% na série da Pnad Contínua.

Entre os homens, o percentual também caiu, mas se manteve em nível maior que o das mulheres, 67%.

Ainda que a pandemia tenha afetado o nível de permanência das mulheres no mercado, a diferença expressiva nas taxas de participação de cada gênero é estrutural e também está ligada à desigualdade de gênero. Uma série de fatores contribuem para manter mais mulheres fora da força produtiva.

Gravidez na adolescência, falta de creches, casamento precoce… todos são fatores que contribuem para que as mulheres tenham uma relação mais intermitente com o mercado de trabalho. É por isso que todas essas dimensões, na avaliação das especialistas, deveriam estar dentro do escopo das políticas públicas do Estado quando se propõe a diminuir a desigualdade de gênero.

“Fiz uma pesquisa por volta de 2012 com moradoras de baixa classe social da cidade de São Paulo, famílias com crianças com menos de seis anos de idade. E metade delas relatou que não estava trabalhando porque não conseguia vaga em creche para o filho”, exemplifica Madalozzo.

“Tinha uma parte que não trabalhava porque o marido não queria que ela trabalhasse e tinha uma parte pequena que não trabalhava porque realmente era ela que não queria, mas a maioria falava: ‘Eu não consigo porque eu não arrumo uma vaga em creche’.”

Ampliar a oferta de vagas em creches, aumentar a licença paternidade, combater a gravidez precoce e incluir na educação dos meninos tarefas tradicionalmente vistas como restritas ao universo feminino são algumas das ações enumeradas pela economista que poderiam contribuir para tornar as oportunidades e desafios do cotidiano mais igualitários entre homens e mulheres.

Para Ana Diniz, cuja área de pesquisa engloba iniciativas públicas e privadas para combater desigualdades e promover a inclusão no mercado de trabalho, em paralelo ao poder público, o setor privado também tem um papel importante nessa construção.

“A gente fala muito em revisar as práticas de gestão, especialmente aquelas aplicadas à gestão de pessoas, para que elas não estejam embebidas desses estereótipos, não reproduzam limites e barreiras às mulheres e para que elas sejam sensíveis às especificidades de cada grupo.”

A economista acrescenta que o tema da autonomia econômica da mulher — ou seja, dar condições para que ela entre, cresça e permaneça no mercado de trabalho — conversa diretamente com o problema endêmico da violência contra a mulher.

“Não é que necessariamente uma mulher que tenha autonomia econômica sairá da situação de violência, mas na maior parte das vezes ela precisa da autonomia econômica para poder sair. Se não tiver, ainda que queira, ela não consegue.”

Governo promete pacote de medidas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou, na última semana, que seu governo está preparando uma proposta de lei, a ser anunciada no próximo dia 8 de março, para garantir que mulheres e homens que ocupem as mesmas funções recebam os mesmos salários.

O presidente chegou a comentar sobre o dispositivo de equiparação salarial aprovado na reforma trabalhista (lei 13.467/2017), e disse na ocasião que a lei tem “tantas nuances” que é difícil ser aplicada na prática. Ele não deu, contudo, detalhes sobre o conteúdo da nova proposta de lei.

No dia 1º de março, a primeira dama, Janja Lula, e a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, reuniram as 11 ministras que compõem o governo (entre 30 ministérios) e as presidentes da Caixa e do Banco do Brasil para “marcar o posicionamento do governo federal na ampliação dos espaços de poder feminino”.

Conforme a comunicação oficial do governo após o evento, o anúncio previsto para o 8 de março deve ir além do projeto de lei de equidade salarial e contemplar ações em diversos ministérios.