- Author, Jose Caballero
- Role, The Conversation*
Após mais de um ano de guerra na Ucrânia, os esforços para construir um consenso global contra a Rússia parecem ter estagnado, com muitos países optando pela neutralidade.
O número de nações que condenam a Rússia diminuiu, segundo algumas fontes.
Botswana, que se posicionou originalmente a favor da Ucrânia, avançou para o lado da Rússia, e a África do Sul, que se mostrava neutra, também está se inclinando para Moscou — enquanto a Colômbia, que inicialmente condenou a invasão russa, adota agora uma posição de neutralidade.
Ao mesmo tempo, um grande número de países reluta em apoiar a Ucrânia.
Na África, por exemplo, apesar do apelo da União Africana a Moscou por um “cessar-fogo imediato”, a maioria dos países permanece neutra.
Alguns analistas argumentam que isso é resultado de uma tradição de regimes de esquerda que remonta ao período da Guerra Fria.
Outros indicam que a atual relutância dos países africanos tem origem no histórico de intervenção ocidental, ora velada, ora ostensiva, em assuntos internos.
A relutância em condenar a Rússia, no entanto, vai além da África. Em fevereiro de 2023, a maioria dos países latino-americanos apoiou uma resolução da ONU para pedir a retirada russa incondicional e imediata.
E, ainda assim, apesar do apoio do Brasil a várias resoluções da ONU a favor da Ucrânia, o país não condenou a Rússia diretamente. Dentro da ONU, a posição da Bolívia, Cuba, El Salvador e Venezuela permitiu que a Rússia escapasse de sanções ocidentais.
Além disso, Brasil, Argentina e Chile rejeitaram pedidos de envio de equipamento militar para a Ucrânia, e o México questionou a decisão da Alemanha de fornecer tanques à Ucrânia.
As mesmas divisões são evidentes na Ásia. Enquanto o Japão e a Coreia do Sul denunciaram abertamente a Rússia, a Associação das Nações do Sudeste Asiático não fez isso coletivamente.
A China aborda o conflito por meio de um malabarismo entre sua parceria estratégica com a Rússia e sua crescente influência na ONU.
Em seu mandato como membro do Conselho de Segurança da ONU, a Índia se absteve nas votações relacionadas ao conflito.
A política da neutralidade
Essa posição cautelosa e neutra foi influenciada pelo movimento de não-alinhamento da Guerra Fria, que era visto como uma forma de os países em desenvolvimento combaterem o conflito “nos termos deles” e assim adquirirem um certo grau de autonomia na política externa, fora da esfera de influência da União Soviética e do ocidente.
Estudos de sanções da União Europeia argumentam que a relutância de outros países em apoiar a posição do bloco europeu pode estar relacionada tanto ao desejo de independência da política externa quanto à relutância em antagonizar um vizinho.
O não-alinhamento permite que os países evitem se envolver nas crescentes tensões geopolíticas entre o Ocidente e a Rússia.
Talvez seja por isso que muitos países democráticos mantêm uma postura de neutralidade, preferindo, como disse o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, “conversar com os dois lados”.
Existem, no entanto, incentivos econômicos e políticos específicos que exercem influência quando os países decidem não condenar a Rússia.
Brasil
Desde o início do conflito na Ucrânia, o Brasil manteve uma postura pragmática, mas ambivalente.
Esta posição tem relação com as necessidades agrícolas e energéticas brasileiras.
Como um dos maiores produtores e exportadores agrícolas do mundo, o Brasil requer uma alta taxa de uso de fertilizantes.
Em 2021, o valor das importações da Rússia foi de US$ 5,58 bilhões, dos quais 64% foram relativos a fertilizantes. As importações de fertilizantes da Rússia representam 23% do total de 40 milhões de toneladas importadas.
Em fevereiro de 2023, foi anunciado que a empresa russa de gás Gazprom vai investir no setor de energia brasileiro como parte da expansão das relações energéticas entre os dois países.
Isso poderia levar a uma estreita colaboração na produção e processamento de petróleo e gás e no desenvolvimento de energia nuclear. Tal colaboração pode beneficiar o setor de petróleo brasileiro, que tem a expectativa de estar entre os maiores exportadores do mundo.
Em março de 2023, as exportações russas de diesel para o Brasil bateram novos recordes, ao mesmo tempo em que houve um embargo total da União Europeia aos derivados de petróleo russos.
Um nível mais alto de suprimento de diesel pode aliviar qualquer possível escassez que possa afetar o setor agrícola brasileiro.
Índia
Analistas destacam que na era pós-guerra fria, a Rússia e a Índia continuaram a compartilhar pontos de vista estratégicos e políticos semelhantes.
No início dos anos 2000, no contexto dessa parceria estratégica, o objetivo da Rússia era construir um sistema global multipolar que apelava à desconfiança da Índia em relação aos Estados Unidos como parceiro.
A Rússia também ofereceu apoio à Índia para seu programa de armas nucleares e seus esforços para se tornar membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
A Rússia continua a ser uma peça-chave no comércio de armas da Índia, fornecendo 65% das importações de armas do país entre 1992 e 2021.
Desde o início da guerra, se tornou um importante fornecedor de petróleo a preço reduzido.
Isso significou um aumento nas compras de cerca de 50 mil barris por dia em 2021 para cerca de 1 milhão de barris por dia em junho de 2022.
África do Sul
Na véspera de a guerra completar um ano, a África do Sul realizou um exercício naval conjunto com a Rússia e a China.
Para a África do Sul, os benefícios do exercício estão relacionados à segurança por meio da capacitação de sua Marinha subfinanciada e sobrecarregada.
De maneira geral, há incentivos comerciais para a postura neutra da África do Sul.
A Rússia é o maior exportador de armas para o continente africano. Também fornece energia nuclear e, vale ressaltar, 30% dos suprimentos de grãos do continente, como trigo. E 70% das exportações totais da Rússia para o continente estão concentradas em quatro países, incluindo a África do Sul.
Em janeiro de 2023, a Rússia era um dos maiores fornecedores da África do Sul de fertilizantes nitrogenados, um elemento crucial para o cultivo de alimentos e pastagens.
Além disso, entre as principais importações da Rússia estão briquetes de carvão usados como combustível em diversas indústrias, incluindo processamento de alimentos.
Considerando o nível de insegurança alimentar do país, ambas as importações são fundamentais para sua estabilidade sociopolítica e econômica.
A guerra na Ucrânia mostrou que a neutralidade continua a ser uma escolha popular, apesar dos apelos para apoiar outra democracia em apuros.
Essa política tem sido há muito tempo um importante aspecto da identidade política de países como a Índia.
Em outros casos, como do Brasil, apesar das aparentes mudanças sob a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, o não-intervencionismo continua sendo um aspecto fundamental de sua tradição política.
No entanto, é provável que a neutralidade se torne um “malabarismo complicado” à medida que os interesses conflitantes se tornam mais acentuados, particularmente no contexto do fornecimento de investimento direto do ocidente, além de desenvolvimento e ajuda humanitária para muitos dos Estados não-alinhados.
* Jose Caballero é economista sênior do World Competitiveness Center, do International Institute for Management Development (IMD).
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).
Você precisa fazer login para comentar.