- Ricardo Senra – @ricksenra
- Da BBC News Brasil em Londres
“De morador de aluguel em uma área nobre da minha cidade em 2016, me vejo hoje morando de favor na residência dos pais na periferia devido à insegurança financeira.”
A história de ascensão e queda no padrão de vida do professor Guilherme Moraes, de 33 anos, revela como a crise econômica abala educadores — mas também pais e alunos no Brasil.
Professor de história bem-sucedido na rede privada, Moraes percebeu uma queda expressiva no número de alunos em sala de aula desde 2019.
“Eu cheguei a dar aula para 14 turmas em 2019”, conta o professor. “Depois caiu para 5.”
E menos alunos significam menos turmas para professores de escolas particulares, cujo salário no fim do mês depende do número de horas em sala de aula.
“Muita gente não conseguiu manter os filhos na rede privada e a carga horaria diminuiu. O nosso salário também diminuiu”, ele continua.
E dados oficiais confirmam a impressão de Moraes sobre o esvaziamento de colégios privados: segundo o Censo Escolar 2021, o número de estudantes matriculados em escolas particulares no Brasil caiu 10%, ou quase um milhão de estudantes, entre 2019 e 2021.
Êxodo de escolas privadas
A surpreendente queda interrompeu uma sequência histórica de crescimento no número de alunos em colégios privados.
No mesmo período, 2019 a 2021, a rede pública teve redução bem menor no número de alunos: 0,5%.
“O empobrecimento das famílias, principalmente neste caso o da classe média, impacta diretamente nos diversos tipos de serviço, e no serviço de educação isso é bastante significativo”, avalia Fausto Augusto Junior, diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Para o especialista, os números do censo escolar sugerem uma transferência de estudantes entre as redes particular e pública — resultado da crise econômica (aumento de mensalidades e do custo de vida em geral) e agravada pela pandemia.
“A classe média está sendo bastante atingida por conta da inflação e da taxa de desemprego, o que tem a ver com essa saída de alunos da rede privada para a rede pública. Isso tem a ver com empobrecimento”, diz.
É o caso de Lidiane Rosa, do Rio Grande do Sul.
“Eu tirei a minha filha da escola privada causa dos custos, estava muito caro e não tinha mais como bancar escola particular. Ela estava no primeiro ano do ensino fundamental e eu tinha que comprar muitos livros”, ela diz à BBC News Brasil.
A economia no caso de Rosa foi além do ensino. “Na escola pública, ela aprendeu muito mais. Na escola particular, eles não tinham nenhuma refeição. Na pública, eles almoçam e tomam café da tarde.”
“É constrangedor. Você projeta o futuro, tem esperança de uma condição de vida melhor, começa um processo de conquistas e, de repente, cai num retrocesso muito grande”, diz o professor.
Filho de operários, funcionário de uma fábrica local, ele conseguiu bolsa de estudos para se preparar para o vestibular e trabalhou para pagar a faculdade.
Depois de se formar, Moraes, que conta que chegou a passar fome na infância, viu seu padrão de vida se transformar — inicialmente, para melhor.
“Eu estava muito bem estabilizado nas escolas particulares e tinha uma carga horária muito boa”, ele conta.
“Morava no centro da cidade, dividia um apartamento de aluguel muito alto com um amigo. Sobrava muito: eu gastava com viagem, móveis para a residência, eletrônicos. Jamais cogitava na vida ter um iPhone e consegui comprar um”, recorda.
Em 2019, no entanto, os alunos começaram a migrar. No ano seguinte, com a pandemia, a situação piorou muito e o professor precisou reorganizar sua vida.
“Quando senti que não seria mais possível pagar o aluguel, procurei outros imóveis, dessa vez na periferia, para continuar tendo independência e autonomia. Mas os valores não ficavam muito diferentes e continuava pesado”, ele conta.
“Quando ficou inviável, me vi na urgência de entrar em contato com a família. Foi quando minha mãe sugeriu que eu retornasse e esperasse até que as coisas melhorassem.”
“Nada contra voltar a morar com meus pais”, continua Moraes, “mas é algo que abate muito psicologicamente.”
Pobreza
O êxodo de alunos da rede privada para a pública, razão principal da crise enfrentada pelo professor, é sintoma da redução na renda das famílias brasileiras desde 2019.
Segundo a Fundação Getúlio Vargas, entre 2019 e 2021, o Brasil ganhou 9,6 milhões de novos pobres — ou pessoas com renda domiciliar per capita de até R$ 497.
Isso significa que uma população equivalente a de Portugal formada só por brasileiros passou a ser classificados como pobres, segundo a instituição. O total de pessoas nessa situação no país é de 62,9 milhões — ou 29,6% dos brasileiros.
Junto ao empobrecimento, vem a fome. O número de brasileiros que não teve dinheiro para alimentar a si ou a sua família em algum momento nos últimos 12 meses subiu de 30% em 2019 para 36% em 2021 — um novo recorde da série iniciada em 2006.
Segundo Marcelo Neri, diretor do grupo de pesquisas FGV Social, “é a primeira vez que o Brasil ultrapassa a média mundial e o aumento foi quatro vezes maior do que a elevação ocorrida no mundo, entre 2019 e 2021”.
Para o diretor do Dieese, “inflação, fome e desemprego são fatores decisivos na eleição”.
“Nós estamos falando de mais de 33 milhões de pessoas que hoje passam fome no Brasil. E uma taxa de desemprego que, apesar de vir se reduzindo, ainda se mantém num patamar muito alto, próximo aos 10 milhões de desempregados”, diz.
“Esse talvez seja um dos principais temas, ou o tema mais relevante, até porque a gente precisa olhar com muita atenção quais são as propostas dos candidatos para de alguma forma sair desse buraco que nós caímos. Do ponto de vista econômico, é essencial para melhorar a vida média da população, para voltar a ter elevação de renda, ampliação do nível de consumo e redução da taxa de desemprego”, continua Fausto Augusto Junior.
Propostas dos candidatos
Segundo a última pesquisa DataFolha, divulgada em 2 de setembro, 57% dos brasileiros dizem que emprego e renda estão entre os três principais critérios na escolha de um candidato a presidente — junto com saúde e educação.
Em seu programa de governo, o presidente Jair Bolsonaro (PL) promete que o Auxílio Brasil, seu programa de transferência de renda, seja no valor de R$ 600 a partir de 2023.
O valor original, de R$ 400, foi aumentado para R$ 600 até dezembro deste ano, coincidindo com o período eleitoral.
A proposta de Orçamento para 2023 enviada ao Congresso Nacional pelo presidente, no entanto, prevê que o auxílio volte ao valor médio de R$ 405.
Questionado, o presidente disse que o valor arrecadado com privatizações poderá bancar a promessa de seu programa de governo.
Já o candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), primeiro colocado na maioria das pesquisas de intenção de voto, promete em seu programa de governo “retomar centralidade e urgência no enfrentamento da fome e da pobreza, assim como a garantia dos direitos à segurança alimentar e nutricional e à assistência social”.
O petista diz que vai resgatar o Bolsa Família, uma das principais marcas de sua gestão, em versão “renovada e ampliada, viabilizando a transição por etapas, rumo a um sistema universal e uma renda básica de cidadania”.
O ex-presidente também diz querer manter o valor de R$ 600 para os beneficiários do programa e anunciou a criação de uma parcela extra de R$ 150 por criança até 6 anos no Bolsa Família.
Ciro Gomes (PDT), terceiro colocado nas pesquisas, promete um programa de renda mínima de R$ 1 mil reais para 60 milhões de pessoas.
Já Simone Tebet (PMDB) também anunciou planos de um programa permanente de renda mínima e disse que erradicar a fome será “prioridade máxima” em seu governo.
Futuro
“Para quem já passou fome na infância, acho impossível que hoje, formado, eu volte a estaca zero”, diz o professor Moraes à reportagem.
Isso significa otimismo?
“Não, não acho que vou voltar à situação em que estava há cinco, dez anos. De qualquer forma, avançar vai ser muito difícil, mesmo que o governo mude”, ele diz.
“Muita gente bota uma esperança muito grande em cima do Lula, dizendo que ele vai salvar o país e fazer o Brasil voltar a sorrir de novo… Eu não acho que ele vai fazer um governo economicamente muito diferente do Bolsonaro, infelizmente.”
Esta reportagem é resultado de um relato enviado por Guilherme à BBC News Brasil.
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