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Pólio: ameaça de reintrodução da doença no Brasil gera alerta

Em 1989, foi registrado, na Paraíba, o último caso de poliomielite (paralisia infantil) no Brasil. Em 2022, após 33 anos, o risco de reintrodução da doença no país é uma realidade devido à baixa cobertura vacinal. A doença pode causar paralisia permanente e irreversível, mas é considerada uma enfermidade prevenível por meio da vacinação, disponibilizada gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A meta é vacinar 95% de 14,3 milhões de crianças menores de 5 anos no país.

O risco da reintrodução 

No final de setembro deste ano, as autoridades sanitárias das Américas aprovaram uma resolução para priorizar os planos de mitigação da poliomielite, incluindo ações para aumentar a vacinação e a vigilância, e assegurar a preparação adequada para um possível surto. Recentemente, a cidade de Nova York, nos Estados Unidos, confirmou a circulação do vírus da pólio. 

O documento foi aprovado por unanimidade pela 30ª Conferência Sanitária Pan-Americana da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), que reúne ministros e outras autoridades sanitárias das Américas a cada cinco anos para determinar as políticas gerais da instituição.

O médico infectologista, Bruno Ishigami, destaca a importância da vacinação para diminuir o risco de reintrodução da doença

“Como a cobertura vacinal no Brasil está por volta de 50% torna possível o retorno da poliomielite que é uma doença que foi erradicada antes da década de 1990. A importância da vacinação é justamente diminuir a chance de a gente ter novos casos da doença que tem um grande agravo que é a paralisia infantil, isso gera uma comorbidade absurda na criança e toda a família fica prejudicada nesse sentido. É muito importante a gente reforçar a vacinação”, afirmou. 

Campanha de vacinação 

Entre os meses de agosto e setembro, o Ministério da Saúde realizou a Campanha Nacional de Vacinação contra a Poliomielite

Em alguns estados, a campanha foi prorrogada até o final de outubro, como é o caso de Pernambuco, que segue com a ação até o dia 31. No Estado, 538.868 crianças de 1 a 4 anos de idade estão aptas a receberem a vacina. A meta é vacinar 95% do público. Até a atualização da sexta (14), 79% das crianças foram vacinadas, 70 municípios atingiram a meta de 95%, 109 municípios estão com 94% da cobertura vacinal ou menos, e 5 municípios estão com 50% ou menos. 

De acordo com a superintendente de imunizações do Governo do Estado, Ana Catarina de Melo, os municípios estão mobilizados para vacinar o maior número de crianças

“A população precisa procurar uma unidade de saúde o quanto antes, e os municípios devem estabelecer estratégias para chegar até a população mais vulnerável e com isso garantir uma cobertura vacinal de 95% para todas as crianças”, destacou. 

Durante a campanha, é necessário corrigir uma possível falha vacinal e atualizar a caderneta de vacinação das crianças. 

“Quando nós fazemos a campanha, vacinamos crianças de 1 a 4 anos de idade. Independente do esquema vacinal essa criança recebe mais uma dose adicional porque a gente precisa corrigir uma possível falha vacinal, atualizar a caderneta de vacinação dessas crianças, e manter a circulação do vírus vacinal para que consigamos proteger as crianças que receberam a vacina e as crianças que também não receberam”, explicou Ana Catarina.

O esquema vacinal para proteção contra a poliomielite consiste na aplicação de três doses da vacina VIP (vacina inativada pólio), aplicada por meio de injeção, até os 6 meses de vida do bebê. Além disso, é recomendada outras duas doses da vacina até os 4 anos de idade, sendo esta por via oral (vacina VOP – vacina pólio oral), também conhecida como “gotinha”.

O que é a poliomielite? 

A poliomielite é uma doença contagiosa aguda causada por um vírus que vive no intestino, o poliovírus, e que pode infectar crianças e adultos por meio do contato direto com fezes e secreções eliminadas pela boca de pacientes. Nos casos graves, em que acontecem as paralisias musculares, os membros inferiores são os mais atingidos. 

“A criança vai ter um déficit motor que vai progredindo ao longo do tempo, então a criança vai deixar de andar, vai começar a ter hipotonia, ou seja, o desenvolvimento muscular da criança vai diminuindo cada vez mais e ela vai perdendo os movimentos. Também tem os quadros que vão ficando mais graves, como uma criança que não se locomove muito bem, começa a ter algum comprometimento da parte meníngea e tem algum dano neurológico mais grave”, destacou a médica pediatra Lizandra Carriço. 

Ainda de acordo com a pediatra, os sintomas são parecidos com infecções virais comuns causando dor de cabeça, dor de garganta, febre, náusea, vômitos. Além disso, podem surgir sintomas de uma meningite viral como rigidez de nuca e cefaléia. A marca registrada da poliomielite é a fraqueza flácida aguda, que geralmente coincide com os sinais e sintomas de meningite viral. 

Uma vez diagnosticado com a doença, o paciente segue um tratamento de suporte, para controle da dor e fisioterapia, porém, para a pólio não existe cura, apenas procedimentos para aliviar as consequências da doença. 

Convivendo com as sequelas 

Por volta de 1 ano de idade, em 1975, o auxiliar administrativo Sidney Silva, de 48 anos, teve os primeiros sintomas da poliomielite. A doença veio quando estava dando os primeiros passos e ele começou a perder a força dos membros inferiores. Após vários tratamentos e cirurgias na infância, Sidney hoje tem atrofia muscular nas pernas e se locomove através de uma cadeira de rodas. Ele trabalha na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) e é paciente da oficina ortopédica da entidade. 

“Hoje eu me encontro numa cadeira de rodas, porém até uns dez anos atrás eu usava um aparelho, era um auxílio de muletas e um aparelho tutor que eu me locomovia, caminhando mesmo e facilitava bastante até nos trajetos que eu tinha que fazer que hoje como cadeirante a realidade é totalmente outra. Mas eu tive todo um processo de desenvolvimento, acompanhamento médico e familiar para poder hoje estar aqui onde eu estou”, explicou. 

Sidney Silva trabalha como assistente administrativo na AACD Recife. Foto: Arthur Mota/ Folha de Pernambuco

Sidney é casado há 30 anos, tem dois filhos e uma neta de 3 meses. Ele pontua que muitas pessoas têm o estigma e o preconceito contra pessoas com deficiência que constituem uma família. 

“Muita gente quando vê uma pessoa que tem alguma deficiência que ela vai constituir família, tem aquela cultura que alguma coisa errada pode sair dali e graças a Deus não, não é dessa forma, não é uma coisa que seja contagiosa, que é uma coisa passar hereditariamente”, explicou. 

Hoje em dia, Sidney não realiza nenhum tipo de tratamento e recebe órteses da AACD. Para ele, é importante que os pais levem seus filhos para se vacinarem contra a doença, evitando, assim, a volta da circulação da pólio no país. 

“Eu peço aos pais que procurem uma unidade de saúde mais próxima, procurem se informar, procure buscar ver no cartãozinho de vacina se está tudo em dias e faça a vacinação. Hoje eu sei que a medicina está muito avançada, mas não há cura para a poliomielite, então a questão realmente é a vacina. Vacinem as crianças para que no futuro elas possam realmente viver sem nenhum tipo de problema, sem nenhum tipo de obstáculo na vida”, disse. 

Aos dois anos, em 1972, Roberto Barros começou a sentir febre e dores no corpo. Os médicos e familiares não sabiam o que estava causando aqueles sintomas, mas já era a poliomielite. Hoje, Roberto tem 52 anos, trabalha na empregabilidade da pessoa com deficiência na parte de cotas do Governo de Pernambuco, e luta pelo direito das pessoas com deficiência

Eu quase morro por causa da doença. Antes eu era uma criança normal, brincava, tinha fotos naquele cavalinho de antigamente, e depois, nos anos setenta, acabei tendo uma dor e uma febre, ninguém sabia o que era e, do nada, paralisou todo o meu corpo. Eu só mexia o pescoço e minha mãe de criação, dona Noêmia, se preocupou muito e não sabia o que eu tinha. Graças a Deus um médico descobriu o que era e eu comecei a questão do tratamento e foi um foi um período muito difícil, porque basicamente eu fiquei de dois até onze anos fazendo tratamentos, cirurgias, e fisioterapia”, explicou. 

Quando conseguiu recuperar parcialmente o movimento das pernas, já utilizando aparelhos para locomoção, Roberto desejou voltar para os estudos. Na rotina corrida de fisioterapias e cirurgias, ele precisou parar de estudar. “Foi uma luta porque no começo eu era levado nos braços pelo meu irmão”, disse. 

Ao longo de sua trajetória, Roberto se engajou na luta pelos direitos das pessoas com deficiência

“Eu sempre tentei lutar pela questão do direito. Porque como eu sabia que eu era tratado com discriminação eu não concordava que as outras pessoas talvez fossem, independente da questão da cor, do sexo, do gênero. Eu achava uma coisa muito ruim você ser uma pessoa que é discriminada e mesmo assim tentar discriminar a outra. E desde essa época eu coloquei uma consciência de lutar. Desde essa época a gente vem lutando e que eu vivo lutando pela questão de direitos meus e das outras pessoas. Eu digo muito nas palestras que a pessoa com deficiência quando luta, não luta só por ela, mas por você e por todo mundo, porque amanhã a gente não sabe se vai ter deficiência”, destacou. 

Atualmente, Roberto consegue mexer as pernas, sente os membros inferiores, mas não consegue ficar em pé devido a fraqueza dos músculos. Para isso, ele utiliza um aparelho ortopédico com uma trava no joelho e muletas para se locomover. O transporte público e as ruas desniveladas das cidades são as principais dificuldades de locomoção encontradas por ele

Roberto Barros. Foto: Arthur Mota/ Folha de Pernambuco

“Antigamente eu conseguia andar um pouco, mas eu não tenho estabilidade e também tenho um pouco de fraqueza no braço esquerdo. A dificuldade que encontro no dia a dia vai muito pela questão do transporte. Para mim, que sou uma pessoa pobre, que não sou rico, não tenho carro, ando de ônibus, o transporte público está muito difícil, porque se colocou uma coisa que era boa, essas paradas mais altas, mas aí os motoristas às vezes não respeitam, não entendem que essa questão da parada ser mais alta prejudica se você não para próximo, podendo causar um acidente”, ressaltou.  

Processo de reabilitação 

Com centros de reabilitação no Recife, São Paulo, Osasco, Porto Alegre, Mogi das Cruzes, Uberlândia e Poços de Caldas, a AACD é uma associação sem fins lucrativos que visa reabilitar e reintegrar à sociedade crianças, adolescentes e adultos com deficiência física. No Recife, o espaço existe há 23 anos

A fisioterapeuta da entidade, Carolina Paes, trabalha há 20 anos na instituição e detalha o processo de reabilitação para os adultos que tiveram a poliomielite na infância e convivem com as sequelas da doença.

A fisioterapeuta Carolina Paes trabalha há 20 anos na AACD Recife. Foto: Arthur Mota/ Folha de Pernambuco

“Não pegamos nenhum paciente dessa leva antiga de pólio, o que a gente tem são pacientes com uma coisa chamada sequela pós-pólio que acontece quando a pessoa tem poliomielite e anos depois desenvolve essa síndrome que vem acompanhada de dor e perda de mais mobilidade”, detalhou.

Para aliviar as dores, a fisioterapeuta afirmou que é feito um trabalho com alogamento e exercícios, além do uso de um tipo de aparelho e de alguns equipamentos ortopédicos. 

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