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Legenda da foto, Lula em evento em Brasília, quando se encontrou com reitores de universidades e institutos federais

  • Author, Mariana Schreiber
  • Role, Da BBC News Brasil em Brasília

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva inicia nesta quinta-feira (13/6) três dias de compromissos oficiais na Suíça e na Itália, após uma série de reveses domésticos importantes de sua gestão, que terão que ser enfrentados na sua volta ao país.

Horas antes de seu embarque, foi tornada pública a decisão da Polícia Federal de indiciar o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil), pelos crimes de corrupção passiva, fraude em licitações e organização criminosa, sob a suspeita de ter desviado recursos de emendas parlamentares, quando era deputado federal.

Caberá agora à Procuradoria-Geral da República decidir se apresenta uma denúncia criminal contra ele.

A notícia negativa chegou um dia após o Congresso Nacional devolver uma medida provisória que limitava créditos tributários para empresas, numa tentativa do Ministério da Fazenda de compensar perdas de receitas com a desoneração da folha de pagamento de 17 setores intensivos em mão de obra e dos municípios.

A medida era considerada fundamental dentro do esforço para equilibrar as contas federais e sua devolução expôs a fragilidade do governo no Congresso.

A lista de reveses, porém, não acaba aí: na terça-feira (11/06), o governo também precisou anular um leilão para compra de arroz após suspeitas de fraudes, o que levou à demissão do secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller.

O leilão, que ainda será refeito, busca garantir o abastecimento do país após perdas de safra com as inundações no Rio Grande do Sul.

Os últimos dias foram marcados, também, por aumentos na inflação e pela persistência de paralisações e greves de servidores, que jogam mais pressão sobre o governo.

“A semana concentrou uma série de problemas. Dá para dizer, sem exagero, que foi a pior semana do governo Lula”, avalia o cientista político da Tendências Consultoria, Rafael Cortez.

Na sua leitura, as dificuldades no Congresso e as notícias negativas vindas de alguns ministérios devem aumentar as pressões por uma reforma ministerial.

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Legenda da foto, Praça dos Três Poderes; fragilidades na relação do governo com o Congresso foram realçadas nessa semana

Ele acredita, porém, que Lula deve aguardar os resultados das eleições municipais. Na sua avaliação, o campo da centro-direita hoje parece mais forte para os pleitos de outubro.

“Se esse cenário de derrota eleitoral em 2024 realmente acontecer, e tem tudo para acontecer, o governo precisaria resetar (sua composição) para essa metade final do mandato. E aí vamos ver se o governo vai seguir a linha mais à esquerda ou se vai procurar um cenário de aproximação efetiva com outras forças da frente ampla que se formou na eleição (de 2022)”, afirma Cortez.

Para o cientista político Antonio Lavareda, a semana foi marcada por fatos negativos para o governo, mas não trouxeram dano estrutural.

Ele também acredita em uma reforma ministerial apenas depois das eleições municipais, que servirão de termômetro para a força dos partidos políticos.

“O indiciamento do ministro Juscelino Filho causa desgaste, mas seria mais grave para o governo se envolvesse denúncias de desvios na sua gestão no ministério”, pondera.

Entenda a seguir quatro pontos de preocupação do governo que ganharam destaque nesta semana.

Ministro na mira da PF

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Legenda da foto, Juscelino Filho (União Brasil) foi indiciado pelos crimes de corrupção passiva, fraude em licitações e organização criminosa

A Polícia Federal realizou uma investigação criminal contra Juscelino Filho e concluiu haver indícios de que ele teria integrado um esquema de desvio de recursos de emendas parlamentares que ele próprio destinou, quando era deputado federal, para Vitorino Freire, uma cidade no interior do Maranhão que tem como prefeita sua irmã, Luanna Rezende (União Brasil).

Após o indiciamento, a PGR vai avaliar se há elementos para denunciar o ministro criminalmente. O relator do caso no Supremo Tribunal Federal é o ministro Flávio Dino, ex-governador do Maranhão e ex-ministro da Justiça de Lula.

Em nota pública, o ministro negou ter cometido crimes e levantou suspeitas sobre a imparcialidade da investigação.

Segundo Juscelino Filho, “o indiciamento é uma ação política e previsível, que parte de uma apuração que distorceu premissas, ignorou fatos e sequer ouviu a defesa sobre o escopo do inquérito”.

Ele disse ainda que seu depoimento à PF no caso foi encerrado abruptamente após 15 minutos, “sem dar espaço para esclarecimentos ou aprofundamento”.

“Isso suscita dúvidas sobre sua isenção, repetindo um modo operante que já vimos na Operação Lava Jato e que causou danos irreparáveis a pessoas inocentes”, continuou o ministro.

Na nota, diz ainda que apenas indicou as emendas, não tendo responsabilidade sobre a execução e fiscalização das obras.

“Minha inocência será comprovada ao final desse processo, e espero que o amplo direito de defesa e a presunção de inocência sejam respeitados”, afirmou também.

O ministro tem sido alvo de denúncias desde o início do governo. Ainda em março de 2023, reportagens do jornal O Estado de S. Paulo revelaram que ele teria recebido diárias de viagem de forma irregular e usado um jato do governo para ir a eventos não relacionados ao cargo.

Ele continuou no cargo após negar irregularidades e devolver diárias, afirmando que teriam sido recebidas por erro no sistema de controle.

Com o indiciamento, aumentaram as pressões por sua saída.

O vice-líder da oposição no Senado, Eduardo Girão (Novo-CE), disse que o ministro seria exonerado se o governo tivesse “algum resquício de ética”.

Ao desembarcar em Genebra, nesta quinta-feira (13/06), para participar de um evento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Lula afirmou que o fato de Juscelino ter sido indiciado não significa necessariamente que ele cometeu um erro e que caberá a ele “provar que é inocente”.

O presidente disse ainda que conversaria com o ministro antes de tomar uma decisão.

Questionada pela BBC News Brasil se haveria alguma ação do presidente em relação ao ministro, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República não respondeu.

Eventual demissão do ministro elevaria a tensão do governo com o União Brasil, partido que tem no deputado Elmar Nascimento (BA) um dos principais candidatos a presidir a Câmara a partir de fevereiro, quando acaba o mandato de Arthur Lira (PP-AL).

Com peso relevante no Congresso, a sigla tem entregado poucos votos a favor do governo em votações importantes, apesar de ter indicado também outros dois ministros –- Celso Sabino (Turismo) e Waldez Góes (Integração e Desenvolvimento Regional).

Na recente decisão do Congresso de derrubar o veto de Lula ao fim das saidinhas de presos, por exemplo, os seis senadores da sigla votaram contra o governo. Já na Câmara, de 55 deputados do União Brasil, apenas a ex-ministra do Turismo Daniela Carneiro votou pela manutenção do veto.

Antonio Lavareda acredita que Lula não demitirá Juscelino Filho, ao menos enquanto aguarda os desdobramentos do caso na Justiça.

“Já é um partido que não entrega muito voto. Se excluir o Juscelino contra a vontade do partido, vai estar arrumando problema. Os poucos votos que o partido arruma, vai deixar de arrumar. Se alguém achar que é ruim com eles, com certeza será pior sem eles”, avalia.

Devolução da medida provisória

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Legenda da foto, Devolução de medida provisória foi uma derrota para o ministro Fernando Haddad

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), decidiu devolver a medida provisória que limitava a compensação de créditos de PIS/Cofins por empresas e produtores rurais, após a pressão de diversos setores da economia, que perderiam benefícios fiscais com a medida.

A decisão foi uma importante derrota de Fernando Haddad, que vinha conquistando vitórias no Congresso em 2023, quando conseguiu aprovar a reforma tributária e medidas de aumento de arrecadação, como a taxação de fundos exclusivos e aplicações em offshores (empresas no exterior que investem no mercado financeiro).

Após a MP ser devolvida, Haddad reconheceu que não tem um “plano B” para arrecadar recursos que compensem a desoneração da folha e disse que vai buscar uma solução com o Congresso.

“Vamos colocar toda a equipe da Receita Federal à disposição do Senado para tentar buscar uma alternativa”, disse a jornalistas na terça-feira (11/6).

Para o cientista político Rafael Cortez, a derrota do governo reflete a dissonância entre a estratégia do governo de equilibrar as contas públicas com mais arrecadação e a resistência da maioria do Congresso.

“Essa estratégia teve resultados no ano passado, mas agora os sinais são de que o governo não tem força política para continuar aumentando arrecadação. As preferências da maioria da centro-direita, que comanda o Congresso, são por desoneração”, ressalta.

O analista da Tendências vê um governo “fraco” no momento, com dificuldades não só para aprovar suas propostas, mas com dificuldade de barrar agendas do campo conservador.

Exemplos disso, nota, foi a aprovação do fim da saidinha dos presos e a expectativa de votação na Câmara de uma proposta para equiparar a interrupção de gestação após 22 semanas ao crime de homicídio, mesmo em casos de aborto legal, como gravidez decorrente de estupro.

Cancelamento do leilão de arroz

Outra fonte de desgaste para a gestão Lula foi o cancelamento de um leilão do governo para compra de arroz, com objetivo de garantir o abastecimento do país após a perda de parte da safra do Rio Grande do Sul, devido às fortes enchentes.

A operação, realizada na semana passada, previa a compra pelo governo de 263,7 mil toneladas de arroz importado, no valor total de R$ 1,3 bilhão.

O leilão já vinha sofrendo resistência por parte dos produtores de arroz, que temiam prejuízo com a importação, embora a medida tenha recebido também apoio, para afastar riscos de desabastecimento e disparada de preços.

A operação foi anulada após suspeitas de fraudes. Havia desconfiança de que algumas das empresas vencedoras não teriam capacidade de entregar o arroz.

O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, disse a jornalistas, na terça, que a habilitação das empresas foi feita pelas Bolsas de Mercadorias e Cereais e que o governo só soube quem foram os participantes e vencedores depois do leilão.

“Vamos revisitar os mecanismos estabelecidos para esses leilões, com apoio da Controladoria-Geral da União e da Advocacia-Geral da União. Pretendemos fazer novo leilão, quem sabe em outros modelos, para que a gente possa ter as garantias de que vamos contratar as empresas que tenham capacidade técnica e financeira”, afirmou, na ocasião.

“Não tem como a gente depositar esse dinheiro público sem ter a garantia de que esses contratos serão honrados”, disse também.

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Legenda da foto, Plantações de arroz inundadas em Eldorado do Sul, no início de maio

Para Antônio Lavareda, o leilão do arroz foi “desastroso”, mas o governo foi capaz de reduzir danos ao cancelar a operação e demitir o secretário de Política Agrícola, Neri Geller.

Em paralelo ao fracasso do leilão que busca conter os preços do arroz, o governo recebeu também a notícia de que a inflação acelerou em maio, puxada pela alta dos preços dos alimentos, algo que impacta, em especial, os mais pobres.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o IPCA subiu 0,46% no mês passado, acima do esperado, acumulando alta de 3,93% em 12 meses.

A inflação dos alimentos subiu 0,62%, aumento que, segundo o IBGE, foi em parte influenciado pelas enchentes no Rio Grande do Sul.

Itens de alimentação acumulam alta de 4,23% nos cinco primeiros meses do ano, acima do resultado geral do IPCA no mesmo período (2,27%), refletindo a aceleração dos preços em 2024.

Já em 12 meses, os alimentos ficaram, em média, 3,56% mais caros.

Greves de servidores

Lula começou a semana tentando arrefecer a greve de professores e técnicos-administrativos em universidades e institutos federais. Em cerimônia no Palácio do Planalto, o governo anunciou R$ 5,5 bilhões em investimento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para universidades e hospitais universitários.

“Nesse caso da educação, se vocês analisarem o conjunto da obra, vão perceber que não há muita razão para essa greve estar durando o que está durando. Quem está perdendo não é o Lula, quem está perdendo não é o reitor, quem está perdendo é o Brasil e os estudantes brasileiros”, discursou na ocasião.

O presidente argumentou ainda que a proposta de reajuste do governo era “um montante de recursos não recusável” e que era preciso “coragem” das lideranças para encerrar a greve.

Em maio, o Ministério da Gestão elevou sua proposta, oferecendo reajustes de 13,3% a 31% até 2026, a depender do cargo ocupado pelo servidor, que começariam a ser pagos apenas em 2025.

No caso dos professores, a reivindicação apresentada pela Andes (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior) é repor as perdas salariais acumuladas desde 2016 (22,17%). A categoria pede os seguintes índices de reajuste: 7,06% em 2024, 9% em janeiro de 2025, e 5,16% em maio de 2026.

O apelo de Lula não deu resultado e gerou reação da Andes.

“A recomposição orçamentária é uma das principais pautas da Greve da Educação Federal e o anúncio dos R$ 5,5 bilhões até 2026 representa algum avanço. No entanto, diante do grave quadro de sucateamento pelo qual passam nossas universidades, institutos e cefets (centros federais de educação tecnológica), é pouco. Muito pouco inclusive para um governo que anuncia ter a Educação como prioridade”, informou o sindicato em nota, segundo o portal G1.

A greve das universidades não é a única que preocupa o governo. Os servidores ambientais (Ibama, ICMBio e Serviço Florestal) realizam paralisação desde janeiro, com redução da maioria de suas atividades. A categoria deve decidir essa semana se fará uma greve no próximo dia 24.

O cientista político Antônio Lavareda considera que a pressão de servidores por reajustes e mais verbas para seus órgãos é um problema “inescapável” para o atual governo.

“Esses servidores fazem parte da base de um governo de esquerda e, após anos tendo passado à míngua nos governos anteriores, têm a expectativa de conseguir reverter isso agora. E, ao mesmo tempo, do lado do governo, tem a questão do cobertor curto, da limitação de recursos”, ressalta.