• Leandro Prazeres
  • Da BBC News Brasil em Brasília

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Recuperação de Bolsonaro no maior colégio eleitoral do país acirrou corrida contra Lula pela Presidência

Dados de um estudo inédito à qual a BBC News Brasil teve acesso mostram que para mais da metade do eleitorado brasileiro, as eleições giram em torno de um único partido: o PT.

A pesquisa ouviu 5 mil pessoas entre abril e maio de 2022 e constatou que 24% do eleitorado se declara petista enquanto 29% afirmam ser antipetistas.

Juntos, os dois grupos somam 53% do eleitorado. O restante (47%) é composto pelos chamados “não-partidários” ou simpatizantes de outros partidos.

O levantamento faz parte de uma pesquisa conduzida pelos professores de Ciência Política César Zucco (da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo), Fernando Mello (Universidade da Califórnia) e David Samuels (Universidade de Minnesota).

Para Zucco, os números indicam grandes chances de que candidatos do PT cheguem ao segundo turno das eleições presidenciais. Por outro lado, ele diz, a vantagem percentual de antipetistas não representará, necessariamente, uma vantagem significativa para candidatos que se oponham ao PT como, por exemplo, o presidente Jair Bolsonaro (PL). Para o pesquisador, em eleições particularmente disputadas, como a deste ano, a avaliação de cada eleitor a respeito da economia deverá pesar mais do que a antipatia ou simpatia partidária para a parcela do eleitorado que não é petista e nem antipetista.

Identidade partidária

O foco do estudo conduzido pelos professores é mensurar e compreender os mecanismos que levam as pessoas a se identificaram ou não com os partidos políticos. Historicamente, os partidos vêm sendo considerados elementos fundamentais para a estabilidade dos regimes democráticos.

Segundo os pesquisadores, os dados do estudo ainda estão sendo processados. Além de avaliar a proporção de petistas e antipetistas, a pesquisa também fez perguntas para saber de quê forma os dois grupos veem um ao outro. A ideia é avaliar quão longe ou perto ideologicamente esses dois segmentos estão.

Em 2018, Zucco e Samuels lançaram um livro sobre o assunto com foco no Brasil: “Partisans, Antipartisans, and Nonpartisans: Voting Behavior in Brazil” (Partidários, Antipartidários e Não-partidários: o comportamento do voto no Brasil, na tradução para o português).

As pesquisas sobre o tema comumente dividem os eleitores em alguns grupos. Em um grupo, existem as pessoas que se identificam com um partido. Elas são chamadas de partidárias.

Em outro grupo estão aquelas que rejeitam um ou mais partidos, chamadas de anti-partidárias. Há também um outro grupo no qual estão as pessoas que não se identificam com um partido e nem rejeitam uma ou mais legendas específicas. Esse grupo é chamado de apartidário ou não-partidário.

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De acordo com o estudo, 24% das pessoas entrevistadas afirmam ser petistas

Zucco explicou que os primeiros estudos sobre a identificação das pessoas com partidos, especialmente os focados na realidade norte-americana, mostravam um cenário diferente do encontrado no Brasil.

Como o sistema partidário dos Estados Unidos é dominado pelo duelo entre o Partido Republicano e o Partido Democrata, era comum encontrar uma grande parte do eleitorado que dizia se identificar com um partido e que, automaticamente, afirmava ser contra o outro.

Esse modelo, no entanto, não se encaixou à realidade brasileira.

“Nos Estados Unidos, quase sempre quem simpatiza com um partido, antipatiza com o outro. Mas no Brasil, a gente descobriu algo diferente. Aqui, havia um contingente grande de pessoas que não tinha uma preferência específica, mas que não gostava de um partido em particular. E esse partido, quase sempre era o PT”, explicou o pesquisador em entrevista à BBC News Brasil.

Zucco afirmou que esse nível de antipatia por um único partido é incomum.

“Esse grau de antipartidarismo ligado a um partido só não é comum. Talvez, poderíamos fazer um paralelo com o peronismo (corrente político-ideológica criada pelo ex-presidente Juan Domingo Peron a partir dos anos 1940), mesmo assim o paralelo não seria perfeito. [O que acontece] no Brasil é inusual e demoramos um pouco para perceber”, avalia o pesquisador.

Zucco, que já foi professor na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, disse que o antipetismo surgiu no mesmo momento em que o PT começou a crescer. O PT foi fundado em São Paulo no dia 10 de fevereiro de 1980, nos últimos anos da Ditadura Militar (1964 a 1985).

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Lula começou sua carreira política como líder sindical representando metalúrgicos da região do ABC paulista

Nos anos 1980, o partido elegeu seus primeiros filiados e foi ao segundo turno das eleições presidenciais de 1989, quando Luiz Inácio Lula da Silva (PT) perdeu para Fernando Collor (PTB). Entre 2002 e 2018, o partido venceu quatro eleições presidenciais consecutivas e foi ao segundo turno na última.

“Em termos numéricos, os dados mostram que o antipetismo seguiu a mesma evolução do PT. À medida em que o PT foi crescendo ao longo dos anos 1990, a quantidade de antipetistas também foi crescendo. Ao longo das décadas desse século, houve momentos em que havia um contingente maior de petistas e outros em que havia mais antipetistas”, disse o professor.

Quais as diferenças entre petistas e antipetistas?

A pesquisa conduzida pelos três professores também fez uma análise sobre o perfil sociodemográfico de petistas e antipetistas. A ideia era saber quais as principais diferenças entre esses dois grupos.

Em síntese, os dados mostraram que, atualmente, há mais ricos e evangélicos entre os antipetistas. Do outro lado, há mais negros e pardos, jovens, mulheres e nordestinos entre os que se dizem petistas.

Usando o perfil médio da população brasileira como padrão, a pesquisa identificou por, exemplo, que nas classes sociais mais altas (A e B), há 13,1 pontos percentuais a mais entre antipetistas. Entre os evangélicos, essa vantagem é de 11,1 pontos percentuais.

Já entre os não-brancos (pretos e pardos, principalmente), há 16,1 pontos percentuais mais petistas que antipetistas. Entre os nordestinos, a vantagem petista é de 16.2 pontos percentuais e entre jovens de 13,8. Entre as mulheres, essa vantagem é de 1,7 ponto percentual.

Zucco explica que os dados coletados no primeiro semestre deste ano consolidam uma tendência de diferenciação sociodemográfica entre os dois grupos que começou a ser observada em 2010 e que teria se intensificado em 2018.

Zucco afirma que não é possível comparar o petismo com o bolsonarismo uma vez que o bolsonarismo não é um partido. Ele diz, ainda que nem todo antipetista é, necessariamente, bolsonarista.

“Esse grupo (antipetistas) convergiu para o Bolsonaro e pode convergir para outro (candidato). Não há uma ligação intrínseca, orgânica ou institucional do antipetismo com Bolsonaro. A probabilidade é que esse grupo vai continuar existindo e, se não tiver Bolsonaro, vai votar em outro candidato”, diz o professor.

“Baderna”, corrupção e valores

O pesquisador afirma que o antipetismo teve várias fases desde o seu surgimento, praticamente junto com o crescimento do PT, nos anos 1980. Inicialmente, a principal diferença entre os dois grupos se dava na relação de ambos com a democracia. Depois, o foco passou a ser a corrupção. Mais recentemente, a pauta de valores e costumes passou a ser relevante.

No livro publicado com David Samuels, em 2018, Zucco e explica que, à medida em que o PT recrutou seus filiados divulgando uma mensagem de que a democracia deveria ser uma força para a mudança social, o antipetismo cresceu entre pessoas que tinham uma visão diferente sobre o papel da política e da democracia.

Os dados coletados pela dupla até 2014, por exemplo, mostram que, na média, os petistas eram mais propensos a se engajar em algum tipo de ativismo junto à sociedade civil do que antipetistas.

“Tem uma fase inicial nos anos 1990 em que os antipetistas eram aqueles que associavam o PT a baderna e a greves”, explica Zucco à BBC News Brasil.

Crédito, Marcelo Camargo/Ag. Brasil

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Depois dos megaprotestos em 2013, Brasil assistiu a nova onda de manifestações em 2015 pedindo o impeachment de Dilma Rousseff e até intervenção militar

“Uma segunda fase do antipetismo surge com o PT no poder. É aí que começa aparecer o tema da corrupção (como justificativa para o antipetismo). Isso vira um traço marcante, mas não criou o antipetismo”, salientou Zucco.

Durante os anos em que o PT esteve no poder, o partido teve alguns de seus principais líderes presos por acusações de corrupção como nos casos do mensalão e da Operação Lava Jato.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que concorre a um terceiro mandato neste ano, ficou 580 dias preso após ser condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Suas condenações foram anuladas em 2021 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o que lhe devolveu a possibilidade de se candidatar a cargos eletivos.

Segundo o pesquisador, uma nova fase do antipetismo começou entre 2010 e 2014 quando temas relacionados à pauta de costumes como aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo passaram a ganhar saliência nas pesquisas. Além disso, começam a ficar maiores as diferenças socioeconômicas entre os dois grupos.

O fenômeno, segundo ele, se acirrou em 2018, o que, em parte, explica o apoio significativo do eleitorado evangélico à candidatura de Jair Bolsonaro em 2018. De acordo com o Datafolha, 59% dos eleitores evangélicos afirmaram que votaram em Bolsonaro no segundo turno das eleições. O então candidato petista à Presidência, Fernando Haddad, teve 26%.

Segundo Zucco, essa guinada do eleitorado evangélico para o polo antipetista aconteceu, em grande parte, pela capacidade de Jair Bolsonaro mobilizar esse público em 2018.

“Bolsonaro conseguiu mobilizar o antipetismo e fez isso com as lideranças evangélicas, também. Isso fez com que houvesse um salto grande dos votos do eleitor evangélico em Bolsonaro muito perto das eleições”, disse.

Como a divisão entre petistas e antipetistas afeta as eleições?

Na avaliação de Zucco, se proporção entre petistas (24%), antipetistas (29%) e não-partidários (47%) se mantiver estável no futuro, a tendência é que candidatos do PT quase sempre cheguem ao segundo turno das eleições presidenciais.

“Essa divisão aponta uma certa previsibilidade. Há grandes chances de o segundo turno das eleições presidenciais no Brasil se dê entre um candidato do PT e um antipetista. Os dados não dizem quem vai ganhar as eleições, mas ajudam a indicar quem pode ir para o segundo turno”, explica.

Ainda segundo o pesquisador, os dados mostram que a forma como o eleitorado está dividido torna difícil o surgimento de candidatura de “terceira via”.

“Esse cenário dificulta o surgimento de outros candidatos. Se um nome do PT sai com 25% das intenções de voto e um antipetista tem uma intenção de voto semelhante, o que sobra do eleitorado é pouco para alguém fora desses espectros começar uma campanha. O restante do eleitorado não está muito interessado nas eleições e é um público difícil de obter”, explica.

Zucco diz esperar um aumento do petismo e do antipetismo ao longo da corrida eleitoral deste ano. Segundo ele, no entanto, o maior percentual de antipetistas não é suficiente para garantir uma vantagem para Bolsonaro neste momento.

“Numa eleição presidencial, o foco é o presidente. Numa eleição presidencial em que o presidente é candidato, o foco é no presidente ainda mais. O Bolsonaro não tem como escapar disso. O foco, agora, não é mais o PT”, disse o pesquisador.

Zucco avalia que, à medida em que o eleitorado está relativamente bem definido, o fator que deverá decidir as eleições é o chamado voto econômico, uma vez que pesquisas recentes mostram que a conversão de petistas em antipetistas e vice-versa é muito rara.

“Uma parcela significativa da população já tem o seu voto mais ou menos decidido, mas tem quase metade da população sem essa identidade partidária. Eu acho que os não-partidários não irão votar pensando em petismo ou antipetismo. Eles vão votar com o bolso”, disse o professor.

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