O morto foi ao banco sacar dinheiro. Entrou em cadeira de rodas, acompanhado da sobrinha e cuidadora. Septuagenário, o Estatuto do Idoso assegurava-lhe o direito de não resolver negócio sozinho. Deserto o rosto de sangue, de início foi confundido com um cara-pálida. Alguém sugeriu que o levassem ao hospital já que ele não passava bem. Outro, apalpando-o, verificou não haver pulsação nem calor no corpo e concluiu que inexistiam sinais de vida. Seu lugar era no cemitério.
A sobrinha do cadeirante protestou e colocou uma caneta na mão dele, ordenando-lhe: vai, tio. Assina logo se não te levo de volta ao hospital. O tio, que fora homem de coragem, não tinha medo nem de cemitério quanto mais do ambiente hospitalar. Permaneceu desobediente, inerte, sem assinar coisa alguma. O gerente do banco, que não é medico nem advogado, chamado pelo caixa para resolver o impasse, sentenciou: Se morreu está morto, não assina nada.
Cadáver é coisa, não tem personalidade jurídica. A divergência sobre se o defunto estava morto ou vivo acalorou-se a tal ponto que a sobrinha bradou: não roubem de mim o que me pertence ou vou buscar o que é meu na justiça. O cadáver, em meio a tanta discórdia, duvidou sobre se havia mesmo falecido. Quase gritava a plenos pulmões, que o banco queria roubá-lo, que era um bandido. Se esse defunto falasse, que escândalo, que correria.
Os clientes clamariam a uma só voz: juros muitos altos, estamos passando fome, ninguém aguenta mais, pega o ladrão. Todos correriam só o cadeirante inerte ficaria. O bom de tudo isso foi o riso solto dos brasileiros e o humor saudável dos memes na oportunidade certa em que estamos precisando.
José de Siqueira Silva é Coronel da reserva da PMPE
Mestre em Direito pela UFPE e Professor de Direito Penal
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20/04/2024 às 23:56