- André Biernath – @andre_biernath
- Da BBC News Brasil em Londres
Homens que decidem virar pais depois dos 35 anos correm um risco maior de ter filhos prematuros ou com autismo, revelam as pesquisas.
Além disso, a cada ano que passa, os espermatozoides sofrem baixas significativas na quantidade e na qualidade — o que pode dificultar as tentativas de gerar um descendente.
Essas informações são particularmente importantes num cenário em que os planos de ter um bebê são postergados para cada vez mais tarde, por causa dos projetos profissionais e educacionais.
E isso ocorre num contexto em que apenas os riscos da maternidade tardia são bem mais conhecidos entre a população. De forma geral, as mulheres sabem da dificuldade aumentada da gestação após os 35 ou os 40 anos.
Do lado paterno (e pouco conhecido) dessa história, a boa notícia é que existem recomendações, exames e tratamentos que permitem acompanhar cada caso e diminuem os riscos ao bebê, como você confere a seguir.
Um fenômeno cada vez mais frequente
A médica Karla Giusti Zacharias, que é especialista em reprodução humana e integra o corpo clínico da Rede D’Or – Hospital São Luiz Itaim, em São Paulo, relata que recebe com frequência no consultório homens mais velhos que desejam ter um filho.
“Vejo pacientes de 50 ou 60 anos que estão num segundo casamento com uma esposa mais jovem, que deseja engravidar”, observa.
A dúvida que eles trazem aos profissionais da saúde é justamente aquela que aparece no título desta reportagem: quais os riscos de ser pai mais velho?
Em linhas gerais, o aparelho reprodutor masculino funciona numa lógica completamente diferente do feminino.
A partir da puberdade, que acontece lá pelos 10 aos 14 anos, os homens começam a fabricar os espermatozoides — produção essa que continua a acontecer durante toda a vida.
Já as mulheres nascem com todos os óvulos prontos. Eles são liberados também a partir da puberdade, a cada novo ciclo menstrual.
Só que a quantidade de gametas nelas é limitada — as meninas têm entre 300 mil e 500 mil óvulos no momento da primeira menstruação — e costuma quase acabar quando elas chegam aos 45 a 55 anos, quando ocorre a menopausa.
Ou seja: enquanto novos espermatozoides são produzidos constantemente nos testículos, os óvulos são guardados numa espécie de “poupança”, e liberados aos poucos ao longo da adolescência e da vida adulta.
Mas daí vem a questão importante: embora a fabricação dos gametas masculinos seja constante, a qualidade desse processo não é a mesma após uma certa idade.
Com o passar dos anos, é natural que essas células sejam feitas em menor quantidade e apresentem mais defeitos.
Essas falhas, por sua vez, podem impedir a fecundação (quando um espermatozoide entra no óvulo), o que leva à dificuldade para ter um filho.
Porém, algumas pesquisas indicam que, mesmo quando as tentativas de gerar um descendente são bem sucedidas, existe o risco de que o bebê apresente com mais frequência algumas condições de saúde, como nascimento prematuro, complicações após o parto e até autismo.
O que dizem os estudos
Uma investigação feita em 2018 na Escola de Medicina da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, analisou dados de mais de 40 milhões de partos e descobriu que, de forma geral, quanto mais velho é o pai, maior o risco para a criança.
Homens que têm filhos após os 35 anos correm um risco relativamente mais alto de que o bebê nasça com baixo peso, tenha convulsões ou precise de ventilação mecânica para respirar logo após o parto.
Indivíduos com mais de 45 anos apresentam uma probabilidade 14% maior de que a criança seja prematura (quando ela vem ao mundo antes de 37 semanas de gestação). Naqueles que já passaram dos 50, há um risco 28% mais elevado de o recém nascido precisar ficar um tempo numa Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal.
À época da publicação do artigo, o médico Michael Eisenberg, professor de urologia e autor principal da pesquisa, esclareceu que números do tipo não devem ser interpretados com alarmismo. Na visão dele, os achados servem para que as famílias se planejem bem e façam os acompanhamentos necessários.
“Há uma tendência de olharmos para os fatores maternos na hora de avaliar os riscos associados ao nascimento. Mas nosso estudo mostra que ter um bebê saudável é um trabalho de equipe, e a idade do pai também contribui para isso”, declarou.
Já um artigo de revisão sistemática e metanálise (um tipo de trabalho científico que compila e organiza várias pesquisas publicadas anteriormente sobre um mesmo tema) publicado em 2017 apontou outro perigo da paternidade tardia: o risco aumentado de autismo.
Como conclusão, o trabalho aponta que, a cada aumento de 10 anos na idade do pai, há uma probabilidade 21% maior de o filho ter esse transtorno no desenvolvimento neurológico, que está relacionado a dificuldades na comunicação, na interação social e no comportamento.
A ciência ainda não sabe responder com certeza o que uma coisa tem a ver com a outra.
O médico Alfredo Canalini, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia, aponta que existem evidências de uma relação entre paternidade tardia e maior probabilidade de doenças como esquizofrenia, mas os estudos sobre o tema não são suficientemente sólidos.
O especialista ainda aponta que, mesmo com a queda na qualidade e na quantidade de espermatozoides com o passar dos anos, a tendência é que os gametas mais aptos sejam bem sucedidos e um deles faça a fecundação — o que diminui os riscos à saúde da criança que será gerada.
“O caminho até o óvulo pode ser comparado a uma ultramaratona, e geralmente apenas os espermatozoides capacitados e saudáveis conseguem chegar perto da linha de chegada”, compara.
Mas será que, diante de todos esses perigos, existem meios de minimizar os problemas e garantir uma gestação saudável?
Como ficar mais protegido
Canalini ressalta que não existe uma receita de bolo para driblar os possíveis perigos da paternidade tardia.
“A biologia do aparelho reprodutor masculino é muito individualizada e cada homem precisa passar por um atendimento para a gente entender o que está acontecendo e o que pode ser feito”, diz.
Uma consulta dessas envolve o clínico geral ou o urologista, médico especialista nas vias urinárias e nos órgãos sexuais e reprodutivos do homem.
Essa avaliação pode ser feita de rotina, a cada ano, quando há o desejo de ter um filho ou se alguns sintomas aparecem, como irritação excessiva, falta de libido, dificuldade para ter ou manter a ereção, além das tentativas frustradas de engravidar.
“E, claro, existem aquelas recomendações clássicas que valem para a saúde do corpo inteiro, como ter uma alimentação saudável, evitar o sedentarismo, fazer atividade física regular, não fumar, manter o peso adequado…”, lista o médico.
Zacharias lembra que, quando as mudanças de estilo de vida não surtiram resultado, é possível partir para exames e tratamentos específicos.
“Se existe um perfil muito ruim dos espermatozoides, podemos propor algumas terapias para melhorar a qualidade ou a quantidade deles”, resume.
Por fim, a especialista destaca um último risco que afeta diretamente os pais mais velhos: a carga de trabalho envolvida com a criação de um filho.
“Não podemos nos esquecer que muitos homens mais velhos estão numa fase da vida em que eles já trabalharam bastante e estão mais cansados”, aponta.
“É preciso colocar na balança e pensar na importância de acompanhar o desenvolvimento da criança, levantar de madrugada para trocar fralda, brincar…”
“Os casais devem conversar sobre isso para que sempre tomem a melhor decisão para eles e para a família”, conclui.
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