- Giulia Granchi
- Da BBC News Brasil em São Paulo
O Brasil deve registrar 704 mil casos novos de câncer para cada ano entre 2023 e 2025, um aumento de quase 13% em relação às estimativas do triênio anterior (2020-2022), que apontavam 625 mil casos novos a cada ano.
Os dados são da publicação Estimativa 2023 – Incidência de Câncer no Brasil, lançada pelo INCA (Instituto Nacional de Câncer) na última quinta-feira (23/11).
Pedro Exman, médico oncologista do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, explica que o aumento está relacionado a diferentes fatores — alguns positivos, outros nem tanto.
“A população aumentou e envelheceu, e a idade é um dos fatores de risco para câncer. Também temos que levar em consideração o estilo de vida do brasileiro, que é cada vez menos saudável em relação à alimentação e atividade física. Já um ponto positivo que interfere nos números é que o diagnóstico tem sido feito mais precocemente e de forma mais específica para cada tipo de tumor, além de um maior número de brasileiros agora ter acesso aos exames.”
As regiões Sul e Sudeste, de acordo com o documento, concentrarão cerca de 70% da incidência dos novos casos.
A explicação para isso, está, em parte, pela concentração de cidadãos nessas regiões, que abrigam 57% da população de todo o país.
“Além disso, há fatores de risco relacionados ao estilo de vida dessas regiões mais ricas. O avanço da modernização trouxe muitas vantagens, mas também criou problemas. Temos uma sociedade cada vez mais sedentária, mais obesa, mais estressada, que consome menos alimentos saudáveis e mais ultraprocessados, consome mais bebidas alcoólicas e fuma mais”, diz Sergio Roithmann, chefe do serviço de oncologia do Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre.
Outro motivo, explica o especialista, está relacionado à expectativa de vida — como há mais pessoas idosas nessas regiões, há, também, mais casos de câncer.
Os cânceres que mais acometerão os brasileiros
Ao todo foram estimadas as ocorrências para 21 tipos de câncer mais incidentes no país.
O tumor maligno mais comum no Brasil é o de pele não melanoma (31,3% do total de casos), seguido pelos de mama feminina (10,5%), próstata (10,2%), cólon e reto (6,5%), pulmão (4,6%) e estômago (3,1%).
Em menores índices, mas também importantes para a criação e manutenção de políticas públicas de diagnóstico e tratamento precoce, estão listados no documento o câncer da glândula tireoide, câncer da cavidade oral, linfoma não Hodgkin (LNH), leucemias, câncer do sistema nervoso central, de bexiga, de esôfago, de pele melanoma, do corpo de útero e ovário, de laringe, linfoma de Hodgkin — e duas novas adições à lista em relação ao último triênio, o câncer de pâncreas e câncer de fígado.
Esses cânceres foram incluídos por serem problema de saúde pública em regiões brasileiras e com base nas estimativas mundiais.
O câncer de fígado aparece entre os 10 mais incidentes na região Norte, estando relacionado a infecções hepáticas e doenças hepáticas crônicas.
“O vírus da hepatite B e C são mais incidentes na região norte, onde as campanhas de vacinação são menos efetivas e onde há muitos locais higienicamente deficitários, com problemas, por exemplo, de saneamento básico. Também há a questão da educação sexual, já que a hepatite B pode ser transmitida por relações sexuais desprotegidas”, indica Exman.
Entre esses cânceres, há algum que é mais mortal?
“Câncer é um nome comum à várias doenças, mas cada uma delas pode ter biologia, prognóstico e tratamento totalmente diferentes”, diz o médico do Hospital Oswaldo Cruz.
Ambos os oncologistas apontam que, entre as doenças listadas pelo INCA, o câncer de pele não melanoma, embora seja o mais incidente, é o menos preocupante por ser facilmente tratável e ter uma baixa taxa de mortalidade.
Todos os outros tumores já podem apresentar um nível de agressividade maior, mas a efetividade dos tratamentos que a medicina dispõe para cada um deles afeta os prognósticos.
“A mama e a próstata, por exemplo, podem ser menos agressivos e os tratamentos têm uma alta taxa de sucesso. No entanto, como há um número muito alto de casos, a quantidade de pacientes que tem um desfecho menos favorável ainda representa um número importante.”
Vários fatores influenciam no sucesso do tratamento desses e de outros cânceres, e Roithmann lembra que o acesso rápido à saúde está entre os mais importantes.
“Aqui no hospital onde atuo, que fica na região Sul e recebe pacientes da saúde suplementar (com convênio), 90% dos cânceres de mama são diagnosticados nos estágios 1 e 2. Já na rede pública, em diferentes estados do Brasil, 70% dos casos são encontrados em fases avançadas, o que dificulta as chances de cura.”
O câncer de colo e de reto, na avaliação de Exman, também dispõe de bons tratamentos que levam a prognósticos mais positivos.
“Já para pulmão, pâncreas, fígado, por exemplo, a biologia da doença é mais agressiva e mais propensa a metástases, embora esses cânceres acometam um número menor de pacientes.”
Como estão nossas estimativas em relação ao restante do mundo?
Os especialistas apontam que as previsões para os novos casos de câncer no Brasil estão dentro do esperado em relação ao que se observa no restante do mundo.
Enquanto tumores relacionados ao estilo de vida pouco saudável estão mais presentes nas regiões mais ricas — apesar de não serem exclusivos nesses lugares — outros, mais ligados à baixas taxas de vacinação e pouca educação sexual, como é o caso do câncer do colo de útero, prevenível com a vacina contra o vírus HPV, que é transmitido sexualmente, são mais prevalentes em regiões mais pobres.
“Ainda é um cenário perigoso, que segue a tendência do mundo ocidental de hábitos pouco saudáveis — e 60% dos casos de câncer têm a ver com estilo de vida. Há muito trabalho a ser feito na área da saúde pública para podermos incentivar medidas preventivas, fazer diagnósticos precoces e melhorar o acesso à saúde, já que existe uma variabilidade enorme no tempo em que se descobre o câncer até o início do tratamento a depender de onde você será tratado”, aponta Roithmann.
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