- Camilla Veras Mota – @cavmota
- Da BBC News Brasil em São Paulo
Uma parte do mundo deve entrar em recessão em 2023, ano em que a combinação perversa de inflação alta e salários reais mais baixos vai deixar muita gente com a sensação de que a economia está pior do que mostram as estatísticas.
Assim como em boa parte do globo, a previsão para a América Latina é de desaceleração – de um Produto Interno Bruto (PIB) médio de 3,5% em 2022 para 1,7%.
Isoladamente, contudo, o número esconde uma assimetria curiosa: enquanto Brasil, Colômbia, Chile e outras das grandes economias da região pisam forte no freio, América Central e Caribe mantêm um patamar elevado de crescimento, de 3,6% e 7,3%, respectivamente.
A dinâmica chamou atenção do economista sênior da consultoria Oxford Economics Joan Domene, que identificou três fatores que impulsionaram o desempenho da região.
“A maior parte da América Central tem uma dependência forte das remessas de recursos de migrantes, do turismo e da exportação de commodities. Assim, não foi surpresa que essa região tenha se beneficiado por um crescimento mais robusto que o esperado em todas essas frentes em 2022”, ele escreveu em um relatório recentemente.
As estimativas da Oxford Economics para o próximo ano apontam que a área que denomina como CenAm (Central America), que reúne República Dominicana, Nicarágua, Guatemala, Belize, Honduras, Costa Rica, El Salvador e Panamá, cresceriam 2,5%, enquanto as seis maiores economias da América Latina – Brasil, Argentina, Colômbia, México, Peru e Chile – devem, na média, ficar estagnadas.
Essa desaceleração mais forte se deve a um conjunto de razões. Uma delas é estrutural: as grandes economias da América Latina, mais integradas ao mercado internacional, geralmente sentem mais os efeitos das crises globais – como a que se desenha no horizonte.
“Além disso, esses países têm passado por uma série de restrições monetárias e fiscais”, disse o economista à BBC News Brasil, referindo-se ao forte aumento de juros que os diferentes bancos centrais têm aprovado para tentar conter o aumento da inflação.
O recente ciclo de alta generalizada de preços foi alimentado pelos pacotes de estímulos lançados durante a pandemia, pelo fortalecimento do dólar e pelo aumento dos combustíveis. Um cenário que levou o Brasil, por exemplo, a protagonizar um aumento de juros que está entre os mais agressivos do mundo, de 2% em março de 2021 para 13,75% agosto deste ano.
A inflação também tem incomodado na América Central, mas em um patamar mais baixo. Isso porque, entre outras razões, muitas das economias da região são dolarizadas – uma característica que, se de um lado é uma marca de economias mais frágeis, de outro ajuda a neutralizar os choques provocados pela valorização do dólar.
Nesse sentido, o próprio crescimento da economia que tem feito desses países um ponto fora da curva não necessariamente se traduz em bem-estar social. É isso que mostram algumas das histórias por trás das estatísticas, que a BBC News Brasil conta a seguir.
Panamá
Esse país, que liga a América Central à do Sul, há anos vem registrando crescimento maior que a média da região. Entre 2014 e 2019, conforme os dados do Banco Mundial, o PIB do Panamá avançou em média 4,6% ao ano, enquanto o da América Latina e Caribe subiu 0,8%.
O desenvolvimento do setor de serviços (especialmente de transporte, comunicação e serviços financeiros) está entre os principais motores, ao lado, mais recentemente, da mineração.
Em 2019, a maior mina de cobre do mundo entrou em operação na selva panamenha. Desde então, o minério passou a ser o principal produto de exportação do país, seguido pela banana.
Banana, açúcar e café, aliás, estão entre os principais gêneros agrícolas exportados pela América Central. A Costa Rica é o maior exportador de abacaxi do mundo e a Guatemala, de cardamomo.
Nas projeções da Oxford Economics, o PIB panamenho vai aumentar 5,8% em 2022 e outros 3,2% no próximo ano – o segundo maior percentual para a América Latina.
Apesar da expansão da economia, a inflação no país quase dobrou em 2022, foi de 2,6% para 4,4%, conforme a projeção do FMI. O nível é ainda inferior ao de países como o Brasil, contudo, onde o índice, depois de atingir 12,1% em abril, chegou a 5,9% nos 12 meses até novembro.
Ainda assim, o aumento expressivo nos preços de alimentos e combustíveis foi estopim para uma onda de protestos que levaram milhares de panamenhos às ruas em julho. As manifestações, consideradas as maiores desde a queda do ditador Manuel Antonio Noriega, em 1989, começaram com um ato organizado por sindicatos de professores, mas logo ganharam proporção nacional.
Além do aumento do custo de vida, os manifestantes também protestaram contra a corrupção e a desigualdade.
Em resposta, o governo chegou a subsidiar os preços de combustíveis e implementou controle de preços de alguns alimentos.
Guatemala
O caso da Guatemala é um daqueles em que as estatísticas só contam parte da história. Olhando apenas para o PIB, a economia cresce mais do que a média da região: 3,4% em 2022 e 3,2% no próximo ano, conforme as projeções do FMI (1,6% nas estimativas da Oxford Economics).
Há anos, contudo, o país vive uma grave crise migratória, causada em parte pelos impactos das mudanças climáticas, que criaram o que tem sido chamado de “corredor seco da América Central”, fenômeno que prejudica muitos agricultores.
O Ministério de Relações Exteriores estima que cerca de 3 milhões de guatemaltecos vivem hoje nos Estados Unidos, e são os dólares enviados por eles que ajudam parte dos 11,7 milhões que moram no país a sobreviver.
A Guatemala é um dos países com maior índice de remessa de recursos por cidadãos que vivem no exterior. Em 2021, esse indicador bateu recorde e chegou a US$ 15 bilhões, o que corresponde a expressivos 17,6% do PIB. Em 2022, o acumulado até novembro já é maior: US$ 16,4 bilhões.
Em El Salvador e Honduras, outros dois países no “corredor seco”, as remessas de recursos por migrantes chegam a responder por 30% do consumo interno privado, calcula Domene.
“Esse não é exatamente um indicador alvissareiro. Na maioria das vezes, é contracíclico: quanto pior está a situação no país, maior é o incentivo para as pessoas migrarem”, destaca o economista.
Ele lembra que uma parte desses trabalhadores migra de forma ilegal, principalmente para os Estados Unidos, onde se submetem a condições muitas vezes precárias de trabalho e enviam quase tudo o que recebem de volta para os familiares.
Em um discurso em julho, Andrés Manuel López Obrador, presidente do México – que também recebe bilhões de dólares em remessas -, chamou os imigrantes mexicanos que vivem nos Estados Unidos de “heróis e heroínas”.
República Dominicana
Essa nação do Caribe faz fronteira com o Haiti – ambos dividem a ilha de São Domingos. Ao contrário do vizinho, contudo, que está mergulhado em uma crise econômica e tem assistido a uma explosão de violência, a República Dominicana tem conseguido expandir sua economia.
É o país com maior previsão de crescimento para o próximo ano na América Latina: 3,8%, conforme a Oxford Economics.
Um dos principais motores tem sido o turismo. Com 10,9 milhões de habitantes – e o tamanho do Estado brasileiro do Espírito Santo – o destino vem batendo recordes no número de turistas recebidos em 2022.
Até novembro, foram 7,5 milhões de visitantes, mais que o dobro do registrado pelo Brasil: 3,1 milhões até novembro, conforme os dados captados pela Embratur em conjunto com o Ministério do Turismo e a Polícia Federal.
Toda a região próxima dos Estados Unidos, explica Domene, vem se beneficiando com a retomada do turismo proporcionada pela reabertura dos países que se vacinaram contra a covid-19.
Belize, Costa Rica e o próprio México, onde o economista está baseado, viram crescer expressivamente o número de visitantes.
“São locais próximos, fáceis de chegar e já conhecidos pelos americanos.”
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