- Author, Simone Machado
- Role, De São José do Rio Preto (SP) para a BBC News Brasil
Há 15 anos, quando se conheceram, a empresária Patrícia Camargo, de 38 anos, e o marido, o dentista Mateus Santana, também de 38 anos, pensavam em formar uma família considerada tradicional – casar e ter filhos. Entretanto, os dois casaram e o plano de ter crianças em casa começou a ser adiado.
Com o passar dos anos, o casal conta que percebeu que incluir filhos no relacionamento se tratava muito mais de uma cobrança da sociedade do que de uma vontade real deles. As responsabilidades de criar e educar uma criança foram alguns dos fatores levados em consideração na hora de tomar a decisão.
“A gente se sentia desconfortável com esse tipo de cobrança, mas não tínhamos parado para analisar se realmente queríamos filhos. Foi quando percebi que eu não tinha essa vontade dentro de mim e comecei a conversar com o Mateus sobre isso. E, com o tempo, fomos amadurecendo essa questão de não termos filhos até que tomamos essa decisão”, recorda a empresária.
Na época da decisão, há pouco mais de 7 anos, Patrícia tinha uma loja voltada para gestantes e lactantes e convivia diariamente com a rotina de mães e futuras mamães. A escolha de não querer ter um bebê veio acompanhada de alguns julgamentos.
“Nossas famílias e amigos entenderam a nossa vontade e pararam de nos cobrar um filho. Mas já ouvi que estou sendo egoísta, e tudo bem, isso é uma opinião da pessoa, mas não minha”, acrescenta.
Apaixonados por animais desde pequenos, Patrícia e Mateus decidiram, então, que teriam um animalzinho para deixar a casa mais alegre. Foi quando Armandinho chegou na vida do casal, há 9 anos. Dois anos depois, foi a vez de Nina entrar para a família.
“Não é uma substituição, são escolhas. E eu trato eles como meus filhos, eu cuido, zelo e tenho responsabilidade por eles até o fim da vida”, diz Patrícia.
Juntos em todos os momentos
Armandinho e Nina estão com o casal em todos os momentos. Viagens, idas a restaurantes e até mesmo em compras do dia a dia. Para isso, o casal sempre opta por frequentar lugares e estabelecimentos pet friendly – expressão em inglês adotada no Brasil para informar que um estabelecimento é “amigo dos animais domésticos”, ou seja, que cachorros e gatos são bem-vindos.
“Sempre gostamos muito de viajar e, quando os cachorrinhos chegaram nas nossas vidas, eles entraram na nossa rotina. A gente só viaja para lugares que aceitam eles, não me lembro quando foi a última vez que viajamos sozinhos. Não conseguimos deixá-los e eles sempre estão com a gente, viajamos em família completa”, relata.
Além das viagens com a família, os animais também são bastante mimados em casa. A dupla de quatro patas fica solta pela residência e pode dormir na cama com o casal ou escolher ficar na própria caminha. Além disso, roupinhas não faltam no guarda-roupa deles, que possuem dezenas de looks para o frio e calor.
Todos os anos, Armandinho e Nina ganham festa de aniversário, e, claro, presentes em datas comemorativas como Natal. Os bichinhos também têm presença garantida nos ensaios fotográficos da família.
“A gente trata com muito respeito, amor e carinho, afinal fomos nós que optamos por cuidar da vida deles, por isso buscamos fazer isso da melhor forma possível. A gente comemora o aniversário deles, para lembrar do privilégio que é estar mais um ano com eles. São membros da família de fato. Para a gente, é muito natural”, acrescenta Patrícia.
Situação semelhante é vivida pela empreendedora Carolina de Arruda Botelho Mattar, de 37 anos. Casada há 9 anos, ela e o marido, Eduardo, decidiram não ter filhos humanos. A decisão foi tomada no início do relacionamento.
“Desde o início do namoro, o Eduardo sempre disse que não queria ter filhos. Eu queria, mas com o tempo fui trabalhando a minha mente e entendi que não precisa ter filhos para ser feliz, que isso é muito mais uma imposição da sociedade”, diz Carol.
A empreendedora conta que desde criança sonhou em ter cachorro, mas que seus pais nunca permitiram porque moravam em apartamento. O cenário mudou há pouco mais de seis anos com a chegada da Cacau e Dindin, dois Fox Paulistinha.
“O fato de não ter filhos biológicos surpreende algumas pessoas porque ainda é uma questão cultural do Brasil, uma expectativa de família. Mas como sempre deixamos muito claro que nossa vontade era de ter filhos pets, nossos familiares e amigos nunca nos julgaram, mas algumas pessoas ficaram surpresas”, conta Carolina.
Chamados de filhos pelo casal, os irmãos paulistinhas domem na cama da família, comemoram o aniversário com festinha e são bastante mimados. Eles possuem um adestrador que todos os dias os levam na praça para passear e brincar com outros cachorros.
“Também tomamos cuidado de mantê-los em contato com o mundo biológico deles, por enriquecimento ambiental, como com comedouros interativos. Quando vamos para a fazenda, eles sempre vão junto, gostam de brincar na piscina e se divertem bastante correndo por tudo. Como são irmãos, costumamos fazer uma comemoração em família para que a gente possa celebrar a vida deles”, acrescenta a empreendedora.
Brasil é o 3º do mundo em animais de estimação
A última pesquisa anual da Comissão de Animais de Companhia (Comac) do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Saúde Animal (Sindan), divulgada no ano passado, mostra que o Brasil é o terceiro país do mundo com mais animais de estimação (cães e gatos).
Essa população é de 85,2 milhões e registrou crescimento de 4,5% em relação a 2020. O país fica atrás apenas de Estados Unidos, com cerca de 150 milhões de animais de estimação e da China, com 141 milhões.
O levantamento aponta ainda que entre os lares com cachorros como únicos animais de estimação, 21% são de casais sem filhos, 9% de pessoas morando sozinhas e 65% de casas com filhos. Outros 5% apresentam outras configurações.
Das residências com gatos como únicos animais de estimação, 25% são de casais sem filhos, 17% de casas com pessoas morando sozinhas e 55% de casas com filhos. Outros 3% apresentam outras configurações.
‘Pet parenting’
Para o sociólogo e psicanalista Wlaumir Souza, o fenômeno conhecido como pet parenting (ou parentalidade de animais) está se tornando cada vez mais comum devido à dedicação das mulheres à carreira profissional e à transformação no modelo familiar que a sociedade vem passando.
“A mudança de filhos por pets está em consonância com o momento atual em que vivemos. Um filho demanda muito tempo e esforço, o que pode acarretar certas dificuldades no avanço profissional da mulher, haja vista que muitas delas saem do mercado de trabalho para cuidar dos filhos e depois esse retorno ainda é repleto de desafios. Muitas vezes elas não conseguem voltar a ele”, diz.
Outros fatores que, para o sociólogo, têm feito muitos casais optarem por filhos pets ao invés de humanos está relacionado à questão econômica e insegurança de se criar um filho no mundo atual.
“O Brasil vive uma crise econômica nos últimos oito anos de forma continuada e apesar de crises não serem novidade no país, a intensidade dela vem causando um certo receio nas famílias. A insegurança econômica acarreta um medo de trazer um ser ao mundo”, acrescenta.
Já do ponto de vista psicológico, Souza diz que os animais não questionam e são fiéis aos seus donos e, consequentemente, são mais fáceis de conviver. O que também explicaria a preferência de muitas pessoas, segundo ele.
“Um pet é submisso e atende às regras, mesmo no caso dos gatos, que são mais individualistas. Assim não há o que se preocupar com o destino e liberdade deles. A fidelidade canina, por exemplo, mostra porque o Brasil prefere o cão, totalmente submisso, uma regra clara do país desde a época da escravatura”, finaliza.
Fonte: BBC
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