- Laís Alegretti
- Da BBC News Brasil em Londres
Viver em Portugal é “o plano A” do brasileiro Victor Hugo Martins, de 32 anos, que aguarda o resultado do seu pedido de visto para procura de trabalho no país europeu.
Ele e o marido, que hoje vivem na Baixada Fluminense, vinham estudando uma mudança para Portugal, mas tinham identificado, no entanto, que não se enquadravam nas categorias de visto disponíveis.
Isso mudou no segundo semestre deste ano, quando Portugal disponibilizou a categoria de visto para procura de trabalho. (Veja ao fim desta reportagem as regras dos novos vistos).
“Cogitei a hipótese de ir como turista e me legalizar lá, como muita gente faz. Mas eu tinha medo de arriscar e ter muitos obstáculos — porque a gente sabe que a vida de quem vai de forma ilegal é um milhão de vezes mais complicada”, disse. “Fiquei bastante feliz quando esse visto entrou em vigor.”
Eles fizeram os pedidos de vistos em novembro — processo que Victor considera que não foi simples porque “falta informação” sobre a nova modalidade.
Enquanto aguarda a resposta do governo português, o casal, que vive junto há 12 anos, planeja a mudança para a região norte de Portugal no fim de janeiro.
“Venho estudando sobre mudar para Portugal desde 2019. E um ano atrás foi quando eu decidi mesmo”, diz Martins, que hoje atua como correspondente bancário.
Ele atribui o desejo de morar fora do Brasil principalmente à violência e às condições do mercado de trabalho brasileiro.
“Portugal pode ser uma porta de entrada para outros lugares. Estou aberto. Mas hoje meu plano A é morar em Portugal”, diz Victor.
No Gama, região administrativa do Distrito Federal, quem também espera resposta do governo português é a família do paraense Lucas Nascimento, de 28 anos. No caso deles, o pedido foi de visto de “nômade digital”.
Ele é desenvolvedor de software e presta serviço como pessoa jurídica para clientes no Brasil de forma remota. Nascimento e a esposa planejam mudar em março, com o filho de dois anos, para Braga, no norte de Portugal.
“Estamos indo pra começar vida nova mesmo. A gente inclusive já vendeu 70% das nossas coisas”, diz. “Nunca morei fora e a gente está se planejando há um ano, eu e minha esposa, para mudar. Eu, ela e nosso filho. A mudança é muito por ele, quero que ele tenha experiência de começar os estudos na Europa.”
Atração de mão de obra e de consumo
Os novos tipos de visto para Portugal foram criados neste ano, em um contexto de tentativa do governo de atrair mão de obra e de movimentar a economia do país.
A especialista em estudos migratórios Thaís França, pesquisadora do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa, destaca que não se trata de vistos formulados especificamente brasileiros – eles estão disponíveis para outras nacionalidades.
“Portugal está a procurar mão de obra qualificada e também está a procurar pessoas que contribuam para a economia do país”, diz. “Portugal tem investido na imagem internacional de forma geral. Acontece que no Brasil essa imagem reverbera mais – por relações históricas e migratórias, muitos brasileiros já vêm para Portugal.”
No caso do visto de procura de trabalho, a especialista diz que Portugal busca regularizar um movimento que já acontecia.
“Muitas pessoas vinham como turistas e depois procuravam visto de trabalho. Então o que Portugal está tentando fazer é regulamentar essa possibilidade de entrada já com fins de trabalho – ou seja, criar uma via regular.”
Os brasileiros não precisam de visto para permanecer em Portugal por até 90 dias se o motivo da viagem for turismo, negócios, cobertura jornalística ou missão cultural. Esse prazo pode ser prorrogado em Portugal (por até mais 90 dias) com autorização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Para outras situações, Portugal exige visto de cidadãos brasileiros.
Embora números oficiais do governo português sobre o total de pedidos de novos vistos não tenham sido divulgados, profissionais que trabalham com diferentes serviços de assessorias para brasileiros que imigram para Portugal relatam grande interesse nas novas modalidades.
A empresária Patrícia Lemos, proprietária da consultoria Vou Mudar Para Portugal, que presta serviços para brasileiros que querem se mudar para o país, como Martins e Nascimento, diz que viu crescer a demanda de brasileiros pelos novos tipos de visto.
“O volume (de interessados) é imenso”, diz ela, que considera três motivadores principais. “Depois da pandemia, muitas pessoas perceberam que podem morar fora. Aí junta a violência que se vive hoje no Brasil. Depois, a conjuntura política – independente do seu posicionamento, hoje infelizmente a gente tem um país extremamente polarizado.”
O advogado Flávio Martins Peron, que é especialista em procedimentos de vistos de residência, diz que sentiu “um aumento exponencial do interesse dos brasileiros pedindo visto para Portugal”.
Peron é sócio do escritório Martins & Oliveira Advogados, focado em imigração principalmente para Portugal, que protocola cerca de 70 processos de nacionalidade e 20 de visto de residência por mês. Ele conta que inclusive aumentou a equipe, que tem vinte colaboradores em São Paulo e dez em Portugal.
“Para você ter ideia, geralmente as últimas três semanas de dezembro são mais paradas e aí a gente dá férias coletivas para a equipe, mas este ano a equipe toda falou que é impossível a gente tirar férias coletivas esse ano porque o volume está absurdo”, diz.
“Não compensa tirar férias agora, já que o volume está muito alto. Triplicou o número de interessados nos serviços de vistos para Portugal (em relação aos meses anteriores).”
O advogado atribui o aumento da procura aos novos tipos de visto – nômade digital e busca de trabalho – e também à modalidade de Golden Visa, que existe desde 2012 e é voltada para estrangeiros que invistam em Portugal, como pela compra de imóveis.
“A alteração da lei (para incluir novos vistos) teve um papel fundamental nessa procura que veio para esse público de busca de trabalho e de nômade digital, mas em outros casos — de aposentados e investidores – também teve um aumento significativo por conta das eleições. Tem muita gente descontente, principalmente o público com poder aquisitivo maior querendo ter uma segunda opção e Portugal foi o escolhido desses brasileiros.”
Peron alerta para que as pessoas com intenção de imigrar façam um planejamento cuidadoso desse projeto para “não fazer como aventureiro”.
“A minha dica, principalmente para o público em busca de trabalho, é não fazer de qualquer jeito e se aventurar. É uma mudança de país. Apesar de ser a mesma língua, é uma cultura diferente, uma realidade totalmente diferente. Então tem que fazer planejado, não fazer de qualquer jeito, porque o risco de dar errado é muito alto.”
Visto de ‘nômade digital’ em Portugal
Para ter direito ao visto de “nômade digital”, Portugal pede a comprovação de uma renda mensal de quatro vezes o salário mínimo do país, que em 2023 passará de 705 euros para 760 euros. Isso significa que a renda mensal a ser comprovada a partir de 2023 será de 3040 euros, cerca de R$ 16,8 mil.
“O visto de nômade digital é indicado para quem tem um contrato de trabalho ou uma empresa fora de Portugal — só não pode ser uma empresa portuguesa — e cujo trabalho possa ser feito de forma remota”, explica Peron.
É possível renovar o visto por até cinco anos — prazo para que, segundo a regra geral, a pessoa tenha direito a pedir nacionalidade portuguesa.
A inscrição é feita pelo site da VSF, empresa terceirizada que processa os pedidos.
Visto para procurar trabalho em Portugal
Para pedir permissão para procurar trabalho em Portugal, a pessoa precisa comprovar que tem disponível uma verba equivalente a três salários mínimos portugueses (760 euros em 2023), cerca de R$ 12,5 mil.
O visto tem validade de 4 meses e é possível renovar por mais dois meses — um total de um semestre para procurar trabalho em Portugal. Se encontrar um emprego nesse período, pode solicitar o título de residência.
A inscrição é feita pelo site da VSF, empresa terceirizada que processa os pedidos.
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