- Author, Farouk Chothia
- Role, Da BBC News em Johanesburgo
O Congresso Nacional Africano (ANC, na sigla em inglês), que governa a África do Sul, parece estar prestes a perder a sua maioria parlamentar pela primeira vez desde que Nelson Mandela o levou à vitória no fim do sistema racista do apartheid em, 1994.
Se isso de fato acontecer, seria o prenúncio do fim do domínio de décadas do partido na política sul-africana, levantaria questões sobre a liderança do presidente Cyril Ramaphosa e inauguraria uma era de política de coligação.
Aqui estão três fatores que explicam como a África do Sul chegou aqui, por qual razão, e o que o futuro reserva.
1) Por trás da queda livre do ANC
O ANC já foi um movimento de libertação venerado e cravado nos corações dos sul-africanos. Mas depois de três décadas no poder tornou-se sinônimo de corrupção e má administração.
Como resultado, foi punido nas eleições de quarta-feira (29/5), especialmente por jovens que compareceram em grande número para votar contra o partido – algo inédito.
“Eles estão fartos da corrupção e são os mais afetados pelo desemprego. Eles se viraram contra o ANC”, disse William Gumede, presidente da organização sem fins lucrativos Democracy Works Foundation.
Isso marca uma divisão geracional na África do Sul – os pais desses jovens ainda são leais ao ANC, pois viveram durante o apartheid e conhecem, de perto, a rica história do movimento que libertou os negros do regime de profunda segregação racial.
Mas o apoio do ANC entre os eleitores mais velhos também diminuiu, incluindo nos centros das zonas rurais.
“O ANC perdeu apoio nas grandes cidades há muito tempo. Agora está perdendo apoio também nas zonas rurais”, disse o professor Gumede à BBC.
O ANC atingiu o seu pico eleitoral em 2004, quando obteve 70% dos votos. Perdeu apoio de 3% ou 4% em cada eleição desde então, atingindo 57% na sondagem de 2019.
Nesta eleição, o colapso na votação parece ser enorme – algo entre 8% e 15%.
2) O retorno de Zuma
O ex-presidente da África do Sul, Jacob Zuma, 82 anos, está de volta com força total.
Ele foi deposto pelo ANC em 2018, em meio a alegações de corrupção, que negou, e foi sucedido pelo presidente Cyril Ramaphosa.
Cerca de três anos depois, Zuma foi condenado a 15 meses de prisão por desacato, depois de ter desafiado uma ordem judicial para comparecer perante um inquérito que investigava corrupção durante os seus nove anos de presidência.
O presidente Ramaphosa libertou Zuma depois que ele havia cumprido apenas três meses da sua pena, em uma tentativa de acalmar os ânimos de seus furiosos apoiadores.
Mas é provável que ele se arrependa da decisão, já que Zuma regressou à linha de frente da política sob a bandeira de um novo partido, o uMkhonto we Sizwe (Partido MK), ou Lança da Nação.
Os resultados divulgados até agora sugerem que o ANC está sofrendo pesadas perdas para o MK, que poderia assumir o controle da província de KwaZulu-Natal.
A província tem o segundo maior número de eleitores, o que a torna cruzial para determinar se o ANC manterá a sua maioria parlamentar. Se Zuma ganhar em KwaZulu-Natal, isso lhe daria uma boa base para arquitetar a queda de Ramaphosa – seu maior objetivo.
A condenação de Zuma significa que ele está impedido de ocupar um assento na Assembleia Nacional, mas isso não o deixou de fora do controle dos bastidores.
O crescimento do MK é extraordinário. Registrado em setembro do ano passado, ganhou mais força em dezembro, quando Zuma anunciou seu apoio, dizendo que não poderia votar em um ANC liderado por Ramaphosa. Desde então, abalou a política sul-africana de uma forma que nenhum novo partido conseguiu em um período tão curto desde o fim do apartheid.
O correspondente do jornal sul-africano Mail & Guardian em KwaZulu-Natal, Paddy Harper, disse que o MK não só corroeu o apoio do ANC, como também o dos radicais Combatentes pela Liberdade Econômica (EFF, em inglês), o terceiro maior partido da África do Sul até agora.
Os resultados parciais sugerem que o MK está na disputa pelo terceiro lugar no parlamento.
Em KwaZulu-Natal, a votação final do EFF poderá ser de um dígito se as tendências atuais continuarem. Mesmo com o partido tendo lançado sua campanha eleitoral na província, na esperança de crescer lá, disse Harper à BBC.
O EFF e o MK defendem políticas econômicas semelhantes, incluindo a expropriação de terras pertencentes a brancos e a nacionalização de setores-chave da economia.
Mas Zuma conquistou apoiadores do EFF em KwaZulu-Natal, sua província natal.
Ele cravou sua campanha no nacionalismo zulu, evocando memórias do fundador da nação, o rei Shaka, durante o pleito.
O antigo presidente também prometeu aumentar os poderes de todos os reis e chefes da África do Sul, que atualmente têm pouco poder ou autoridade de fato, e ajudar o governo a promover o desenvolvimento nas zonas rurais onde exercem influência.
No manifesto do MK, o partido se compromete a “expropriar todas as terras sem indenização, transferindo a propriedade para o povo sob a custódia do Estado e dos líderes tradicionais”.
O MK também fez campanha baseada no histórico de Zuma no governo, dizendo que a economia piorou sob Ramaphosa.
Os apoiadores do MK também criticam Ramaphosa por impor um dos bloqueios mais rigorosos do mundo durante a pandemia de Covid, dizendo que isso agravou a pobreza e o desemprego.
3) O início de uma era de coalizão
O respeitado Conselho de Pesquisa Científica e Industrial (CSIR, na sigla em inglês) da África do Sul, e o portal News24 projetaram que a votação final do ANC poderá ficar em torno de 42%.
Se este for o caso, o resultado será catastrófico para o ANC – e para Ramaphosa.
Ele poderá ser pressionado pelo partido a renunciar, com o seu vice, Paul Mashatile, sendo apontado como um potencial sucessor.
Ramaphosa liderou o ANC em uma campanha eleitoral sem brilho, e o partido ficou tão desesperado que conseguiu que o antigo presidente Thabo Mbeki – bem como outros líderes partidários reformados – se juntassem à campanha em uma tentativa de reforçar seu voto.
O presidente é amplamente visto como fraco e indeciso. Ele se defendeu dizendo que seu foco estava na “união social”, ou na construção de um consenso.
“Aqueles que gostariam de um presidente ditatorial, aventureiro, imprudente, não encontrarão isso em mim”, disse ele, durante a campanha.
As hipóteses de Ramaphosa permanecer no cargo serão maiores se o ANC obtiver entre 45% e 50% dos votos.
Este é o resultado com que muitos membros do ANC se conformaram durante a campanha eleitoral, dizendo que o partido poderia permanecer no poder em coligação com siglas menores. Uma delas seria o Partido da Liberdade Inkatha (IFP, na sigla em inglês), que obtém o seu apoio principalmente da etnia Zulus em KwaZulu. -Natal, ou o partido muçulmano Al Jama-ah.
Mas se o ANC ficar abaixo dos 45%, é provável que precise de um grande partido para se coligar.
Poderia ser o MK, o EFF ou a principal oposição, a Aliança Democrática (DA, em inglês), que defende políticas de centro-direita, como mais privatizações e a eliminação do salário mínimo.
Qualquer acordo de coligação a nível nacional seria influenciado pelo que acontece nas províncias – especialmente nas mais populosas de Gauteng, onde se situam Joanesburgo e Pretória, e KwaZulu-Natal.
Uma possibilidade seria uma coligação entre o MK e o ANCc, tanto em KwaZulu-Natal, como a nível nacional, mas dadas as relações turbulentas entre os dois partidos, isso parece improvável.
Em vez disso, o ANC poderia tentar oferecer ao DA e ao IFP um acordo que permitiria aos três partidos governarem conjuntamente, tanto em nível nacional, quanto em KwaZulu-Natal.
“O DA e o IFP mantiveram essa opção aberta para deixar o EFF e o MK fora do governo”, disse Harper.
O apoio da Aliança Democrática parece ter crescido nestas eleições, tendo o partido recuperado os votos dos brancos que apoiaram um partido à sua direita nas últimas eleições, e de alguns negros que sentiram a necessidade de uma oportunidade no governo nacional.
A outra opção do ANC é tentar formar uma coligação com o EFF no governo nacional, bem como em Gauteng, onde o ANC também deverá perder a sua maioria absoluta.
Os líderes do ANC em Gauteng, apoiados pelo Sr. Mashatile, afirmam preferir uma coligação com o EFF. Os dois partidos dirigem atualmente o conselho municipal de Joanesburgo.
Malema, um antigo líder jovem do ANC, está aparentemente aberto à ideia.
No início deste mês, o site de notícias Daily Maverick da África do Sul publicou um texto da jornalista Ferial Haffajee em que ela escreve que o líder do EFF – que foi anteriormente condenado por discurso de ódio por cantar a canção anti-apartheid Shoot the Boer [uma referência aos agricultores brancos] – estava “mais ponderado e menos furioso” durante a campanha eleitoral. Em uma reunião municipal em abril, ele expressou a opinião de que o parceiro natural de coligação do EFF é o ANC.
“Mesmo que a comunidade empresarial e os mercados estejam assustados com uma coligação ANC-EFF, o seu potencial está claramente no centro da estratégia de Malema para chegar ao Union Buildings [a sede do governo]”, escreveu Haffajee.
“Parte do ANC apoia uma coligação com o EFF. Ao mesmo tempo, os apoiadores de Ramaphosa no ANC acreditam que tal coligação causará uma crise existencial para a cultura do antigo movimento de libertação”, acrescentou ela.
Assim, o ANC terá pela frente decisões difíceis, após uma eleição que vê a África do Sul entrar em uma nova era, com a oposição tendo o poder de formar ou de destruir o governo.
Fonte: BBC
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