- Author, Letícia Mori
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
- Twitter, @_leticiamori
“Coaches” americanos que vendem cursos para “conquistar mulheres” por até US$ 50 mil e deram festa no Brasil estão sendo investigados pela polícia de São Paulo pela suspeita de terem cometido crimes previstos na lei brasileira.
Diversas mulheres que participaram em fevereiro de uma festa em uma mansão no Morumbi, bairro nobre da capital paulista, prestaram queixa à polícia e disseram terem sido enganadas.
Após a repercussão, os dois americanos disseram que o evento tinha “pessoas adultas que estavam lá por livre e espontânea vontade”.
No entanto, algumas das mulheres relataram à polícia que o evento tinha menores de idade e que não faziam ideia de que a festa se tratava de uma “aula prática” em um curso de “pegação”.
Uma delas afirmou que acreditava ser apenas uma festa entre amigos. “Me senti enganada, traída”, disse ela à rede Globo.
O caso veio à tona após os americanos conhecidos como Mike “Pickupalpha” e David “Bond” postarem imagens da festa nas redes sociais divulgando seus cursos. Foi então que diversas mulheres descobriram que o evento na verdade era uma “aula prática”.
Os americanos oferecem cursos de até a US$ 50 mil (cerca de R$ 262,7 mil) que incluem viagens para países como Brasil, Costa Rica, Filipinas e Colômbia e a “consultoria”.
Tanto a conduta da dupla de “coaches” quanto a dos homens que pagaram pelo evento podem ser enquadradas como crimes a depender do resultado da investigação da polícia, explica o criminalista Raul Abramo.
Caso fique provado que as mulheres foram enganadas, os alunos do curso que tiveram relações com as mulheres podem ter que responder criminalmente por violação sexual mediante fraude, afirma Abramo, sócio do escritório Vilela, Miranda e Aguiar Fernandes.
Trata-se do crime de usar fraude ou outro meio que dificulte a livre manifestação de vontade da vítima para “ter conjunção carnal” ou praticar outro “ato libidinoso” com alguém. Ou seja, as mulheres podem até ter consentido na hora, mas se trata de um consentimento viciado, pois elas não sabiam a real natureza do evento.
“Existe uma discussão sobre o que é uma fraude sexual para fins penais. Você simplesmente mentir sobre sua profissão, por exemplo, na minha visão, não seria uma fraude. Mas a enganação na dimensão posta, ou seja, quando há uma clara existência de fim de exploração sexual, se encaixa mais claramente nesse crime”, afirma Abramo.
Além disso, se algum dos homens tiver se aproveitado de mulheres dopadas ou muito bêbadas – “dica” que às vezes figura em cursos de “pegação” – ele pode responder até mesmo por estupro de vulnerável.
Indução à prostituição
Caso a polícia descubra que algumas das mulheres receberam propostas sexuais de cunho econômico, ou seja, que houve propostas de prostituição durante a festa, os responsáveis pelo evento podem responder por crime de indução à prostituição.
“Para configurar esse crime basta que exista a indução, algum tipo de orientação que leve a ofertas sexuais em troca de pagamento”, explica Abramo,
Uma das possibilidades de crime que a polícia investiga é a de tráfico de pessoas, mas o criminalista não acredita que seja o caso. “Para ser tráfico de pessoas é preciso que haja cruzamento de barreiras nacionais (fronteiras)”, diz Abramo.
Além disso, outros envolvidos podem responder pelo crime de registro não autorizado de intimidade sexual, que tem pena de prisão de 6 meses a um ano – que pode ser transformada em penas alternativas.
“Caso tenham fotografado ou filmado as mulheres nuas, ou durante uma intimidade. Mesmo se houver atos sexuais no entorno, no fundo etc.”, explica o criminalista.
Para averiguar este crime, a polícia pode obter uma ordem judicial para apreender celulares dos envolvidos ou chamar as vítimas para que apresentem imagens.
As vítimas também podem processar na esfera civil tanto os organizadores do evento quanto os participantes, com pedidos de indenização por danos morais.
Estrangeiros podem responder por crime no Brasil?
Não está claro se havia homens brasileiros na festa, mas os responsáveis são americanos e vendem seu curso nos EUA.
A Justiça Brasileira pode processar e condenar cidadãos americanos por crimes cometidos no Brasil, mas o cumprimento da sentença fica dificultado caso as pessoas já tenham saído do país – o que parece ser o caso, já que a festa foi em fevereiro.
“O Brasil tem um tratado de extradição com os EUA (para entrega de criminosos condenados), mas ele não inclui esses crimes”, afirma Abramo.
O que poderia ser considerado é um pedido os EUA para que os homens cumpram a pena no país de origem, algo que precisaria ser aprovado pela Justiça americana.
A Justiça brasileira, inclusive, tem um caso parecido, mas no sentido inverso: o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ainda vai decidir se o jogador de futebol Robinho, que foi condenado na Itália por estupro, vai cumprir a pena no Brasil.
Você precisa fazer login para comentar.