- Author, Katharine Latham
- Role, Da BBC Future*
Próximo a um grupo de baleias jubartes, um navio de pesquisa toca uma gravação em um alto-falante subaquático.
Uma jubarte se separa do grupo e se aproxima. O mamífero circula o barco, vem à superfície e depois mergulha novamente, com a cauda deslizando silenciosamente na água. Durante o movimento, ela ecoa o chamado de volta.
Pesquisadores que “conversaram” com a baleia jubarte dizem que seu encontro pode ser o primeiro passo para a comunicação com a inteligência não-humana.
Foi em 2021, na costa sudeste do Alasca, que a equipe de seis cientistas reproduziu a gravação de uma “saudação” da baleia jubarte. Eles ficaram surpresos quando uma baleia que eles chamaram de Twain respondeu de maneira coloquial.
“É como experimentar outro mundo. Você as ouve vindo à superfície. Então há uma grande respiração, você pode ver, e elas estão todas juntas como um grupo. É simplesmente incrível”, diz Josie Hubbard, especialista em comportamento animal na Universidade da Califórnia em Davis.
Hubbard estava no navio de pesquisa que flutuava, com todos os motores silenciados, em Frederick Sound, no Alasca. A tripulação encontrou baleias jubarte pela primeira vez.
“De acordo com os regulamentos, é preciso parar a algumas centenas de metros de distância [das baleias] e desligar o motor”, diz Hubbard.
Raramente as baleias se aproximam.
Neste caso, Twain, de 38 anos, moveu-se em direção ao barco e circulou o navio por 20 minutos.
Hubbard faz parte da equipe de pesquisa do Seti, o projeto da Nasa (a agência espacial americana) para busca por inteligência extraterrestre. Seu nicho de pesquisa tenta compreender a complexidade comunicativa e a inteligência das baleias jubarte.
A equipe de pesquisa do Seti tem a esperança de que decifrar a comunicação das baleias nos ajude a entender os alienígenas, caso encontremos algum.
O grupo levanta a hipótese de que os sons das baleias contenham mensagens complexas e inteligentes, semelhantes às línguas usadas por humanos – ou, potencialmente, por extraterrestres.
As diferentes linguagens
No dia da “conversa”, Hubbard estava no convés superior, alheia ao trabalho dos especialistas em acústica no piso inferior.
Abaixo do convés, Brenda McCowan estava transmitindo uma gravação de um contato com uma jubarte – um whup ou throp – através de um alto-falante subaquático.
Quando Twain finalmente se mexeu, Hubbard desceu correndo e encontrou um burburinho de excitação. Twain tinha “respondido”, iniciando uma “conversa” que durou 20 minutos.
Longos, rítmicos e em constante evolução, os cantos assustadores das baleias podem fluir por bacias oceânicas inteiras. Elas tagarelam com assobios e pulsos ou usam a ecolocalização (localização atráves do som) para pintar imagens de seu mundo subaquático.
As baleias encantam os humanos há séculos. Elas têm uma longa lista de comportamentos semelhantes aos dos humanos: cooperam entre si, assim como com outras espécies, ensinam habilidades úteis umas às outras, cuidam dos filhotes de forma coletiva e brincam.
No entanto, ao contrário dos humanos, o sentido dominante nas baleias não é a visão, mas a audição. A 200 metros abaixo da superfície do oceano, a luz já está fora de alcance. O som, por outro lado, pode se mover mais longe e mais rápido na água do que no ar.
Os cetáceos misticetos (ou baleias-de-barbatanas) – incluindo as baleias jubarte, as baleias francas e as baleias azuis – desenvolveram uma laringe única que lhes permite produzir sons de frequência superbaixa capazes de viajar grandes distâncias.
As baleias azuis, por exemplo, emitem frequências tão baixas quanto 12,5 hertz, classificadas como infrassons e abaixo do limiar da audição humana.
Enquanto isso, os cetáceos odontocetos – que incluem cachalotes, golfinhos, botos e orcas – são os animais mais barulhentos da Terra e usam cliques ultrarrápidos para ecolocalização, para “ver” seu mundo, bem como pulsos e assobios suaves para se comunicar.
Os cetáceos evoluíram ao longo de 50 milhões de anos para produzir e ouvir uma variedade de sons complexos. Eles dependem do ruído para se comunicar entre si, para navegar, encontrar parceiros e alimentos, defender seus territórios e evitar predadores.
Os filhotes balbuciam como bebês humanos. Acredita-se que alguns tenham nomes, e que grupos de diferentes partes do oceano tenham dialetos regionais. Já foram ouvidas baleias imitando os dialetos de grupos estrangeiros – e acredita-se que algumas delas tenham até tentando imitar a linguagem humana.
O canto da baleia jubarte é considerado um dos mais complexos do reino animal. A primeira gravação do canto da espécie foi feita em 1952 pelo engenheiro da marinha dos EUA Frank Watlington.
Quase 20 anos depois, o biólogo marinho Roger Payne notou que essas chamadas tinham padrões repetidos. Isto transformou a nossa compreensão das vocalizações das baleias e despertou um interesse que levaria a décadas de pesquisa.
No entanto, diz McCowan, a nossa compreensão da comunicação das baleias ainda está no começo.
Naquele dia específico na costa do Alasca, McCowan já havia transmitido uma série de sons diferentes, sem resposta.
“Mas esta chamada foi gravada no dia anterior”, diz ela, “e era desta população de baleias.”
“Depois de tocar o chamado de contato três vezes, tivemos essa grande resposta. Então, para manter o animal envolvido, comecei a tentar combinar a latência de seus chamados com os nossos”, conta a pesquisadora.
“Se ela esperava 10 segundos, eu esperava 10 segundos. Acabamos nos combinando. Fizemos isso 36 vezes em um período de 20 minutos.”
Durante toda a troca, Twain combinou consistentemente as variações de intervalo entre a reprodução de cada chamada.
Acredita-se que esta seja a primeira interação intencional entre humanos e baleias na “linguagem” da baleia jubarte. E, como a gravação era do grupo familiar de Twain, acrescenta Hubbard, isto poderia indicar alguma forma de reconhecimento, possivelmente até de autorreconhecimento.
No entanto, estudar baleias tem suas dificuldades. McCowan enfatiza que Twain optou por se aproximar do barco e estava livre para sair quando quisesse – mas é aí que reside o problema.
As baleias geralmente podem ser encontradas onde quer que os peixes estejam, explica Hubbard.
“Mas não sabemos onde estão os peixes. Então, é preciso procurá-las para poder estudá-las.”
E, para obter um estudo preciso, os pesquisadores têm que repetir o experimento e comprovar os resultados com grupos diferentes de baleias.
Em seguida, a equipe planeja variar as ligações que transmite.
“Ainda estamos numa fase muito inicial”, diz McCowan.
“Um grande desafio para nós é classificar esses sinais e determinar o seu contexto, para que possamos determinar o significado. Acho que inteligência artificial (IA) nos ajudará a fazer isso.”
Inteligência artificial
A mais de 8 mil km de distância, especialistas em inteligência artificial e em processamento de linguagem natural, criptógrafos, linguistas, biólogos marinhos, especialistas em robótica e em acústica subaquática também esperam usar a IA para decifrar a conversação de outra espécie: as cachalotes.
Lançado em 2020, o projeto Ceti (iniciativa de tradução cetacea, em inglês), liderado pelo biólogo marinho David Gruber, tem registrado continuamente um grupo de baleias na costa de Dominica, uma ilha do Caribe.
Eles usam microfones em boias, peixes robóticos e etiquetas instaladas nas costas das baleias.
Gruber é um microbiólogo – um cientista que estuda o mundo microscópico – que passou a trabalhar com algumas das maiores criaturas do planeta. Ele começou sua carreira analisando as interações de bactérias e protozoários no oceano em relação ao ciclo do carbono e às mudanças climáticas.
A partir daí, ele passou por corais, águas-vivas e tubarões — até que seus interesses o levaram às baleias.
“Trata-se de ver o mundo da perspectiva dos animais”, diz ele, ou, no caso das baleias, de “ouvir o mundo”.
Os cachalotes, que têm os maiores cérebros entre qualquer espécie animal, reúnem-se na superfície do oceano em famílias e comunicam-se através de sequências de cliques semelhantes ao código Morse conhecidas como codas.
O grupo de cachalotes com o qual Ceti tem trabalhado é composto por cerca de 400 mães, avós e filhotes.
“É difícil para nós entendermos o mundo delas para além destas breves interações na superfície”, diz Gruber.
“Esta é uma criatura tão única e gentil, e há tanta coisa acontecendo… Cada vez que olhamos, encontramos uma complexidade e estrutura mais profundas na sua comunicação.”
Ele acredita que estamos atingindo um ponto de avanço tecnológico que significa que poderíamos “possivelmente” decodificar a comunicação das baleias.
Os dados coletados foram processados usando algoritmos de machine learning (aprendizado de máquina, em tradução literal) para detectar e classificar cliques, com resultados previstos para serem publicados em 2024.
O objetivo, diz Gruber, é ser capaz de reconstruir “conversas multipartidárias” – em outras palavras, criar uma “conversa” usando as vocalizações das próprias cachalotes.
Ouvir mais e falar menos
Mesmo que pudéssemos falar com as baleias, deveríamos? A capacidade de chamar as baleias poderia ser usada para caçá-las, por exemplo?
Novas tecnologias já ajudaram os caçadores antes. Tomemos como exemplo o sonar, que pode ser usado para localizar e assustar as baleias até a superfície, onde elas podem ser abatidas com mais facilidade.
“Provavelmente deveríamos ouvir mais e falar menos”, diz Samantha Blakeman, gestora de dados marinhos do Centro Nacional de Oceanografia, nos EUA.
Ela alerta que devemos ter cuidado com o antropomorfismo (a atribuição de características humanas a outros elementos da natureza).
“Como cientista, você tenta estudar as coisas sem preconceitos”, diz ela.
“Você está sempre tentando sair da fórmula, mas é algo realmente difícil de fazer.”
As baleias-de-barbatanas estão no topo da cadeia alimentar, observa Blakeman, o que significa que desempenham um papel realmente importante no ecossistema.
“São um indicador para aqueles que estudam a saúde dos ecossistemas oceânicos – porque qualquer coisa que aconteça mais abaixo na cadeia alimentar afetará o que acontece no topo”, diz Blakeman.
Mais de um quarto de todas as espécies de cetáceos estão ameaçadas, em grande parte devido à atividade humana.
As baleias também produzem fertilizantes naturais, diz Blakeman.
Mas um fator limitante para a vida no oceano é a falta de ferro. O fitoplâncton precisa de luz e nutrientes para crescer. Geralmente conseguem encontrar nitratos e fosfatos – mas o ferro tende a faltar.
As fezes das baleias, no entanto, contêm alta concentração de ferro.
“Elas se alimentam em uma área e excretam em outra”, diz Blakeman, “colocando o ferro de volta na água, o que pode causar uma onda de vida nesta nova área”.
As baleias também desempenham um papel importante no ciclo do carbono da Terra. O plâncton marinho captura carbono por meio da fotossíntese. Este plâncton é então comido pelas baleias.
“Quando morrem, [as baleias] afundam no oceano”, diz Blakeman. “Então, esse carbono é mantido fora da atmosfera por muito, muito tempo”.
Gruber espera que o trabalho de Ceti aumente a conexão do homem com a natureza.
“A IA poderia permitir-nos compreender os sistemas de comunicação de muitas outras formas de vida a um nível muito mais profundo. Penso que seria bom para o mundo se realmente ouvíssemos, se nos importássemos profundamente com o que as baleias dizem.”
Fonte: BBC
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