- Author, Redação*
- Role, BBC Future Planet
No caminho que leva à Reserva Natural Cape Point, perto da Cidade do Cabo, na África do Sul, as pessoas precisam enfrentar diariamente uma gangue que costuma abordar os carros que passam por ali.
Os indivíduos são conhecidos tanto por arrombarem os veículos de vez em quando, quanto pelo seu potente mau hálito. Trata-se de babuínos.
Esses animais passaram a viver entre as pessoas com um entusiasmo surpreendente. Dentro da cidade, grupos de primatas saqueadores aprenderam a pilhar latas de lixo e até a invadir casas, em busca de comida.
Eles se tornaram tão frequentes que já existe um telefone de emergência exclusivo sobre babuínos, que funciona 24 horas por dia. Os moradores podem usar o serviço para relatar ataques e preocupações com o bem-estar dos primatas.
É claro que os babuínos não são a única espécie silvestre atraída pela expansão urbana.
Em todo o planeta, os habitantes originais das áreas que hoje formam as cidades reocuparam seu território e aprenderam a sobreviver ao lado de milhões de pessoas.
A seguir, conheça algumas das espécies que vêm causando extraordinárias transformações nas cidades humanas.
Raposas
Às vezes, elas passeiam confiantes pela cidade e se misturam com os pedestres humanos. E, de vez em quando, é possível distinguir uma cauda felpuda saindo de um cesto de lixo.
As raposas são animais onívoros adaptáveis. Elas suplementam sua alimentação silvestre, composta de pequenas frutas e insetos, com pombos recém-caçados e restos encontrados no lixo.
Existem pelo menos 10 tipos diferentes de raposas “verdadeiras” espalhados pelo planeta. Elas variam desde a estranha raposa-do-deserto, com suas orelhas de morcego, até a carismática raposa-tibetana.
Esses animais vivem entre as pessoas há milênios. Em 1991, foram encontrados ossos antigos de um indivíduo na Argentina – e pesquisas recentes revelaram que ele pode ter sido um animal de estimação.
Hoje em dia, as raposas estão se proliferando nas áreas urbanas. Só em Londres, são 18 animais por quilômetro quadrado. Elas também são encontradas em cidades americanas, principalmente no norte e no leste do país.
Coiotes
Os coiotes se tornaram onipresentes em cidades americanas nas últimas décadas.
Esses caninos são animais oportunistas – eles comem o que estiver disponível, como ratos, coelhos, sapos, lagartos e restos de alimentos dos cestos de lixo das pessoas.
Em 2022, um estudo analisou a alimentação dos coiotes de Nova York e concluiu que eles consomem grandes mamíferos, como cervos e guaxinins, além de alimentos humanos como carne de frango, vaca e porco.
Sua alimentação flexível fez com que eles se adaptassem a viver nas cidades. Mas os cientistas alertam que o consumo de alimentos encontrados no lixo pelos coiotes pode representar risco para os seres humanos.
Os coiotes urbanos costumam ser portadores de mais parasitas e seus microbiomas podem não ser saudáveis – uma característica que já foi relacionada ao seu comportamento agressivo.
Gaivotas
Muitos passeios em cidades do litoral já foram marcados por ousadas gaivotas arrancando alimentos das nossas mãos.
Nas cidades costeiras, pode parecer que essas aves são oportunistas implacáveis, que invadem as zonas urbanas para pilhar os ricos alimentos disponíveis nos piqueniques, churrascos e até lanches de rua firmemente presos.
Mas, na verdade, fomos nós que invadimos o habitat das gaivotas. Acredita-se que a redução da quantidade de peixes e a perda do seu habitat natural fizeram com que as gaivotas urbanas procurassem alimento em outros lugares, como as cidades e os aterros sanitários.
“Ao longo do tempo, elas acumulam um repertório de comportamentos muito habilidosos que as permitem retirar alimentos dos cestos de lixo ou diretamente dos próprios seres humanos, declarou à BBC News Paul Graham, da Universidade de Sussex, no Reino Unido. “Acho que precisamos aprender a conviver com elas.”
Por isso, na próxima vez que uma gaivota voraz roubar o seu lanche, lembre-se de que nós roubamos os peixes dela primeiro.
Javalis
Embora sejam animais reclusos por natureza, os atrativos da vida suburbana estão trazendo os porcos-selvagens para as cidades.
Dos morros de Hong Kong até as praias mediterrâneas de Marbella, na Espanha – onde, certa vez, javalis se enterraram entre o solo e as folhas –, os porcos-selvagens podem agora ser observados inspecionando o lixo.
Em Berlim, na Alemanha, eles dormem em piscinas infantis. Na Espanha, dois javalis arrancaram a bolsa da pop star colombiana Shakira. E, onde quer que eles apareçam, logo surgem conflitos com as autoridades locais ou equipes de abate.
Nos Estados Unidos, os javalis são considerados pragas invasoras, já que não são nativos da região. Sua população é avaliada em cerca de seis milhões de indivíduos e está em crescimento, com grandes números em pelo menos 35 Estados.
O resultado é um prejuízo anual estimado de US$ 2,5 bilhões (cerca de R$ 12,8 bilhões) em produtos agrícolas nos Estados Unidos, como milho e amendoim.
Mas, apenas porque os animais são invasivos, isso não significa necessariamente que eles só causem impactos ruins.
Na verdade, pesquisas recentes estão investigando como seus narizes compridos e os cascos das suas patas podem trazer benefícios para os ecossistemas locais, controlando o avanço das plantas dominantes e talvez imitando os efeitos da antiga megafauna do planeta.
Hienas
As hienas são infames vilões do mundo animal. Mas elas não são tão ruins assim.
Esses mamíferos fornecem benefícios significativos para a saúde e a economia das cidades africanas onde vivem, segundo um estudo da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, em 2021.
Coletivamente, as hienas removem 207 toneladas de carcaças de animais todos os anos em Mekelle, no norte da Etiópia.
Com isso, elas evitam cerca de cinco infecções por antraz e tuberculose bovina entre os moradores humanos e 140 infecções em vacas, ovelhas e cabras, todos os anos.
Na cidade de Harar, no leste da Etiópia, esses animais chegam a se aventurar à noite dentro das muralhas da cidade.
Lá, as hienas se alimentam de restos e vísceras de animais deixados pelos açougueiros da cidade.
Pequenas aberturas nas muralhas de Harar, construídas no século 13, permitem que os animais passem livremente – são os chamados portões das hienas.
Comunidades próximas às cidades etíopes valorizam as hienas porque “compreendem os serviços sanitários que elas oferecem”, declarou à BBC o biólogo Chinmay Sonawane, da Universidade de Stanford, na Califórnia (Estados Unidos).
Elefantes
Existem animais que podem ser frequentemente observados conferindo o mau cheiro de pilhas de lixo nos arredores da cidade de Kotdwar, no distrito de Uttarakhand (norte da Índia).
Eles examinam o lixo com o nariz, parando de vez em quando para engolir algum bocado saboroso que encontraram.
Mas estas criaturas não são ratos, nem cães selvagens se banqueteando entre os resíduos descartados pelas habitações humanas. Na verdade, trata-se de um dos maiores animais terrestres do planeta: o elefante-asiático.
Kotdwar passa por rápido crescimento e sua população estimada é de 45 mil pessoas. Ela fica às margens dos habitats florestais onde os elefantes são normalmente encontrados.
À medida que a população urbana se aproximou da floresta, ela trouxe consigo novas e surpreendentes fontes de alimentos para os elefantes.
Um estudo das fezes de elefantes encontradas nas florestas de Uttarakhand e regiões próximas encontrou sinais evidentes de que os animais buscam alimento entre os resíduos descartados pelo ser humano. Aparentemente, os elefantes que vivem perto de Kotdwar foram particularmente atraídos por essa vida mergulhada no lixo.
Mas, infelizmente, todas as amostras das suas fezes encontradas perto de Kotdwar continham embalagens plásticas, sacos, recipientes de alimentos e até talheres descartáveis que eles haviam comido enquanto procuravam por restos de comida, segundo os pesquisadores da Universidade Jawaharlal Nehru, na capital indiana, Nova Déli.
Estes hábitos também foram observados entre os elefantes-asiáticos no Sri Lanka. Lá, os aterros sanitários fornecem uma fonte de alimento acessível para os animais.
Um estudo dos elefantes que se alimentam do lixo de um aterro no sul do Sri Lanka concluiu que os animais estavam em “melhores condições corporais” do que os que não se alimentavam do lixo humano. Mas também existem relatos de mortes de elefantes depois de comerem grandes quantidades de lixo plástico nos aterros.
Existe também o temor de que o risco de encontros perigosos entre as duas espécies aumente, à medida que as populações urbanas crescem em regiões normalmente ocupadas por elefantes selvagens. E os conflitos entre seres humanos e elefantes costumam trazer consequências fatais para ambos os lados.
Abutres
Desde os tempos antigos, os abutres são considerados símbolos de azar e prenúncios da morte.
Mas essas aves necrófagas, que se alimentam exclusivamente da carcaça de animais mortos, desempenham papel fundamental na prevenção da difusão de patógenos para os seres humanos e animais selvagens, além de evitarem que os contaminantes se espalhem para o meio ambiente.
Os abutres estão desaparecendo em velocidade alarmante no sul da Ásia e na África. O envenenamento generalizado pelo analgésico veterinário diclofenaco nos anos 1990 e 2000 levou a uma redução de 99% da população das três espécies de abutres mais comuns da Índia. Esta mortandade só foi interrompida com a proibição do uso do medicamento.
Mas, na África, muitos abutres são mortos devido a crenças religiosas. Suas cabeças são vendidas como amuletos de boa sorte ou moídas e usadas em remédios tradicionais.
Ursos
Nos Estados Unidos, é mais fácil ser morto por uma abelha do que por um urso. Mas os incidentes com ursos invadindo áreas habitadas por seres humanos são cada vez mais comuns.
Mas os ursos são os invasores ou será o contrário?
O urso-pardo costumava habitar a maior parte do oeste dos Estados Unidos. Já o urso-negro era comum nas áreas florestais de todo o país.
Mas, atualmente, 2 mil ursos-pardos ocupam apenas 6% do seu habitat histórico, enquanto 300 mil ursos-negros vivem em 50% da região que eles ocupavam anteriormente.
Os ursos são criaturas curiosas e muito inteligentes. Seu poderoso olfato e apetite voraz os levam a viajar por grandes distâncias em busca de alimento.
A maioria dos conflitos com ursos acontece quando o alimento de origem humana – como lixo, ração de cachorro ou árvores frutíferas – está disponível facilmente. Imagens de ursos invadindo residências para roubar comida já foram capturadas por câmeras de vigilância.
Um dos animais pesava 226 kg e ganhou o apelido de “Hank, o Tanque”.
A caça ao urso ainda é permitida em alguns Estados americanos, mas as agências governamentais responsáveis pela vida selvagem estão educando o público a coexistir pacificamente com esses animais.
Íbis
Com seu enorme corpo branco, longas patas e grosso pescoço, o íbis-branco-australiano, às vezes, é descrito como gracioso e elegante – pelo menos, no seu habitat natural nos pântanos. Mas, nas cidades australianas, seu comportamento é diferente.
A “galinha do lixo” ou “peru de patas compridas” – como a ave costuma ser chamada, de forma não muito afetuosa – pode ser frequentemente encontrada perambulando pelas estações de tratamento de esgoto ou ciscando no lixo.
As comunidades urbanas dessas aves costumam ser consideradas mais como pragas do que como tesouros nacionais. Mas pesquisas indicam que elas podem oferecer um reservatório vital de diversidade genética, que pode ajudar a reabastecer populações selvagens em outros lugares.
Vespas
As vespas são conhecidas como os eternos estraga-prazeres dos piqueniques. Elas chegam voando para devorar sanduíches de geleia, saladas de frutas e outras guloseimas.
Mas o seu gosto pelos doces talvez seja superestimado. Em ambientes selvagens, elas se alimentam de carniça com o mesmo prazer com que consomem frutas maduras demais.
Há relativamente pouco tempo, a vespa-europeia chegou a algumas regiões que ela não ocupava, como a Austrália e a Nova Zelândia. E os cientistas conseguiram observar seu profundo impacto sobre outras espécies necrófagas.
Um estudo realizado na Austrália em 2020 demonstrou que as vespas chegam rapidamente às carcaças frescas para se alimentar e atacam suas concorrentes, as moscas-varejeiras.
Os ataques das vespas são tão agressivos que as moscas não conseguem depositar ovos. E espécies necrófagas vertebradas maiores também sofrem ataques, como os dingos.
Existem ainda evidências de que as vespas estão se adaptando à vida na cidade em nível genético, à medida que as mudanças climáticas causam aumento das temperaturas.
Um estudo recente concluiu que as áreas urbanas mais quentes e com menos vegetação costumam abrigar vespas menores. Esse fato pode fornecer uma vantagem evolutiva, pois seus corpos mais leves consomem menos energia para permanecer voando.
* Com colaboração de Zaria Gorvett, Isabelle Gerretsen, Richard Gray, Lucy Sherriff, Stephen Dowling, India Bourke e Martha Henriques.
Fonte: BBC
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