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Organizações criminosas aproveitam expansão do mercado de apostas para aplicar fraudes

De Rogério Cruz Guapindaia, pouco se sabe. Fundador da Alphabets Investimentos Esportivos, ele arrastou uma multidão de investidores, especialmente na Região dos Lagos, ao se denominar “gênio das apostas de futebol”.

Oferecia lucros de 1,2% a 3,2% ao dia até desaparecer, em setembro do ano passado, levando junto o dinheiro dos clientes. Um ano depois, frente à certeza de que a Alphabets era pirâmide financeira escondida atrás de um aplicativo de apostas, os investidores já não têm esperança de reaver o dinheiro.

Na esteira do boom do mercado bet, como são conhecidas as casas de apostas digitais, crescem também os casos de fraude e os sinais da presença de organizações criminosas no negócio. Na semana passada, em busca e apreensão na casa onde Rogério de Andrade foi preso, em Petrópolis, os investigadores encontraram provas de que o bicheiro mantinha um site de apostas denominado Heads Bet.

A manipulação de resultados é outro efeito colateral desta expansão do mercado. A Sportsradar Integrity Services (SIS), referência mundial em monitoramento de fraudes esportivas, descobriu indícios de atividades suspeitas no Campeonato Cearense, razão pela qual o Crato Esporte Clube foi excluído do torneio esse ano.


 

As investigações contra os responsáveis, contudo, não seguem na mesma velocidade do aumento das ocorrências. Por entender que a exploração de jogos de azar é contravenção penal, conduta de menor potencial ofensivo, as autoridades não priorizam os casos. Até agora, o inquérito que mais avançou foi a Operação Distração, da Polícia Federal (PF) em Sergipe, que desbaratou uma quadrilha envolvida com a prática de exploração de jogos de azar, lavagem de dinheiro e evasão de divisas por intermédio de um site de apostas, o EsporteNet, sediado em Curaçao, ilha do Caribe.

Fica provavelmente em Curaçao o Heads Bet, site atribuído pelo Grupo de Atribuição Especializada em Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio de Janeiro ao bicheiro Rogério de Andrade. Para os investigadores, os papéis apreendidos na casa do bicheiro indicam a expansão internacional dos negócios de Rogério.

A incursão do bicheiro no mundo bet, de acordo com a investigação, abrangia apostas presenciais e virtuais. Preso junto com Rogério, Gustavo de Andrade, filho do bicheiro, prestou depoimento à Delegacia de Homicídios da Capital, em 2020, no âmbito do inquérito sobre as mortes da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, no qual admitiu que um funcionário da empresa de sua família, Renato Peçanha Pires, o Renatinho, constituiu sociedade com o sargento reformado da PM Ronnie Lessa, para montar um bingo e casa de apostas no Quebra-Mar, na Barra da Tijuca.

Para o Gaeco, Renatinho seria um laranja para esconder o nome do bicheiro como verdadeiro proprietário. Preso desde março de 2019, Lessa será julgado pelas execuções de Marielle e Anderson Gomes.

A EsporteNet, alvo principal da Operação Distração, deflagrada no ano passado pelo Ministério Público Federal, foi a principal patrocinadora do Fortaleza Esporte Clube. Na operação, foram apreendidos mais de R$ 13 milhões, além de carros, celulares, equipamentos eletrônicos e documentos nas duas fases da operação, deflagradas em março e em setembro de 2021.

Cabo Frio foi a cidade escolhida por Rogério Cruz para montar a base da Alphabets. O operador se apresentava nas redes sociais como ex-jogador de futebol, corretor de imóveis e gerente de restaurante até se “encontrar como trader esportivo e investidor do mercado de apostas”. Para conquistar os clientes, garantia fazer o dinheiro “render como nenhum outro investimento”.

A Alphabets tinha um pequeno escritório no centro de Cabo Frio, mas Rogério, segundo clientes, apareceu somente duas vezes na cidade da Região dos Lagos. Preferia operar pelas redes sociais, onde também postava fotos da vida pessoal, entre as quais uma em que aparece no aniversário do filho com um tênis avaliado em R$ 14 mil.

— Rogério vendeu a ideia de que era gênio das apostas esportivas. Como botava a cara, sem vergonha de aparecer, acabei acreditando. Pelas regras do negócio, o cliente ganhava um percentual caso indicasse uma pessoa. Era claramente um indício de pirâmide, mas não liguei na época — disse o lojista Samuel dos Santos Valadares, um dos lesados.

A Alphabets, que se apresentava em Cabo Frio como “o primeiro robô de operações esportivas do Brasil”, fechou as portas em setembro de 2021, dias depois da operação Kriptos, que prendeu Glaidson Acácio dos Santos, o “Faraó dos Bitcoins”, outro operador acusado de montar uma pirâmide financeira disfarçada. Na cidade, ficou a impressão de que Rogério resolveu desaparecer antes de também ser preso.

A notícia pegou de surpresa os investidores da plataforma de apostas, que procuraram Rogério nas redes sociais para esclarecer dúvidas e cobrar os valores que guardavam na plataforma. Alguns deles ameaçaram o operador, enquanto outros fizeram boletins de ocorrência nas delegacias.

Em imagens que circularam nas redes sociais, após abandonar o negócio, Rogério apareceu desdenhando de clientes insatisfeitos. “Você não vai receber nada” e “Obrigada pelo seu dinheiro” foram algumas das frases atribuídas a ele. Também utilizando as redes sociais, em um vídeo em tom de alerta, ele deixou um recado sem espaço para dúvidas para aqueles que o ameaçavam:

— Vocês não tem noção de quem vocês estão mexendo. Vocês não sabem quem é meu corpo jurídico, vocês não sabem os amigos policiais que eu tenho, a influência que a gente tem dentro do governo. Prestem bastante atenção quando forem me ameaçar.

Além de já ter sido preso, em 2017 por tráfico internacional de drogas e ligação com o tráfico, Rogério acumula mais de 600 processos na justiça brasileira. A Alphabets é apenas uma das razões sociais da empresa, que já teve o nome de PoupeInveste EIRELI, Green Bilionários e RC Investimentos LTDA.

Apesar de autorizadas a operar no Brasil por decreto assinado por Michel Temer em dezembro de 2018, as casas de apostas ainda não são regulamentadas. Sendo assim, sites e apps de apostas esportivas ainda precisam ser hospedados em servidores no exterior para poder operar no Brasil e não podem ter escritórios por aqui. Estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) estima que o mercado de apostas esportivas no Brasil movimente entre R$ 4 bilhões e R$ 9 bilhões anualmente.

Procurados, os advogados de Rogério de Andrade informaram que só se pronunciarão sobre as imputações ao cliente após conhecer o inteiro teor da acusações. Rogério Cruz não foi localizado para se defendem, bem como os responsáveis pelo EsporteNet.

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Fonte: Folha PE

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