- Author, Emma Vardy & Sam Granville
- Role, BBC News, New Mexico
O sucesso do filme Oppenheimer jogou luz sobre o trabalho feito por cientistas que desenvolveram a primeira bomba nuclear no Novo México. Mas, 80 anos depois, alguns locais dizem que suas histórias ainda não foram contadas.
“Os meus dois avôs tiveram câncer, minhas duas avós tiveram câncer, meu pai teve câncer três vezes, minha irmã tem câncer“, diz Tina Cordova enquanto folheia as páginas de um álbum de família na sala de estar da sua casa.
“Eu perdi a conta de quantos tios, tias e primos tiveram câncer. E minha família não é a única.”
Tina mora em Albuquerque, a cerca de duas horas de carro de onde a bomba atômica foi desenvolvida.
O teste está no centro do filme dirigido por Christopher Nolan, Oppenheimer, que acompanha a trajetória do físico e da equipe de cientistas e engenheiros que trabalhou com ele para desenvolver essa bomba.
O filme, favorito em várias categorias no Oscar neste domingo, examina os conflitos morais dos homens e mulheres que mudaram o mundo com o trabalho que fizeram no deserto sob um manto de segredo.
Mas Tina Cordova diz que o filme não revela nada sobre o legado da bomba atômica com o qual, segundo ela, sua família tem vivido por gerações.
A detonação é um momento memorável do filme, com cientistas recebendo óculos escuros especiais e se reunindo para assistir suas teorias e cálculos virarem realidade.
Mas o episódio, de acordo com Tina Cordova, teve consequências inesperadas.
“Nós acreditamos firmemente que fomos superexpostos à radiação durante o teste de explosão da bomba e também durante as detonações que aconteceram em Nevada”, diz Tina, que foi diagnosticada com câncer na tireoide aos 39 anos. Sua sobrinha de 23 recebeu o mesmo diagnóstico.
O câncer é a segunda causa de morte mais frequente nos Estados Unidos. Enquanto uma conexão entre a exposição à radiação e o câncer ainda não foi provada de forma conclusiva, Tina tem documentado centenas de casos de famílias com muitos casos da doença entre múltiplas gerações.
Um deles é o de Paul Pino, que diz que a ficha caiu quando ele foi a uma palestra de Tina sobre a radiação alguns anos atrás. “Foi uma constatação brutal, que nos atingiu como uma avalanche”, ele lembra.
A família de Paul vivia a cerca de 50 quilômetros do local do Teste Trinity e, como Tina Cordova, ele perdeu vários dos seus parentes para o câncer. Seu irmão morreu de câncer no estômago e sua mãe, de câncer nos ossos. A irmã tem câncer na tireoide, a filha teve câncer de pele e duas tias tiveram tumores no cérebro.
O governo dos Estados Unidos criou fundos para compensar pessoas que viviam nas áreas onde os testes aconteceram, mas o Novo México ainda não foi incluído.
Isso pode mudar agora.
Uma ampliação da Lei de Compensação por Exposição à Radiação, que incluiria os residentes das áreas afetadas no Novo México, deve expirar em junho. Esta semana, o Senado aprovou o projeto de lei. Agora, ele segue para a Câmara, e a administração Biden já indicou anteriormente que apoia o projeto.
Quando a bomba atômica foi usada no Japão, ela efetivamente encerrou a Segunda Guerra Mundial. O número de mortos pesou na consciência de Oppenheimer no filme, mas os potenciais riscos para as pessoas que viviam nos próprios Estados Unidos não foi explorado no roteiro.
“Eles [os responsáveis pelo filme] nunca reconheceram o sacrifício ou o sofrimento das pessoas do Novo México”, diz Tina Cordova.
Em outras regiões do estado, o filme é visto de forma menos negativa – especialmente em Los Alamos, a cidade secreta onde a equipe de Oppenheimer desenvolveu a bomba.
Para os moradores de Los Alamos, não é a história que o filme conta que está repercutindo mais, mas sim seu impacto na economia local.
“Nossa pequena cidade virou de cabeça pra baixo”, diz Todd Nickols, cujos pais eram cientistas. “Nós fomos inundados de turistas.”
Em Los Alamos, a paisagem é bonita: as pedras vermelhas se encontram com o céu azul até onde os olhos podem ver. É um lugar para os melhores cérebros do país se deixarem levar pela imaginação e fazerem grandes descobertas científicas, longe da curiosidade e das distrações.
“Meu pai era físico nuclear, minha mãe era geneticista”, diz Nickols. “E este foi um lugar maravilhoso pra crescer. Nós temos orgulho da ciência, da tecnologia.”
O nome de Oppenheimer é onipresente na cidade. Há uma rua, uma estátua e vários murais dedicados a ele. Muitos dos moradores também foram figurantes no filme.
“Nós certamente não estamos glorificando as mortes causadas pela bomba, de jeito nenhum, porque foi uma situação horrível, horrível”, diz Nickols. “Mas a Segunda Guerra também foi horrível.”
Hoje, cientistas em Los Alamos ainda têm papel importante na produção de componentes para ogivas nucleares. À medida que o governo americano moderniza suas armas, o laboratório tem aumentado a produção.
Se você parasse uma pessoa aleatória na rua e se dirigisse a ela como “doutor(a)”, você provavelmente acertaria. Los Alamos tem a maior taxa de doutorados per capita no país inteiro.
“Meu avô trabalhou no laboratório, minha mãe trabalhou no laboratório, na verdade eu sou a primeira pessoa da minha família em três gerações que não foi trabalhar no laboratório”, diz Gerald Burns, que trabalha em um bar que serve uma cerveja chamada “Hoppenheimer” (“hop” é “lúpulo” em inglês).
O filme claramente foi bom para os negócios – o bar vende camisetas com imagens de Oppenheimer e a frase “sem ciência, sem cerveja”. Mas e os aspectos morais por trás do que tudo isso simboliza?
“Nós temos uma visão com muitas nuances e equilibrada de tudo isso”, ele diz. “Nós temos respeito e consideração por quando as coisas dão errado, ou quando são usadas como armas.”
Outros veem a questão de forma diferente. Em Albuquerque, um pequeno grupo de pessoas que protestam pela paz se juntaram para fazer manifestações semanais contra o trabalho que continua acontecendo em Los Alamos. “Diga não às armas nucleares”, dizem as placas. “Proíbam a bomba.” Os panfletos que eles distribuem dizem que os Estados Unidos estão usando o laboratório para reviver a corrida nuclear.
À medida que a cerimônica do Oscar se aproxima, Tina Cordova espera que o burburinho em torno do filme jogue luz sobre os riscos para a saúde que ela diz que são claros e reais.
Sem as pessoas do Novo México, não haveria projeto de pesquisa e um filme sobre Oppenheimer, ela diz. “Eu acho que foi vergonhoso. Eles tinham a oportunidade de fazer algo realmente incrível.”
Fonte: BBC
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