A ocorrência de incêndios em comunidades, especialmente em ocupações de palafitas, põe em evidência dois problemas históricos que caracterizam a realidade das metrópoles brasileiras: a vulnerabilidade socioeconômica e o déficit habitacional. Na sexta-feira (6), o fogo deixou toda uma comunidade desabrigada no bairro do Pina, Zona Sul da Capital pernambucana.
O arquiteto e urbanista Francisco Cunha lembra que quase metade da população do Recife vive em moradias com mínimas condições de habitabilidade.
“A construção de habitacionais é muito inferior à demanda. Acontecem invasões em ambientes insalubres ou em áreas de preservação ambiental, o que desestrutura qualquer tipo de política urbana. Morar entre duas pontes na beira da maré é não ter condições mínimas de segurança. Basta um botijão vazar e explodir que tudo pega fogo”, diz.
O especialista observa ainda que os estados e municípios são bastante dependentes de recursos federais para reverter essa situação.
“O problema, para ser enfrentado, carece de uma política nacional. Não tem nenhum estado que tenha uma política de construção de habitacionais ou transformação de comunidades carentes em bairros”, afirma. “Não basta pensar só na casa. Você tem todo o entorno, a cidade propriamente dita, o ambiente público, onde as pessoas transitam”.
Condições sociais
Marginalizadas no espaço urbano, as palafitas são uma face visível de uma sociedade extremamente desigual que tem assistido à deterioração da qualidade de vida das classes menos favorecidas. A alta do desemprego após anos de pandemia e crise econômica se reflete no cenário das cidades, com o reaparecimento de habitações insalubres em áreas onde, até pouco tempo, elas se tornavam menos comuns.
“De repente, os direitos sociais são retirados e há um retorno de elementos de precariedade, gente mendigando e pedindo comida nos sinais. Isso é reflexo de uma sociedade que tem problemas de fundo muito mais sérios”, analisa o professor Fabiano Diniz, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Na visão do pesquisador, é preciso recolocar essa população empobrecida no foco das políticas urbanas e sociais. “Durante algum tempo, nós convivemos com uma perspectiva sem palafitas e elas foram retomando progressivamente”, avalia.
“Culturalmente, na nossa sociedade, a palafita é uma representação de tudo que é negativo. Mas, para os povos ribeirinhos da Amazônia ou da Ásia, a convivência com a subida e descida da água é comum, há um cuidado melhor, com um material mais resistente e adaptado. Recife é um ponto quente em termos de fragilidade diante das mudanças climáticas e a tipologia da palafita podia ser uma solução se fosse mais bem tratada”.