• Natalie Sherman
  • Da BBC News em Nova York

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O risco de os EUA atingirem o limite de dívida é o maior em anos

O governo dos Estados Unidos atingiu o limite estabelecido por lei para tomada de empréstimos. O Departamento do Tesouro está tomando medidas para evitar um calote que poderia ser devastador para a economia do país com repercussões para o resto do mundo.

Atingir o teto da dívida significa que o governo não tem mais permissão para tomar dinheiro emprestado — a menos que o Congresso concorde em suspender ou alterar o limite da dívida, que atualmente é de quase US$ 31,4 trilhões.

Normalmente é isso que acontece.

Desde 1960, os políticos aumentaram, estenderam ou revisaram a definição do limite da dívida em 78 ocasiões — incluindo três apenas nos últimos seis meses.

Mas desde que os republicanos assumiram o controle da Câmara dos Deputados, pedindo cortes de gastos, novas tensões surgiram no Congresso. Alguns acreditam que os parlamentares atrasarão qualquer definição sobre a dívida desta vez, levando os EUA a um calote intencional pela primeira vez em sua história.

O que aconteceria nesse cenário?

O que os EUA farão agora?

Para a maioria das pessoas, o impacto deve ser quase imperceptível — pelo menos nos primeiros meses.

O Tesouro dos EUA pode administrar a situação tomando medidas que evitem extrapolar o limite da dívida. No passado, isso incluiu medidas como a suspensão de investimentos em fundos de saúde e aposentadoria para funcionários federais. Posteriormente esses investimentos acabam sendo feitos com uma compensação de modo a manter o nível devido.

Em uma carta de 19 de janeiro, a secretária do Tesouro Janet Yellen anunciou um “período de suspensão de emissão de dívida” semelhante para o Fundo de Aposentadoria e Incapacidade do Serviço Civil (CSRDF, na sigla em inglês) até 5 de junho e a suspensão de pagamentos ao Fundo de Benefícios de Saúde para Aposentados do Serviço Postal (PSRHBF).

“Por lei, o CSRDF e o PSRHBF serão complementados assim que o limite da dívida for aumentado ou suspenso”, diz a carta. “Os aposentados e funcionários federais não serão afetados por essas ações.”

Mas mesmo atrasos têm consequências importantes.

O impasse sobre a questão em 2011 levou a agência de crédito S&P a rebaixar a classificação do país — até então algo inédito nos EUA.

Analistas do governo estimaram que os atrasos naquele ano fizeram com que o custo dos empréstimos do Tesouro dos EUA aumentasse em pelo menos US$ 1,3 bilhão, pois os investidores exigiam taxas mais altas devido à incerteza.

Os analistas já esperam que o debate sobre o assunto este ano deixe os mercados financeiros nervosos.

A secretária do Tesouro, Janet Yellen, estimou que medidas especiais podem ajudar os EUA a ganhar tempo até pelo menos junho, quando o governo não teria mais dinheiro para pagar suas contas.

Esse é o cenário que analistas veem como uma catástrofe econômica.

Alguns acreditam que as autoridades precisam fazer o possível para evitar a inadimplência. Isso significa achar maneiras de pagar juros enquanto outras obrigações não são pagas, como pagamentos de fornecedores de defesa; cheques da Segurança Social, recebidos por aposentados em todo o país, e salários de funcionários do governo, incluindo de militares.

Mesmo algo tão básico quanto as previsões do tempo podem ser afetadas, já que muitos meteorólogos dependem de dados do Serviço Nacional de Meteorologia, financiado pelo governo.

Um calote pode acabar com a confiabilidade do país, abalando os mercados financeiros globais, onde a dívida dos EUA é amplamente negociada e tradicionalmente vista como sendo de baixo risco.

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O presidente Joe Biden não aceitou pedidos para cortar gastos em troca do aumento do limite da dívida

O dólar enfraqueceria e os custos dos empréstimos disparariam — a princípio para o governo, mas, em última instância, também para as pessoas em geral, na forma de taxas de juros mais altas para empréstimos imobiliários e dívidas de cartão de crédito.

Chegar a esse ponto seria inédito para os EUA e causaria danos generalizados na confiança do consumidor e na economia, que já se encontra em estado precário.

“O não cumprimento das obrigações do governo causaria danos irreparáveis à economia dos EUA, aos meios de subsistência de todos os americanos e à estabilidade financeira global”, alertou recentemente Yellen.

Por que isso se tornou um problema crescente?

O limite da dívida foi introduzido pela primeira vez em 1917, como forma de dar flexibilidade ao governo para arrecadar dinheiro durante a Primeira Guerra Mundial. Em teoria, isso dá ao Congresso uma maneira de manter certo controle sobre os gastos do Executivo.

Mas as brigas por causa do teto da dívida tornaram-se cada vez mais tumultuadas, com maior polarização política. A dívida dos EUA disparou, praticamente dobrando em uma década.

Isso se deve em parte aos grandes gastos do governo durante a crise financeira e a pandemia — mas também é um reflexo do fato de que o país teve déficit orçamentário (gastou mais do que arrecadou) em todos os anos desde 2001.

O teto da dívida sempre foi uma moeda de barganha política.

A briga de 2011 sobre o limite da dívida foi resolvida quando o então presidente Barack Obama concordou com cortes de gastos exigidos pelos republicanos no valor de mais de US$ 900 bilhões — e o limite da dívida foi aumentado em um valor semelhante.

Alguns republicanos estão pressionando por cortes de gastos novamente agora — mas desta vez os democratas rejeitam a ideia.

Brasil

O teto da dívida pública dos EUA é diferente do teto de gastos adotado no Brasil. No caso americano, a lei impõe limites sobre quanto dinheiro o governo pode tomar emprestado. No caso brasileiro, o limite é imposto ao orçamento do ano.

Aprovado no Congresso em 2017 durante o governo de Michel Temer, o teto de gastos foi alvo de críticas dos dois candidatos à Presidência — Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro — nas últimas eleições.

Em 2022, o governo Bolsonaro chegou a estudar a substituição do teto de gastos por algo parecido com um teto da dívida, mas a ideia não foi implementada.

O novo ministro da Economia de Lula, Fernando Haddad, já prometeu que o Brasil terá um “novo arcabouço fiscal” em abril deste ano, mas não está claro qual será o seu plano.