- Author, Rafael Barifouse
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
- Twitter, @RafaelBarifouse
Ataques criminosos coordenados foram registrados em ao menos 19 cidades do Rio Grande do Norte desde o início da madrugada de terça-feira (14/3).
O governo do Estado afirmou que havia sido alertado sobre a possibilidade de ocorrerem ataques e que tomou medidas preventivas.
“Colocamos todo o sistema em atenção, com ações que começamos a empreender ontem à tarde para atenuar qualquer ação que tivesse”, afirmou o secretário de Segurança Pública e Defesa Social, Francisco Araújo, em uma coletiva de imprensa.
Mas isso não impediu tiros e incêndios em prédios públicos, comércios e veículos na capital, Natal, e em Acari, Boa Saúde, Caicó, Campo Redondo, Cerro Corá, Jaçanã, Lagoa D’anta, Lajes Pintadas, Macau, Macaíba, Montanhas, Mossoró, Nísia Floresta, Parnamirim, Santo Antônio, São Miguel do Gostoso, Tibau do Sul e Touros.
Até o momento, 21 pessoas foram presas e uma morreu em confronto com a polícia. Também foram apreendidas armas, munições, artefatos explosivos, veículos, dinheiro e drogas.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), autorizou o envio de agentes da Força Nacional para reforçar a segurança no Rio Grande do Norte a pedido da governadora Fátima Bezerra (PT).
Os primeiros agentes devem chegar ao estado ainda hoje. Serão disponibilizados 100 homens e 30 viaturas.
O Ministério da Justiça também determinou que a Polícia Rodoviária Federal reforce o patrulhamento no Estado.
“Outras ações estão sendo providenciadas e posteriormente serão anunciadas”, afirmou Dino em suas redes sociais.
Bezerra, que se reuniu com Dino e com o secretário nacional de Segurança Pública, Tadeu Alencar, na terça-feira, afirmou que os ataques são “inaceitáveis” e “repugnantes”.
“Quero declarar todo nosso repúdio aos inaceitáveis episódios de violência ocorridos hoje no nosso Estado e declarar que todo trabalho está sendo feito para que os criminosos sejam presos, julgados e punidos com todo o rigor da lei”, disse.
Os motivos dos ataques
A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (Sesed) do Rio Grande do Norte afirmou que os ataques foram uma retaliação a ações de combate ao tráfico e ao crime organizado.
“Acreditamos que, com ações policiais anteriores, há 15 dias, onde houve um enfrentamento da segurança pública em relação a infratores, onde foi apreendida grande quantidade de drogas e armas, isso inquietou a delinquência a enfrentar o sistema de segurança pública”, disse o secretário Francisco Araújo.
No entanto, uma convocação – ou “salve”, no jargão criminoso – que circula pelo WhatsApp, supostamente de autoria da facção Sindicato do Crime, afirma que os ataques seriam uma resposta às condições do sistema prisional do Rio Grande do Norte, descritas como “degradantes”.
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil concordam que o sistema prisional do Estado é um dos fatores que podem estar por trás das ações criminosas.
“Dizer que o que aconteceu é só uma retaliação é invisibilizar um problema maior”, diz a antropóloga Juliana Melo, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e pesquisadora do sistema prisional e da área de segurança pública.
“Quanto pior a prisão é, mais violenta é a sociedade. Tudo o que acontece dentro do sistema prisional tem consequências para o que acontece do lado de fora. Nosso sistema prisional é marcado por violação de direitos humanos enormes, e o sistema potiguar consegue ser pior do que outros lugares do Brasil.”
O cientista criminal Ivenio Hermes, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e do Observatório da Violência da UFRJ, destaca que foram tomadas algumas medidas tomadas ao longo dos últimos anos para que o poder público reassumisse o controle do sistema prisional do Estado.
“A ordens emanadas de dentro das prisões chegavam com facilidade até o lado de fora, onde os criminosos agiam conforme essas orientações. Houve desde então um cerceamento dessas informações, com maior controle de portarias, investimentos em raio-x e segurança, contratações de policiais e investimentos em treinamento, separação das facções”, diz Hermes.
No entanto, o pesquisador avalia que não houve um esforço na mesma medida para garantir melhores condições aos detentos.
“Mesmo com as melhorias para hermetização do sistema prisional, as melhorias do fator humano ainda estão aquém, então, as demandas por estas melhorias podem estar entre os fatores que causaram essa situação.”
Juliana Melo diz que a reforma do sistema prisional do Estado não impediu que os direitos dos presos continuem a ser violados.
“Há superlotação, agressões e tortura sistemáticas, privação de alimentos e de remédios, facções rivais continuam nos mesmos pavilhões, o que gera um grande pavor nas famílias dos presos… O fato é que as prisões do Rio Grande do Norte são verdadeiros campos de concentração.”
A Sesed foi procurada para comentar o assunto, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.
Histórico de violência
O Rio Grande do Norte é um dos Estados mais violentos do Brasil, segundo o Atlas da Violência, um relatório anual produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada com a colaboração do FBSP.
Em 2019, de acordo com os dados mais recentes, o Rio Grande do Norte tinha a 2ª maior taxa de mortes por armas de fogo do país, a 7ª maior de homicídios e a 10ª de mortes violentas por causas indeterminadas.
“O Rio Grande do Norte teve historicamente pouco investimento em segurança pública, ficou abandonado por muitos anos. Não tinha investimento em material humano, em capacitação, em estudos para combater a criminalidade de forma inteligente, e, onde não tem isso, a criminalidade se expande”, diz Ivenio Hermes.
“Houve um esforço das forças de segurança desde 2018, mas ainda está aquém. A retomada recente do investimento é como tentar frear um trem em alta velocidade e empurrar na outra direção.”
Nas últimas duas décadas, facções do crime organizado se instalaram e prosperaram no Estado, segundo os pesquisadores ouvidos pela BBC News Brasil.
“Houve um movimento de expansão do PCC [Primeiro Comando da Capital] pelo Brasil, almejando o controle do cultivo e da distribuição de drogas, e o Nordeste é muito importante, porque é um ponto de escoamento, em especial o litoral do Rio Grande do Norte, que é o ponto mais próximo da Europa, então, é importante estar aqui”, diz Juliana Melo.
O PCC ganhou nos últimos dez anos a concorrência do Sindicato do Crime, que surgiu como uma dissidência da facção paulista e, hoje, é a principal organização criminosa do Estado.
“Eles foram assumindo protagonismo lentamente, mas de forma assertiva, buscando e suprindo as fraquezas dos seus rivais, e foram muito proativos em se espalhar pelo Estado”, afirma Hermes.
“Hoje, eles têm uma presença grande nos maiores municípios, especialmente na região metropolitana de Natal e no oeste do Estado, que é onde ocorreram estes últimos ataques.”
Juliana Melo afirma que a facção divulgou outros salves mais recentemente, que não tiveram a repercussão de agora, e avalia que as autoridades do Rio Grande do Norte talvez não tenham dado a devida atenção à última convocação.
“Podem ter pensado que eles não iam dar conta de fazer o que estavam prometendo, porque estariam enfraquecidos depois que várias lideranças foram presas e por causa da disputa com o PCC”, diz a pesquisadora.
“Mas, agora, eles conseguiram se organizar um pouco melhor. Isso mostra que eles não foram dissolvidos, estão atuantes e são uma força violenta, infelizmente.”
Hermes afirma os ataques recentes indicam que houve uma falha nas medidas de prevenção a ações criminosas.
“Dizer que a culpa é das autoridades do Estado seria forte demais, mas, com certeza, os responsáveis pela segurança, ou seja, a secretaria e seus sistemas de inteligência, falharam”, diz o pesquisador.
Esta não é a primeira vez, afirma Juliana Melo. Ela dá como exemplo o massacre de Alcaçuz, como ficou conhecida a maior rebelião do sistema prisional do Estado, ocorrida em 2017.
“As famílias dos presos mandaram cartas dizendo que ia acontecer e foram ignoradas. O sistema de segurança pública falha o tempo todo. Enquanto não melhorar a situação nas cadeias, não vai conseguir resolver esse problema, que é cíclico.”
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