Conhecida pelas belas praias e forte presença da comunidade latina, a região de Miami, nos Estados Unidos, está no centro das discussões sobre os impactos das mudanças climáticas.
O local, que sofre com a incidência de furacões, inundações e com o calor cada vez mais extremo, busca implementar políticas públicas que tentem amenizar o prejuízo financeiro e o sofrimento dos moradores locais.
O Condado de Miami-Dade, que conta com cerca de três milhões de habitantes e uma série de cidades, aposta na expansão de áreas naturais para ajudar a absorver água e um sistema que prevê uma série de novos quebra-mares, que protegem a estrutura existente em caso de enchentes.
Além disso, o local conta com uma Chief Resilience Officer (secretária de Resiliência, em tradução livre) como forma de buscar respostas dentro da administração pública para alterações climáticas.
Para especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, as políticas públicas implementadas pela comunidade de Miami são positivas, mas o fardo econômico da modernização da infraestrutura e a necessidade de uma integração com governos nacionais e internacionais é um desafio crescente.
Região no centro das atenções
De acordo com uma projeção do relatório da organização Christian Aid que lista as cidades do mundo com maior risco de futuras inundações costeiras, mais de um bilhão de pessoas estão expostas a essas elevações periódicas das águas até 2070.
Miami lidera o ranking das cidades com maior impacto econômico negativo possível causado por essas cheias. Até a data, a cidade poderá perder até US$ 3,5 trilhões em ativos.
“As inundações são um enorme problema em todo o mundo e irão piorar se as emissões de carbono continuarem a aumentar. Milhões de pessoas vivem nas zonas costeiras e já são vulneráveis a tempestades, inundações e erosões costeiras devido às alterações climáticas”, afirma Mariana Paoli, líder global de defesa de direitos da Christian Aid.
A brasileira Heloisa Arazi é corretora de imóveis em Miami e mora na cidade há cerca de 25 anos. Ela conta que os desafios que as mudanças climáticas trazem aos moradores locais são cada vez mais perceptíveis.
“Eu não me recordo de ver, há 25 anos, inundações no bairro onde moro. Hoje, já há ruas que inundam, mesmo com as atualizações dos sistemas”, afirma.
De acordo com Arazi, os planos de combate a tais mudanças são bem vistos pela população em geral e ajudam no crescimento do mercado imobiliário pelo qual a região passa.
“Miami passa por um boom imobiliário enorme. As incorporadoras usam as medidas de prevenção que vêm sendo feitas como um argumento positivo para vender imóveis, como se o sistema de drenagem da região já está atualizado, por exemplo, mesmo que os desafios permaneçam”, diz.
Poder público tenta se organizar
De olho na necessidade de se adaptar à nova realidade, a Prefeitura do Condado de Miami Dade criou secretarias para pensar e organizar políticas públicas que combatam as mudanças climáticas.
Há cerca de dez anos, o Condado iniciou o esboço de organizar pastas que cuidassem dos pontos mais urgentes, como o calor extremo, a conservação das águas da baía e a precaução das enchentes.
Saiu daí a ideia de criar uma Secretaria de Resiliência, que tem como missão “fornecer liderança com base científica para planejar e implementar soluções para conviver com a água e o calor, além de conservar recursos naturais”.
Com a secretaria fornecendo apoio, há cerca de três anos, a prefeitura de Miami-Dade iniciou uma estratégia real para lidar com o aumento das águas.
Segundo o órgão, locais que inundaram uma vez por ano na década de 1930 agora inundam até 12 vezes. Por isso, a cada US$ 1 investido em mitigar inundações, US$ 7 serão economizados no futuro.
De acordo com a secretária interina de Resiliência de Miami-Dade, Patricia Gomez, a prefeitura trabalha em ações e documentos que “estabeleçam a estrutura para as mudanças políticas que devemos fazer para nos adaptarmos com sucesso à medida que o nível do mar aumenta na nossa comunidade”, diz.
Além disso, são cinco principais pontos que o poder público já implementa na região: construção de novos aterros; elevação de estruturas sobre estacas nas quais as águas possam passar; transporte público ocupando terrenos altos; expansão de parques à beira-mar e abertura de canais nos locais mais propensos a inundações; e criação de uma rede de pequenos espaços para vazão de água nos quintais, ruas e parques.
A prefeitura local publicou também o Programa de Edifícios Sustentáveis, que define diretrizes para projetos de construção e infraestrutura para ativos de propriedade do Condado, como dar preferência a prédios sustentáveis e que partam de um projeto que proteja os moradores em caso de enchentes.
“Qualquer edifício ou infraestrutura pertencente ao Condado deve ser construído de acordo com essas diretrizes, que incluem medidas que levam em conta a futura subida do nível do mar e inundações”, afirma Gomez.
A secretária destaca também soluções mais baratas e sustentáveis adotadas.
“Sabemos que sistemas naturais como recifes de coral, tapetes de ervas marinhas, mangues e dunas de areia podem ser extremamente eficazes na redução de tempestades e ajudam a nos proteger contra a subida do nível do mar e inundações”, diz.
“[Tais iniciativas] também tendem a ser mais baratas a longo prazo porque as soluções naturais podem regenerar-se após um evento extremo”, completa.
Problemas ainda existem
Apesar das iniciativas coordenadas pelo poder público, a complexidade da situação mostra que os desafios estão apenas começando.
Para Esber Andiroglu, professor de engenharia da Universidade de Miami, as medidas propostas são boas; no entanto, não devem ser exercidas isoladamente, mas sim acompanhadas por diversas medidas e regulamentações da política ambiental.
“Embora tal abordagem seja benéfica do ponto de vista funcional e econômico, deve ser implementada estrategicamente. Por exemplo, a elevação de avenidas de transporte, centrais de serviços públicos e centros econômicos pode ser essencial, mas a elevação generalizada de todas as comunidades pode não ser viável”, diz.
Além disso, a subida do mar e inundações consentidas em locais que já foram elevados também trazem malefícios biológicos à região.
“Inundações frequentes, juntamente com baixas elevações topográficas, criam oportunidades para a perda de controle do escoamento de águas pluviais e a interação de vários contaminantes com os recursos de água doce e o ambiente marinho, que são essenciais para o ecoturismo nesta região”, conta.
Mudança constante
A secretária interina de Resiliência, Patricia Gomez, afirma que o poder público local está em constante reciclagem e atento às críticas.
Ela lembra que a região de Miami-Dade já foi um pântano e que, após a intervenção de engenheiros do Exército dos EUA, há mais de 100 anos, é que a região foi totalmente habitada.
Portanto, segundo ela, a ação não é uma resposta exata a um planejamento urbano desordenado, mas, sim, algo pensando em relação às escolhas feitas no passado e, por isso, a sociedade local deverá estar sempre atenta às alterações climáticas e ambientais.
“À medida que as condições mudam, nós também temos de mudar. De qualquer forma, estamos confortáveis com esta ideia, uma vez que a mudança está incorporada no nosso DNA. O Condado de Miami-Dade está sempre mudando. Somos uma comunidade que abraça a mudança e o que vier a seguir, sempre mantendo um olho nas lições que aprendemos com o nosso passado”, diz.
De acordo com a secretaria, a chave para superar os desafios das alterações climáticas é trabalhar em colaboração a nível local, regional, nacional e internacional.
“No Condado de Miami-Dade, os acontecimentos extremos e as alterações climáticas não são políticos. Nossos residentes vêem as mudanças acontecendo diante de seus olhos e querem que Miami-Dade continue a ser um lugar onde possam viver, trabalhar e se divertir. Estamos todos juntos nisso quando se trata de investir em resiliência”, afirma.
Para Mariana Paoli, da Christian Aid, é importante tornar a preparação para catástrofes uma parte central de qualquer resposta governamental ao colapso climático.
“É necessário começar do topo, com os políticos a compreenderem a necessidade de reduzir drasticamente as emissões, caso contrário os desastres climáticos irão se tornar muito piores. As autoridades também devem comprometer-se com um financiamento climático ampliado, adequado e previsível”, afirma.
Os países ricos, diz ela, ainda precisam de cumprir a maior parte dos seus compromissos com os países mais pobres.
“Mas também é importante ter pessoal dedicado cuja função seja lidar com a resiliência climática e tornar as comunidades tão seguras quanto possível”, conclui.
Fonte: BBC
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