- Author, Adrienne Bernhard
- Role, BBC Future
Está para começar uma nova era da aviação.
No dia 12 de junho de 2023, a Agência Federal de Aviação dos Estados Unidos (FAA) emitiu um Certificado Especial de Aeronavegabilidade para um modelo de veículo voador desenvolvido pela empresa Alef Aeronautics. O certificado permite que a aeronave voe em locais limitados para fins de exibição, pesquisa e desenvolvimento.
Mobilidade Aérea Avançada (AAM, na sigla em inglês) é uma expressão geral para designar aeronaves de carga ou passageiros com alto nível de automação. Frequentemente denominados táxis aéreos ou aeronaves de decolagem e aterrissagem vertical (VTOL), esses veículos teoricamente oferecem transporte porta a porta mais rápido e seguro.
No Brasil, a Embraer anunciou nesta quinta-feira (20/7), data em que são celebrados os 150 anos do nascimento de Santos Dumont, que fabricará eVTOLs em uma fábrica em Taubaté (SP), a ser ampliada para atender a nova demanda. A previsão é que os primeiros modelos sejam entreguem em 2026.
A vantagem desses veículos voadores é que velocidade deles não é reduzida pela infraestrutura física da região, nem pelos congestionamentos em terra. E, embora o carro voador ainda seja algo muito distante, o reconhecimento do veículo da Alef é um marco na história da mobilidade aérea.
Existem ainda muitos desafios a serem solucionados até que os carros voadores se tornem realidade nas cidades pelo mundo. Seu ruído constante durante voo, decolagem e aterrissagem é apenas um deles.
Os fundadores da Alef começaram a trabalhar com este conceito em 2015 e criaram o primeiro protótipo de carro voador em tamanho natural em 2019. O Modelo A é um carro de passageiros para dois ocupantes, adequado para circulação em terra, com autonomia de 322 km no solo e 177 km no ar.
Elegante e compacto, o veículo é projetado para parecer um carro normal. Ele não precisa de pista para decolar e chega até a caber nas vagas de estacionamento tradicionais.
E as inovações de operação do projeto do Modelo A são tão importantes quanto a sua forma. A companhia afirma que a tecnologia patenteada do veículo permite que ele decole verticalmente e se transforme em um bimotor no meio do voo. Suas portas se transformam em asas — uma iniciativa para tentar revolucionar o nosso transporte diário.
Mas, até o momento, de fato ver o Modelo A voar foi privilégio de alguns poucos investidores, em uma demonstração em 2019, segundo o website da empresa. E uma série de dificuldades tecnológicas permanece sem solução.
“Alguns dos componentes de que precisamos simplesmente ainda não existem no mercado”, explica o executivo-chefe da Alef Aeronautics, Jim Dukhovny. “Por exemplo, para evitar estresse diferencial, precisamos de sistemas de propulsão motora altamente especializados.”
As restrições de tamanho, peso e preço irão determinar quando esses veículos estarão disponíveis ao público e se será possível dirigi-los com segurança.
O pioneiro
A Alef, sediada na Califórnia (EUA), espera começar a fabricação dos carros voadores em 2025 ou no início de 2026.
Mas os veículos já estão disponíveis em pré-venda. O preço atual é de US$ 300 mil (cerca de R$ 1,44 milhão), mas a empresa espera que o custo em escala seja de US$ 35 mil (cerca de R$ 168 mil).
O Modelo A é considerado um “veículo de baixa velocidade” ultraleve — uma classificação legal originalmente reservada para carrinhos de golfe e pequenos veículos elétricos. E vem com orientações muito rigorosas emitidas pela Agência de Segurança do Tráfego Rodoviário dos Estados Unidos.
“É um pioneiro”, afirma Dukhovny. “Quando os carros começaram a substituir os cavalos, surgiram muitas questões parecidas: sobre segurança, o que iria acontecer com as cidades… muitos queriam voltar para os cavalos. Se tudo for feito certo, o carro voador deverá ser mais seguro.”
Mas o Modelo A, afinal, pretende ser um carro. E fazer com que um carro seja seguro para o céu — ou seja, leve e aerodinâmico — pode, de fato, reduzir sua segurança nas estradas.
“A parte mais difícil ainda é a transição: nós não sabemos o que acontece quando o veículo é transferido da terra para o ar”, explica Dukhovny.
Idealmente, a transferência de autoridade da terra para o ar seria automática, mas existem obstáculos complexos, tanto legais quanto de segurança.
As operações de mobilidade aérea urbana serão principalmente de responsabilidade da agência nacional de aviação de cada país, como a FAA, nos Estados Unidos, e a ANAC, no Brasil.
Agências de aviação têm jurisdição sobre todas as operações no espaço aéreo nacional e são responsáveis pela certificação de novos tipos de aeronaves, após análises de segurança.
Já o papel das cidades para garantir a segurança será colocar em ação as normas estabelecidas pelas agências.
Um relatório provisório publicado pela FAA afirma que as operações com carros voadores empregarão, inicialmente, as mesmas normas e estruturas de regulamentação já existentes (como as regras de voo visual e voo por instrumentos), como plataforma para o melhor desempenho das aeronaves e maiores níveis de autonomia.
O relatório levanta algumas preocupações, sem abordá-las totalmente. São questões sobre ruídos, poluição, segurança, sustentabilidade e custo.
Quem irá dirigir os carros voadores, por exemplo? Os passageiros precisarão de licença? Como os “vertiportos” (os pontos de decolagem e aterrissagem para este tipo de veículo) e os carros voando em grandes altitudes afetarão a vida da vizinhança? Qual será a jurisdição responsável por um acidente em pleno ar?
A velocidade desses veículos pode gerar colisões, seja com edifícios ou entre os próprios carros. Por isso, o planejamento preciso e cientificamente orientado dos trajetos é essencial.
A FAA imagina que “táxis aéreos” possam operar em corredores específicos entre aeroportos e vertiportos nas áreas urbanas. Mas, até o momento, não existem disposições de planejamento de rotas e trajetórias para carros voadores.
Sem barulho
E existe a questão dos ruídos. É difícil projetar carros voadores que sejam excepcionalmente silenciosos, principalmente se a operação comercial em larga escala envolver centenas de decolagens e aterrissagens por hora.
Propulsores elétricos e outros elementos de projeto da propulsão dos carros voadores podem reduzir a poluição sonora. Além disso, os urbanistas certamente precisarão considerar o nível de ruído em decibéis dos vertiportos ou locais de aterrissagem. Mas pode ser necessária a criação de normas governamentais rigorosas para controlar os níveis de ruído.
Para isso, podem ser adotadas as normas sobre infraestrutura aérea existentes nas regulamentações atuais — que são aplicadas aos aeroportos e heliportos tradicionais.
Em um esforço para ajudar os fabricantes a projetar veículos mais silenciosos, a Nasa (agência espacial dos EUA) se associou à FAA, a pesquisadores universitários e outros líderes do setor para desenvolver ferramentas de software que possam elaborar modelos e prever os ruídos da AAM.
A campanha da Nasa sobre mobilidade aérea avançada irá estudar a reação humana aos ruídos de baixa frequência, o limite do chamado “ruído de banda larga” (os sons que o ser humano não consegue relacionar a fontes específicas) e como prever qual será o som produzido por essa grande quantidade de veículos voando simultaneamente.
A empresa britânica Arup oferece serviços de projeto, engenharia e sustentabilidade para ambientes urbanos. Ela realizou recentemente uma mesa redonda para discutir as possibilidades e desvantagens do mercado da mobilidade aérea.
“A forma em que as cidades têm mais oportunidade de impor o controle é por meio dos alvarás de funcionamento”, segundo o diretor responsável da Arup em San Francisco, Byron Thurber.
“Como ocorre com as companhias aéreas e os aeroportos, os municípios têm autoridade para regulamentar a operação dos serviços comerciais de mobilidade aérea”, prossegue ele. “Isso pode incluir regras sobre os limites de horários de operação, a densidade máxima de vertiportos em certos bairros e as tarifas.”
Em outras palavras, as cidades podem limitar quando e onde os serviços de táxi aéreo podem operar.
Será o fim dos congestionamentos?
Talvez não seja uma surpresa que Los Angeles (EUA)s, com seus enormes congestionamentos, costume ser mencionada como uma das primeiras a adotar a mobilidade aérea. Mas como os carros voadores podem ajudar a destravar uma cidade tão congestionada como Los Angeles?
“Um ponto a ter em mente é que a mobilidade aérea urbana não irá eliminar os congestionamentos”, afirma Thurber. “Na verdade, provavelmente não iremos ver no céu um volume de veículos próximo da quantidade de carros no solo. E, se isso acontecesse, teríamos congestionamento no céu.”
Um cenário mais provável é o uso de táxis aéreos em áreas densamente povoadas, como o centro de Londres ou Nova York, no horário de pico.
Inicialmente, os únicos a conseguirem voar talvez sejam os passageiros muito ricos, como ocorreu nos primeiros tempos da aviação comercial. Mas, ao longo do tempo, a economia de escala pode tornar os carros voadores acessíveis — especialmente se as cidades puderem incentivar as empresas a fornecer acesso e serviços para os bairros de baixa renda.
Em 2021, o Departamento de Transporte de Los Angeles (Ladot) contratou a Arup para elaborar um relatório com observações estruturais sobre a política de mobilidade aérea urbana, com ênfase específica sobre a isonomia de uso. O relatório destaca que os carros voadores devem ser considerados um serviço municipal subsidiado e um bem público.
Depois de estabelecida a validação do conceito, com a realização de testes rigorosos e redução dos riscos de segurança, os serviços de mobilidade aérea avançada devem funcionar de forma similar às bibliotecas, escolas, aeroportos e estradas — não como uma tecnologia preocupante, mas como um bem acessível a toda a comunidade.
Fonte: BBC
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