• Alessandra Corrêa
  • De Washington (EUA) para a BBC News Brasil

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Joe Biden enfrentou votações apertadas no Congresso

Desde que assumiu a Casa Branca, em janeiro de 2021, o presidente americano, Joe Biden, tem lidado com divisões não apenas entre seu partido Democrata e os republicanos, mas também dentro de sua própria base de apoio.

Nos dois primeiros anos de seu governo, Biden contou com margens apertadas no Congresso. No Senado, os democratas só tinham o controle porque, nos Estados Unidos, cabe ao vice-presidente dar o voto de desempate nas decisões na Casa.

Algumas das propostas mais progressistas de Biden não foram adiante depois de receber resistência até por parte de nomes democratas, como os senadores Joe Manchin, da Virgínia Ocidental, e Kyrsten Sinema, do Arizona (que neste mês trocou sua filiação partidária de democrata para independente).

Mas, apesar das divisões, o líder americano chega à metade de seu mandato com sucessos legislativos importantes, alguns inclusive com apoio bipartidário, como as medidas relacionadas a infraestrutura e energia limpa.

Entre os destaques da agenda do democrata também está a aprovação de medidas que ampliaram as redes de proteção social. Em outros casos, como o perdão a dívidas estudantis, Biden recorreu a ordens executivas, sem passar pela aprovação do Congresso.

Os desafios enfrentados por Biden podem ser comparados ao que espera o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no momento em que assume seu novo mandato à frente do governo brasileiro. Assim como o líder americano, Lula deverá enfrentar não apenas a oposição, mas também disputas internas dentro das próprias forças que apoiaram sua eleição.

Analistas que acompanham a política em ambos os países destacam algumas semelhanças e diferenças entre o cenário brasileiro e o americano.

Coalizão e governabilidade

“Ambos (Biden e Lula) precisam ser políticos hábeis e trabalhar duro com suas próprias legislaturas para conseguir o que desejam”, diz à BBC Brasil o ex-embaixador Melvyn Levitsky, que serviu no Brasil de 1994 a 1998 e atualmente é professor de política internacional na Universidade de Michigan.

“Ambos terão de lidar com essa cena política e se envolver pessoalmente. Isso vai tomar o seu tempo, mas é necessário para que seus programas sejam aprovados. Biden já está fazendo isso. E, com base no que temos visto, tem sido bem-sucedido”, observa.

Crédito, Reuters

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Lula deve enfrentar problemas em sua própria base de apoio

Mas Levitsky e outros analistas ressaltam que o grande número de partidos no Brasil é uma diferença importante em relação aos Estados Unidos.

“Obviamente, há muito mais partidos no Brasil, então você precisa de uma coalizão. É diferente nos Estados Unidos, onde há na verdade apenas dois partidos (o Democrata e o Republicano)”, ressalta o ex-embaixador.

Lula derrotou o presidente Jair Bolsonaro com uma imensa coalizão de centro-esquerda, com posições muitas vezes distintas em vários temas.

Para garantir a governabilidade e aprovar medidas e reformas, o petista tem pela frente um grande esforço de articulação política. Em busca de maioria de votos no Congresso, terá também de angariar apoio de partidos de centro-direita.

“Lula precisa reunir essa coalizão. Ele tem uma tarefa difícil em termos de manter essa vantagem no Congresso brasileiro”, avalia Levitsky.

“Alguns desses partidos têm visões diferentes tanto sobre questões domésticas quanto externas. Isso vai exigir que Lula e sua equipe reúnam essa coalizão e a mantenham unida para aprovar propostas no Congresso.”

Para o cientista político Matthew Taylor, professor da American University, em Washington, e autor de vários livros sobre a política brasileira, a grande diferença nos Estados Unidos é o Partido Republicano.

“Não há análogo ao Partido Republicano no Brasil, que vá continuar a promover os interesses do presidente que deixou o cargo”, diz Taylor à BBC News Brasil.

“Mesmo o Centrão, que é a força contínua mais importante na política brasileira atualmente, é ambivalente em relação a Lula de uma maneira que provavelmente é útil a Lula”, avalia Taylor.

“Acho que o legado do modo de governar de Lula durante o período em que esteve na Presidência (no mandato anterior) é lembrado com apreço pelos partidos do Centrão. Isso é muito diferente do binário de republicanos versus democratas nos Estados Unidos”, salienta.

“Creio que há muitos congressistas no Brasil que provavelmente estão felizes com a saída de Bolsonaro, e isso estabelece um tipo de política diferente do que Biden está enfrentando nos Estados Unidos”, afirma.

O professor de relações internacionais Carlos Gustavo Poggio, do Berea College, no Estado do Kentucky, também cita a estrutura bipartidária nos Estados Unidos como uma das principais diferenças no cenário que espera o presidente brasileiro.

“(No Brasil) não há essa estrutura bipartidária, sólida, bem desenhada. Você tem essa geleia institucional, partidos que não são partidos”, diz Poggio à BBC News Brasil.

“Isso cria uma relação completamente diferente, que Lula navega muito bem”, afirma.