- Leandro Prazeres
- Da BBC News Brasil em Brasília
A campanha presidencial estava a todo vapor quando, no dia 25 de setembro, o perfil no Twitter do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pediu votos a parlamentares aliados para combater um inimigo comum.
“É preciso votar nos deputados e deputadas do time do Lula. Porque vamos ter que acabar com o orçamento secreto”, disse um trecho da mensagem.
Dois meses depois, Lula venceu as eleições presidenciais repetindo as críticas ao orçamento secreto. Na quarta-feira (30/11), porém, parlamentares do PT na Câmara dos Deputados ficaram em silêncio durante a votação de uma proposta para acabar com o mecanismo. A medida não foi aprovada.
A mudança de postura do partido em relação ao que foi prometido durante as eleições e o que está ocorrendo durante o período de transição entre o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) e o novo governo Lula chamou a atenção de analistas e internautas e levantou uma pergunta: o que fez o PT mudar seu discurso (e sua prática) sobre o orçamento secreto em tão pouco tempo?
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que os principais motivos que fizeram o novo governo Lula e seus aliados a mudaram a postura em relação ao assunto são: busca por governabilidade, receio de desagradar o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) e a necessidade de aprovar a proposta de emenda constitucional (PEC) da Transição, que garantiria o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600 em 2023.
O que é orçamento secreto
O “orçamento secreto” é o apelido que se deu a um mecanismo orçamentário conhecido como emenda de relator-geral.
Anualmente, o Congresso Nacional precisa aprovar uma lei com a previsão de gastos do governo federal no ano seguinte. Ela é chamada de Lei Orçamentária Anual (LOA).
Ela determina qual será a verba destinada para cada órgão do governo. Parte dessas despesas é obrigatória, como o salário dos servidores. Outra parte é discricionária. Isso significa que é o governo quem decide em quais obras, projetos ou programas os recursos serão aplicados.
Apesar disso, existe uma parcela do orçamento federal que é destinado de acordo com o Congresso Nacional. Essa destinação é feita por meio das chamadas emendas parlamentares.
É por meio delas que deputados e senadores enviam recursos para investimentos nas regiões onde ficam as suas bases eleitorais.
Até 2020, a maior parte das verbas que ficavam sob o controle do Congresso Nacional era destinada por meio das emendas individuais.
Neste tipo de emenda, os valores são divididos igualmente entre os deputados e tanto a autoria quanto os projetos que receberam esses recursos são públicos.
Em 2020, porém, Congresso ampliou o volume de recursos destinados a um outro tipo de emenda: as emendas de relator-geral.
O relator-geral é o parlamentar responsável pela elaboração do projeto de lei do orçamento da União.
Em 2021, reportagens do jornal O Estado de S. Paulo revelaram que bilhões de reais foram destinados a diversos programas do governo por meio das emendas de relator-geral. A diferença é que, ao contrário do que acontecia nas emendas individuais, em que todas as informações sobre a autoria e destinação ficavam visíveis, nas emendas de relator-geral, os seus reais autores não apareciam. Por isso o apelido “orçamento secreto”.
Pelo fluxo revelado nas reportagens, os parlamentares enviavam as suas sugestões de emendas para o relator e, depois disso, ele aparecia como o responsável pelas destinações, impossibilitando a identificação e a conexão entre os autores e os destinatários dos recursos.
Especialistas em transparência governamental criticam o dispositivo sob o argumento de que ele favorece a ocorrência de casos de corrupção.
A Polícia Federal abriu investigações para apurar supostos casos de corrupção envolvendo a destinação de verbas públicas por meio de emendas do “orçamento secreto”.
Estimativas apontam que em 2021, o valor destinado ao “orçamento secreto” foi de R$ 16 bilhões. Para 2023, a expectativa é de que o valor chegue a R$ 19 bilhões.
Críticas e mudança de postura
A oposição a Jair Bolsonaro fez duras críticas ao “orçamento secreto”. A principal delas era a de que o mecanismo seria usado por Bolsonaro e Arthur Lira para conseguir apoio parlamentar ao governo do presidente.
Durante o período eleitoral, Lula não poupou ataques ao dispositivo.
No dia 27 de julho deste ano, pelo Twitter, o então candidato classificou o mecanismo como uma “excrescência”.
“O orçamento secreto é a excrescência da política brasileira. Não é sério. Se você quer fazer algo sério, não é secreto. Isso nunca aconteceu, e acontece agora, porque o atual presidente não governa, é uma marionete”, disse.
Em entrevista ao Jornal Nacional no dia 25 de agosto, Lula disse que iria conseguir convencer o Congresso a acabar com o “orçamento secreto”.
“Isso é um escárnio. Isso não é democracia. Essas coisas, pode ficar certa, pode ficar certa, que nós vamos resolver. Eu estou olhando para você, porque eu quero que você me cobre. Nós vamos resolver conversando com os deputados”, disse Lula à jornalista Renata Vasconcelos.
Nos últimos dias, no entanto, o tom adotado por aliados do presidente Lula sobre o assunto mudou.
Durante a negociação da PEC da Transição, articuladores do presidente eleito falavam abertamente sobre a permanência das emendas de relator-geral no ano que vem.
Em entrevista ao programa Roda Viva, o senador eleito e um dos principais aliados de Lula, Wellington Dias (PT-PI), disse que, agora, o líder petista defende que a questão é política e deve ser resolvida pelos próprios parlamentares ou pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
“Tem um julgamento que pode acontecer a qualquer momento no Supremo que questiona a constitucionalidade do orçamento (secreto). E o que o presidente (Lula) disse publicamente e nas visitas que tem feito é: ‘É um problema político e é importante que o próprio Congresso, Câmara e Senado encontrem uma solução”, disse.
Uma alternativa cogitada pelos aliados de Lula é de, em vez de acabar com o orçamento secreto, determinar que parte do valor reservado para as emendas de relator-geral seja destinada a investimentos.
Estratégia, medo e governabilidade
Para o professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marco Antônio Teixeira, a mudança de postura do PT em relação ao fim do “orçamento secreto” se deve a um cálculo estratégico.
“O PT e o governo eleito mudaram de postura porque eles sabem que sem o apoio de Lira, a PEC da Transição não passa. O PT se viu diante do seguinte impasse: trabalhar para acabar com o orçamento secreto ou conseguir apoio para a PEC da Transição. Eles escolheram a segunda opção. Essa é uma armadilha difícil de sair”, disse o professor.
Para aprovar a medida, porém, o governo eleito precisa dos votos de três quintos dos parlamentares nas duas casas em dois turnos, o que é considerado muito difícil de obter. E para conseguir esse apoio, diz Teixeira, o PT precisa de Arthur Lira.
A professora de Ciência Política da PUC de São Paulo Deysi Cioccari, avalia que a posição do PT também tem um foco em garantir governabilidade nos próximos dois anos. Ela diz que Arthur Lira caminha para ser reeleito como presidente da Câmara dos Deputados em 2023 com mandato de dois anos.
Por isso, não seria prudente para o PT trabalhar para acabar com o orçamento secreto uma vez que o funcionamento do mecanismo seria uma das fontes de influência de Lira no Congresso Nacional.
“O PT não quer repetir a história de Dilma (Rousseff), que se indispôs com o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e acabou afastada por um impeachment, em 2016. O novo governo quer evitar que isso se repita e precisa de apoio para aprovar a PEC da Transição”, disse Cioccari.
Na terça-feira (29/11), a federação partidária que reúne o PT, PV e PCdoB anunciou apoio à reeleição de Lira. O PSB, partido do vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, também apoiará o atual presidente da Câmara.
Os dois especialistas afirmam que o novo governo Lula deverá ser cobrado por parte dos eleitores que votaram no petista caso ele não cumpra a promessa de acabar com o orçamento secreto.
“Isso deve aparecer em períodos eleitorais. Vai ter uma repercussão inicial nas eleições municipais de 2024, mas vai voltar com força nas eleições de 2026”, avaliou Marco Antônio Teixeira.
“Isso com certeza será explorado. Isso mostra que Lula não fez campanha eleitoral para governar, mas para ganhar as eleições. Depois que ganhou, ele se deu conta de que quem manda hoje no Brasil é Arthur Lira. Se o orçamento secreto nasceu no governo Bolsonaro, vai ser institucionalizado no governo Lula”, disse a professora Deysi Cioccari.
Teixeira avalia que, diante das circunstâncias, a única esperança para que o orçamento secreto seja extinto recai sobre o STF. É que o Supremo avalia ações judiciais que pedem o fim da execução das emendas de relator-geral, o que poria fim ao “orçamento secreto”.
“Considerando a conjuntura, só o julgamento no STF pode dar fim ao orçamento secreto. Não há ambiente político para que isso ocorra neste momento sem a atuação do STF”, afirmou.
Você precisa fazer login para comentar.