• Giulia Granchi
  • Da BBC News Brasil em São Paulo

Crédito, Catherine Falls Commercial/Getty Images

Em 2022, enquanto a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou em 5,8%, a alta do preço médio do aluguel residencial superou o índice em quase três vezes, chegando a 16,55%, o maior valor em 11 anos.

O dado é do índice FipeZap , que considera valores de novos aluguéis em 25 cidades e é calculado com base em anúncios de domicílios desocupados — que podem ou não apontar o preço final que o inquilino pagará para morar ali, já que alguns locatários podem aceitar ofertas e baixar o valor para conseguir fechar negócio.

Outro índice, o IVAR (Índice de Variação de Aluguéis Residenciais), calculado pela FGV com base em contratos de aluguéis já assinados, aponta uma média menor, mas também acima da inflação: 8,25% na taxa acumulada em 12 meses.

As razões para o aumento do aluguel acima da inflação incluem mudanças no cenário econômico e no comportamento, como a busca por imóveis mais centrais após os momentos mais críticos da pandemia da covid-19. Entenda:

1. Reflexos de acordos feitos durante a pandemia

“Na fase mais aguda da pandemia, entre 2020 e 2021, muitos proprietários negociaram descontos no valor do aluguel com seus inquilinos que passavam por dificuldades financeiras geradas, por exemplo, pela perda de um emprego”, aponta André Braz, economista e pesquisador do FGV IBRE (Instituto Brasileiro de Economia).

Se durante meses os acordos foram uma forma de manter, para o proprietário, o imóvel ocupado, e para o locatário, uma forma de manter o pagamento do aluguel em dia, quando a economia se recuperou um pouco, foi hora de reaver as contas, segundo o economista.

“No ano passado, houve crescimento do PIB próximo de 3%. Então, nessa situação, muitos proprietários que não haviam praticado um reajuste no valor do aluguel e até que haviam dado desconto, passaram a cobrar reajustes um pouco maiores do que aqueles que estão no contrato. A partir disso, observamos o IVAR girando em torno de 9% — bem acima da inflação, de 5,8%, medida pelo IPCA”, complementa Braz.

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Legenda da foto,

Razões para o aumento do aluguel acima da inflação em 2022 incluem mudanças no cenário econômico e no comportamento, como a busca por imóveis mais centrais após os momentos mais críticos da pandemia

O economista do QuintoAndar Vinicius Oike diz que “a reabertura da economia gerou uma recuperação mais forte do que o esperado, com a criação de empregos. Isso reaqueceu, consequentemente, a demanda pelos aluguéis”.

Em 2022, o Brasil criou mais vagas de emprego formal do que encerrou – foi registrado um saldo positivo de 2,038 milhões de postos com carteira assinada segundo o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), do Ministério do Trabalho e Emprego. O saldo, no entanto, foi 26,6% menor do que o observado no ano anterior, que marcou a retomada da atividade após o período mais agudo de impacto da pandemia de covid.

2. Procura por imóveis em regiões centrais

“Junto com a reabertura da economia, a valorização das áreas mais centrais das cidades também volta a acontecer. Se durante a pandemia a busca era por espaços maiores, saindo das capitais, em 2022 o movimento é inverso. Muitas pessoas voltam a querer morar em regiões que têm acessibilidade maior a serviços, polos de emprego, centros de ensino, e com isso, há a valorização do aluguel”, explica Oike.

De acordo com o economista, as pesquisas feitas pelo Quinto Andar, com foco em capitais brasileiras, mostram que há um aumento na demanda por apartamentos menores.

“Os apartamentos não ficam muito tempo disponíveis, mas o aumento do preço também levou a alguns ajustes nas buscas: há mais público para apartamentos menores. É outro movimento interessante.”

3. Juros altos e menor interesse por financiamento

A alta da taxa Selic, que está em 13,75% ao ano desde agosto de 2022, diminui o ritmo de pessoas aderindo ao financiamento imobiliário, segundo especialistas.

“Continuamos com o cenário de habitação que não é favorável à aquisição. Quando temos taxa de juros muito baixa, vemos pessoas saindo do papel de locatários e se tornando proprietárias — o que acontece agora é justamente o contrário”, analisa Juliana Inhasz, economista e professora do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa), em São Paulo.

“Com a taxa de juros baixa, as pessoas se comprometiam com aquisições, e assim, a oferta para alugar era muito grande e o preço caía. A taxa de juros hoje é alta e, em paralelo, temos o aumento do custo da construção civil. Com isso, o custo para ter um imóvel, seja construir ou comprar pronto, é muito alto. O aluguel acaba se tornando a forma mais interessante — ou a única possibilidade — e a demanda por locação pressiona a oferta, subindo os preços.”

Expectativas para inflação em 2023

“Há uma tendência, no curto prazo, de estabilização da inflação deste ano, que pelas previsões se posiciona em patamar ligeiramente abaixo do que fechou o ano passado. Seguindo essa direção, o IVAR [que aponta os preços dos aluguéis] também deve desacelerar, mas ainda acima da inflação média”, explica André Braz.

A percepção, no entanto, como reforça a professora Juliana Inhasz, pode mudar nos próximos meses.

“No ano passado, tivemos vários eventos que alteraram os preços, principalmente relacionados a produção de alimentos, que foi afetada pelo clima. Isso fez com que os preços subissem bastante e alterou o IGP-M.”

O IGP-M, índice frequentemente usado como indicador para reajuste em contratos de aluguel, leva em conta a inflação ao produtor (IPA), consumidor (IPC) e construção civil (INCC).

Para Inhasz, o cenário é desafiador para quem depende de aluguel. “Não estamos enxergando para 2023 uma queda da taxa de juros, que é um fator importante para impulsionar a casa própria. Não é o único fator, mas é importante, pois com a taxa baixa, as pessoas topam financiar. E também não estamos prevendo aumento de renda. Assim, habitações alugadas devem continuar altas ou serem pressionadas para cima.”

Nesse cenário, o economista Vinicius Oike, do Quinto Andar, considera que uma das grandes tendências do mercado imobiliário para as capitais é a ascensão dos microapartamentos.

Uma pesquisa inédita feita com dados do Quinto Andar, Imovelweb e Wimóveis mostra que o preço é o principal atrativo para essa busca. O valor de um microapartamento (considerado pelo estudo qualquer imóvel com menos de 30 metros quadrados) chega a custar, em média, metade do valor de um apartamento de um quarto maior.

“São Paulo e Rio de Janeiro são cidades que se destacam para essa tendência. Muitas vão ser lançadas e foram pensadas para o mercado de aluguel”, diz Oike.