Crédito, Getty Images

Enquanto a cidade litorânea lamentava a tragédia, grupos de direita radical usaram o incidente como uma oportunidade para intimidar comunidades não brancas e de imigrantes.

Vigílias pacíficas na cidade logo deram lugar à violência e destruição. A onda de distúrbios — na qual manifestantes arremessaram tijolos, bombas de fumaça e outros projéteis contra a polícia, e solicitantes de asilo foram alvo de ataques em hotéis — se espalhou para outras partes do Reino Unido, incluindo Hull, Liverpool, Manchester, Blackpool e Belfast.

O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, descreveu as cenas dos distúrbios como “selvageria de direita radical”, dizendo aos jornalistas: “Não há justificativa para tomar essa atitude.”

Nem todos que estão nas ruas, no entanto, apoiam protestos violentos ou possuem ligações com grupos de direita radical, de acordo com uma análise feita pela equipe da BBC Verify.

Os distúrbios também parecem atrair pessoas preocupadas com crimes violentos ou levadas pela desinformação de que o ataque estava ligado à imigração ilegal.

Desinformação

Crédito, PA Media

Legenda da foto, Vigílias pelas vítimas foram feitas após os assassinatos

Quando a notícia dos esfaqueamentos em Southport veio à tona, a desinformação sobre a identidade do suspeito se espalhou rapidamente nas redes sociais.

Devido à idade dele, a polícia só podia confirmar que um rapaz de 17 anos havia sido acusado — e pediu à população que parasse com especulações.

Mas boatos de que o suspeito era um solicitante de asilo muçulmano que havia chegado ao Reino Unido de barco foram alimentados por influenciadores de direita radical nas redes sociais, que incentivavam as pessoas a “tomar uma atitude”.

De acordo com a BBC Verify, um deles era um influenciador do X (antigo Twitter) chamado Stephen Yaxley-Lennon (que usa o pseudônimo Tommy Robinson), associado ao fundador da Liga de Defesa Inglesa (EDL, na sigla em inglês), grupo de direita radical.

As alegações falsas começaram a inundar as plataformas de rede social, atingindo um grande público — incluindo pessoas comuns sem nenhuma conexão com indivíduos e grupos de direita radical, segundo a BBC Verify.

“Não houve uma força motriz única”, diz Joe Mulhall, chefe de pesquisa do grupo antirracismo Hope Not Hate.

“Isso reflete a natureza da direita radical contemporânea. Há um grande número de pessoas engajadas em atividades online, mas sem uma estrutura de associação ou membros — não há nem sequer uma estrutura formal de liderança, mas (as pessoas) são direcionadas por influenciadores de redes sociais. É como um cardume de peixes, em vez de uma organização tradicional.”

Racismo e imigração

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Grupos se aproveitaram da revolta com as mortes para estimular violência

As eleições gerais, realizadas no início de julho, trouxeram à tona temas como a imigração e a chegada de migrantes em pequenos barcos ao Reino Unido.

Nigel Farage, que foi um dos protagonistas da campanha pelo Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia), também voltou à cena política como líder do partido político Reform UK, que pediu o bloqueio da imigração “não essencial”.

Em resposta aos violentos protestos, ele afirmou que “a maioria da nossa população pode ver a fragmentação das nossas comunidades como resultado da imigração em massa e descontrolada”.

As evidências mostram que há uma preocupação por parte da população no Reino Unido em relação aos níveis atuais de imigração legal e ilegal.

Uma pesquisa do instituto Ipsos revelou em fevereiro que 52% das pessoas acreditavam que os níveis atuais de imigração eram muito altos. Dois anos antes, apenas 42% diziam isso.

Mas a pesquisa Ipsos mostrou que as pessoas, em geral, são mais otimistas em relação ao impacto da imigração do que o contrário, embora essa diferença também tenha diminuído desde 2022.

Outros grupos, incluindo o Patriotic Alternative, de direita radial, que organizou protestos contra imigrantes, promoveram encontros que se aproveitaram da revolta da população em relação aos ataques de Southport e que se transformaram em distúrbios violentos.

Grupos de direita radical mais extremistas pediram deportações em massa.

“Uma das coisas que constantemente impede que a direita radical seja uma força maior neste país são as brigas internas, mas Southport de fato a uniu”, disse à BBC Radio 4 Lizzie Dearden, autora do livro Plotters: The UK Terrorists Who Failed, que já foi editora de assuntos nacionais do jornal britânico The Independent.

Crédito, PA Media

Legenda da foto, Hotéis que abrigam solicitantes de asilo também se tornaram um foco para ataques racistas e anti-imigração

Ataques racistas tiveram como alvo mesquitas em partes da Inglaterra, exigindo a presença de força policial especial em algumas áreas.

Hotéis que abrigam solicitantes de asilo também se tornaram um foco para ataques racistas e anti-imigração.

Na cidade de Aldershot, no sul da Inglaterra, o jornalista da BBC Paddy O’Connell testemunhou um fluxo de manifestantes do lado de fora de um hotel que abriga solicitantes de asilo.

“No Facebook, uma manifestação pacífica foi convocada para chamar a atenção para problemas de moradia (e) problemas de integração — e a coisa ficou muito feia. Arremessaram tijolos, gritaram insultos raciais, e foi muito assustador estar no hotel”, disse ele ao podcast Newscast, da BBC.

Na calçada do lado de fora, ele conversou com duas irmãs do Afeganistão que estavam buscando asilo no Reino Unido.

“[Os manifestantes] chegaram de repente e estacionaram os carros aqui. Eles estavam tentando entrar no hotel. Quebraram até o muro e o portão. Janelas também foram quebradas. Foi muito assustador”, contou uma das irmãs, de 22 anos.

“Eles estavam abusando de nós [gritando insultos] e fazendo vídeos, o que não é um bom comportamento”, acrescentou a outra irmã, de 17 anos.

Saques a lojas

Legenda da foto, Onda de violência incluiu saques a lojas

Alguns manifestantes também usaram os distúrbios para se envolver em atividades criminosas, incluindo saques a estabelecimentos comerciais.

Em Sunderland, cidade no nordeste da Inglaterra, uma filial da lanchonete Greggs e uma agência do banco NatWest foram invadidas. Denúncias de saques em um centro comercial em Blackpool, no noroeste, também estão sendo investigadas pela polícia.

Em Hull, no nordeste, um repórter da BBC também testemunhou saques e várias lojas sendo atacadas — sendo uma delas, incendiada. As lojas no centro da cidade fecharam mais cedo, e o transporte público também foi afetado.

Em uma postagem no X no último sábado (3/8), o Conselho Municipal de Sunderland afirmou: “Sunderland é conhecida por ser um lugar acolhedor e amistoso, os eventos desta noite não são um reflexo desta cidade orgulhosa e do seu povo”.

“Vamos nos unir, como sempre fazemos, para restaurar a calma em nossas comunidades.”

O prefeito local acrescentou: “Coisas como essa realmente afetam a maneira como a população local se sente, mas o trabalho de limpeza feito durante a noite pelo Conselho de Sunderland foi sem dúvida gigantesco”.

“E o que realmente me anima é o fato de que as pessoas em Sunderland vão se unir esta manhã e ajudar nessa limpeza.”

Legenda da foto, Mohammed Idris disse que não pretende reabrir seu estabelecimento comercial

Mohammed Idris, dono do Bash Café, no sul de Belfast, na Irlanda do Norte, diz que não vai reabrir o estabelecimento, incendiado durante protestos violentos no sábado.

Idris contou à BBC News que seus negócios já haviam sido alvo de ataques antes, como sua loja de informática no ano passado.

“Minha loja de informática foi completamente destruída, assim como esta cafeteria. Esta cafeteria era uma esperança, um lugar para uma comunidade — agora não há esperança aqui.”

Cortes de verba para serviços locais

Alguns grupos apontaram os efeitos de anos de austeridade e cortes de verba do governo para serviços locais.

Após o tumulto inicial em Southport, o grupo Hope Not Hate afirmou que a coesão da comunidade havia sido “rebaixada ao longo de vários anos como consequência de cortes de gastos e da falta de priorização desta área” durante o governo anterior.

“É imperativo que o novo governo desenvolva uma estratégia que fortaleça as comunidades e defina como responder a incidentes como esses”, acrescentou.

Durante os anos de austeridade no Reino Unido, de 2010 a 2019, o ex-chanceler George Osborne e seus sucessores efetuaram uma redução de gastos de mais de £ 30 bilhões em pagamentos de assistência social, subsídios de moradia e serviços sociais.

Especialistas alertaram que a instabilidade social e financeira pode tornar os jovens mais suscetíveis à radicalização de direita. Isso também pode ter sido agravado pelo impacto duradouro da pandemia de covid-19.

“As pessoas estavam mais isoladas, não tinham aquelas redes principais, sejam elas de esporte, lazer, sociais, de professores ou outras redes familiares para desafiar alguns destes pontos de vista”, explicou Gareth Rees, detetive de combate ao terrorismo, à BBC.

Análise de Mark Easton, editor de assuntos nacionais da BBC

Diante de uma série de histórias diárias de crimes terríveis, podemos imaginar que o país está se tornando uma terra sem lei.

No entanto, quando você pergunta às pessoas sobre suas experiências com o crime, vemos o oposto, de acordo com as respostas dado ao levantamento Crime Survey na Inglaterra e no País de Gales.

Em Sunderland, parecia que muitos viam os distúrbios como um espetáculo de sexta-feira à noite, uma oportunidade de demonstrar sua indignação contra um Estado que, segundo eles, os ignora.

Para outros, foi menos espontâneo. Pouco antes de os tumultos começarem no centro da cidade, um trem de Glasgow, na Escócia, chegou à estação cheio de homens vestidos com a bandeira do Reino Unido. Eles foram recebidos por uma multidão com sotaque sulista.

Notei alguns rostos ligados à agora extinta Liga de Defesa Inglesa — não é a primeira vez que vejo tensões raciais eclodirem em 45 anos de cobertura no Reino Unido.

O que é diferente desta vez é que a autonomia de publicação nas redes sociais significa que aqueles que querem incitar a multidão podem fazer isso sem se preocupar excessivamente com os fatos.

Há evidências de que sites de propriedade estrangeira estão espalhando ativamente a desinformação, que é absorvida e disseminada por extremistas ligados a uma série amorfa de grupos autodenominados “patriotas”.

Para aqueles que estão vendo a violência irromper em sua comunidade, este é claramente um momento muito preocupante, e ainda não sabemos se já vimos o pior.

Mas assisti à operação de limpeza nas ruas de Hartlepool, no nordeste, e li a pesquisa que indica que a Grã-Bretanha está mais segura e tolerante hoje do que nunca.

Por causa disso, minha sensação é que agora seria um erro supor que o hooliganismo orquestrado de direita radical é representativo do clima na Grã-Bretanha.